Governo Dilma planeja extinguir incentivos fiscais mas rejeita discutir o pacto federativo
17 janeiro 2015 às 11h02
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Guerra fiscal é uma expressão pejorativa para definir algo que é positivo para o crescimento e o desenvolvimento dos Estados, os incentivos fiscais. Sem eles, Bahia, Ceará, Goiás, Tocantins, Pernambuco e Mato Grosso seriam meras colônias de São Paulo
O marxismo cometeu o equívoco de reduzir a importância do indivíduo na história. Porém, há outro equívoco, o de transformar um indivíduo em mágico, daqueles capazes de salvar países. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não é um ideólogo, por isso está de olho nos números reais da economia.
Um dos mais brilhantes economistas brasileiros, Edmar Bacha, numa entrevista ao “Valor Econômico” (quarta-feira, 14), elogiou a equipe econômica, por seu realismo: “O discurso dos ministros atuais é bem mais modernizante do que o dos que saíram. Joaquim Levy é até um ponto fora da curva. (…) Não existe ninguém mais ortodoxo no Brasil. Fora o Meirelles [o goiano Henrique, ex-presidente do Banco Central], é difícil encontrar alguém mais ortodoxo do que o Joaquim no Brasil. Ela [a presidente Dilma Rousseff] colocou lá [no Ministério da Fazenda] um símbolo. Acho que a direção é essa, a do ajuste”.
Em seguida, Edmar Bacha sugere que, na Cúpula das Américas, no Panamá, em maio, Dilma Rousseff relance a Área de Livre Comércio da América (Alca). “Nosso único risco é ficarmos ricos e finalmente nos tornarmos integrados ao resto do mundo.”
No mesmo “Valor Econômico”, na edição de 6 de janeiro, Joaquim Levy fez uma crítica dura ao patrimonialismo. “O patrimonialismo é a pior privatização da coisa pública. Ele se desenvolve em um ambiente onde a burocracia se organiza mais por mecanismos de lealdade do que especialização ou capacidade técnica, e os limites do Estado são imprecisos. A antítese do sistema patrimonialista é a impessoalidade nos negócios do Estado, nas relações econômicas e na provisão de bens públicos, inclusive os sociais”, destaca o ministro.
Joaquim Levy não é nenhum nefelibata e, por isso, sabe que a presidente Dilma Rousseff chegou ao governo e gere a máquina pública a partir de uma aliança adepta do sistema patrimonialista. Assim, deverá fazer o ajuste da economia, levando-a a crescer, sobretudo a partir de 2017, sem liquidar o patrimonialismo, que, obviamente, não é tarefa para um ministro, e sim para vários presidentes. Joaquim Levy é economista e, claro, não é prestidigitador.
Joaquim Levy defende uma harmonização racional do ICMS, com o objetivo de acabar com o que chama de guerra fiscal. Para tanto, seria criado um fundo, ou dois, para compensar as perdas de Estados como Goiás, Ceará, Tocantins, Mato Grosso, chamados de emergentes. Embora fale que é leitor de livros de história, o ministro da Fazenda parece não levar em conta uma questão. Durante anos, o governo federal incentivou o crescimento e o desenvolvimento de algumas regiões, como São Paulo, em detrimento de outras. São Paulo responde por mais de 30% do PIB brasileiro em larga medida porque se beneficiou, durante anos, dos favores da União.
Aquilo que chamam de guerra fiscal é muito mais. Na verdade, são políticas de crescimento e desenvolvimento dos Estados emergentes, que sempre foram mantidos à margem pelo governo federal, tradicionalmente controlado por paulistas e mineiros. Para atrair indústrias para Goiás, para citar um Estado, os governos locais tiveram de criar incentivos fiscais, como o Fomentar e, depois, o Produzir. Sem os incentivos, dificilmente empresas como Mitsubishi, Perdigão e Hyundai, entre várias outras, teriam se instalado no Estado. Os incentivos fiscais, portanto, podem, de certa forma, serem considerados “fundos compensatórios” — dado o escasso apoio da União.
Com os incentivos fiscais, os Estados criaram políticas de crescimento e desenvolvimento que funcionam. Extingui-las agora é contraproducente, e fundos, como a Lei Kandir, nem sempre compensam grandes perdas. Não deixa de ser sintomático que, no momento em que o governo federal joga pesado para acabar com os incentivos fiscais dos Estados, não se discute a revisão do pacto federativo. O fim dos incentivos fiscais pode levar a uma concentração ainda maior de recursos na União e reduzir o crescimento econômico dos Estados, o que, no final das contas, pode refletir na queda, ainda mais, do crescimento da economia nacional.