Gestor que não for político pode se tornar um desastre pra si e pra Goiânia

19 novembro 2023 às 00h12


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O presidente Lula da Silva é mais político do que gestor, mas é exatamente por ser político que está fazendo uma gestão eficiente. Ao mesmo tempo que faz um trabalho de recuperação da imagem externa do país, o petista-chefe opera um reordenamento da gestão pública
Circula nos gabinetes políticos pesquisas qualitativas e quantitativas a respeito dos humores dos eleitores de Goiânia. Elas exploram vários aspectos. Por exemplo, há uma sensação, apresentada pela maioria dos entrevistados, de que a segurança pública melhorou na capital, de maneira exponencial, nos últimos quatro anos e dez meses. O tema, portanto, dificilmente será exposto pelos candidatos a prefeito na principal cidade do Estado no pleito de 2024 — daqui a dez meses. Ao menos circunstancialmente é uma questão superada, ou seja, não é apontada como um “problema”.
Saúde e educação, por mais que melhorem, sempre estará na ordem do dia. Nas duas áreas, quanto mais se conquista, mais a sociedade exige. O que é normal. De qualquer forma, há o consenso de que o SUS funciona. Há problemas — exige-se um atendimento mais célere, sobretudo no campo de cirurgias eletivas —, mas sem maiores gravidades. Quem já foi atendido no Hugol, no Hugo, no Crer e nas maternidades públicas de Goiânia sabe da qualidade do atendimento e do tratamento.
A educação pública é bem avaliada e, por isso, cada vez mais alunos da rede estatal entram nas melhores universidades do país — como a Universidade Federal de Goiás — e nos cursos mais disputados, como Medicina, Veterinária, Direito, Engenharia, Odontologia, Ciência da Computação.
Então, se antigos problemas são hoje menores, o que os eleitores têm a dizer sobre a disputa de 2024? Uma pesquisa qualitativa diz que o eleitorado de Goiânia cobra a figura do gestor.
Mas o que é “gestor” para os goianienses? Numa frase coloquial, sempre repetida, os eleitores cobram um candidato a prefeito que “não deixe a peteca cair”. Isto é, que saiba administrar. É o óbvio, mas, como disse Darcy Ribeiro, o óbvio precisa ser dito e repetido.
Os goianienses não toleram lixo nas ruas e calçadas dos bairros onde moram e trabalham. Governantes podem apresentar explicações — algumas até plausíveis —, mas não são aceitas pela população. Esta não quer palavras salgadas ou edulcoradas. Quer, isto sim, sua cidade limpa, cheirosa (Nion Albernaz dizia que, nas suas gestões, a capital cheirava… bem).
Os eleitores cobram também que as obras sejam terminadas — e não se tornem transtornos que parecem permanentes. A Avenida Goiás Norte, no dizer de comerciantes, se tornou uma novela. Empresários reclamam das obras no Centro da capital, sobretudo na Avenida Goiás. Há também a Avenida 82, cuja recuperação — que está ficando bem-feita (a pavimentação é de boa qualidade, duradoura) — parece interminável.
Os eleitores são realistas e nada adeptos de pirotecnias. Querem um passo adiante, é certo — alguma ideia que os motive a acreditar na política e num futuro menos incerto e mais produtivo para todos. Mas o que querem de verdade são serviços funcionando — como a coleta de lixo regular, ônibus circulando com a frequência necessária e ruas sem buracos. Pode-se concluir que os goianienses querem o básico, que, no fundo, é sinônimo de essencial. Veja-se um caso. Há, no momento, várias ruas sendo recapeadas — e o serviço está sendo bem-feito. Mas demora-se muito a repintar as faixas para pedestres passarem. Trata-se de um problema que parece “menor”, mas, no fundo, não é. É crucial para a segurança (a sobrevivência) de quem anda a pé em ruas muito movimentadas.
O fetiche do gestor
Se as qualis dizem que os goianienses querem um gestor no Paço Municipal, para administrar Goiânia entre 2025 e 2028, a informação deve ser considerada pelos analistas. Mas vale um breve questionamento — que não invalida, em nenhum momento, o dado básico, quer dizer, o desejo dos moradores da capital.
De fato, insistamos, os goianienses querem um gestor para administrar Goiânia. Quanto a isto não há o que questionar. Mas é possível acrescentar uma informação (ou interpretação) extra, que às vezes as pesquisas não apontam e não apuram.
Basta ser gestor para cuidar bem de uma cidade como Goiânia, com 1,5 milhão de habitantes? Frise-se que, durante os dias da semana, milhares de moradores de outras cidades buscam a capital. Estão à procura da excelência de sua Medicina — nas várias áreas, como cardiologia, oftalmologia, psiquiatria, ortopedia, dermatologia etc. — e também de seu comércio pujante. Na região da Rua 44 — que, a rigor, se tornou um bairro dentro de outro bairro, o Setor Central — milhares de pessoas circulam durante o dia fazendo compras. São pessoas de Goiânia, de cidades do interior de Goiás e de outros Estados. Os hospitais de Goiânia — os públicos e os privados — atendem pacientes de todo o Estado e também de outras regiões do país. O SUS é, afinal, universal. O Sistema, como diz o nome, é Único, ou seja, de todos os brasileiros, que podem ser atendidos em quaisquer cidades.
Para responder à pergunta do início do parágrafo anterior, é preciso colocar uma questão: Goiânia precisa de um mero gestor ou precisa de um gestor que também tenha habilidade política?
O gestor-gestor às vezes, por falta de sensibilidade política, esbarra em vários problemas… políticos. Se não sabe se relacionar com vereadores, acabará “engessado” pela Câmara Municipal. No geral, se tornará uma espécie de refém permanente. Quando estiver aprendendo a articular no mundo real, o das concessões complexas e, eventualmente, necessárias, seu governo estará praticamente no fim.
Então, por vezes, um grande gestor, com experiência ampla na iniciativa privada e mesmo numa cidade menor — como Senador Canedo —, pode naufragar numa metrópole como Goiânia.
O fracasso, se ocorrer, não será pelo fato de ser gestor, é claro, e sim, quem sabe, por não articular bem politicamente.
E quando se fala em articular politicamente se está referindo não apenas na conexão com a Câmara de Vereadores. Esta é crucial, porque, se não for bem-feita, inviabiliza a gestão, retardando a execução de projetos.
Mesmo o prefeito de uma cidade grande, como Goiânia — que tem um orçamento extraordinário —, precisa articular politicamente com o governador do Estado e o presidente da República. Veja-se o caso de Maguito Vilela, que, como prefeito de Aparecida de Goiânia, mantinha um relacionamento qualitativo com o governador de Goiás e com o presidente do país. Resultado: além de ser um administrador eficiente, gerindo bem as verbas municipais, conquistou recursos federais que foram fundamentais para fazer duas administrações consideradas altamente produtivas. A liberação de empréstimos depende, por exemplo, da Secretaria do Tesouro Nacional. Prefeitos precisam também de interlocução com a Caixa Econômica Federal, e não apenas para a construção de casas populares.
Portanto, se o gestor é político — e não se está falando do politiqueiro —, a tendência é que a cidade ganhe mais do que se ele for apenas gestor ou apenas político.
É provável que os eleitores queiram um gestor-político ou um político-gestor para administrar sua cidade. Porém, como a imagem do político é desgastada, quando acionado pelos pesquisadores, tanto nas qualis quanto na quantis, os eleitores tendem a mencionar que querem um gestor e a detonar o político.
Os eleitores, por duvidarem dos políticos, às vezes não entendem que não há saída para melhorar a sociedade fora da política. Não se trata apenas de gestão. O presidente Lula da Silva é mais político do que gestor, mas é exatamente por ser político que está fazendo uma gestão eficiente. Ao mesmo tempo que faz um trabalho de recuperação da imagem externa do país — que estava deteriorada por causa do discurso e das ações do ex-presidente Jair Bolsonaro —, o petista-chefe opera um reordenamento da gestão pública federal.
Se fosse apenas gestor, Lula da Silva certamente estaria “emperrando” o país. No caso, trata-se de um político que tem espírito de gestor, e usa a política, de maneira hábil, para destravar a gestão. Há quem o critique por articular com o Centrão no Congresso. Na realidade, ele está certo. Porque, sem a negociação política, não teria como governar, sobretudo porque o bolsonarismo é forte na Câmara dos Deputados.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, é um gestor eficiente. Mas também é um político qualificado. Em larga medida, sua gestão é positiva porque há um político operando, não apenas como administrador, para que ela funcione bem.
As pesquisas que apresentam o gestor como a pedida dos eleitores goianienses são corretas. Mas seus intérpretes precisam levar em conta o que se disse acima. Se não levarem, poderão assistir um político começando atrás nas pesquisas quantis e, quem sabe, terminando em primeiro… nas urnas.
No momento, há quatro gestores postulando a prefeitura de Goiânia: Bruno Peixoto (a Assembleia Legislativa é maior, em termos de gestão, do que várias prefeituras de cidades de médio porte de Goiás), do União Brasil, Gustavo Mendanha (prestes a se filiar ao MDB), Jânio Darrot, do MDB, e Vanderlan Cardoso, do PSD. A deputada federal Adriana Accorsi não é gestora, mas está muito bem avaliada nas pesquisas de intenção de voto, aparecendo em segundo lugar, mas próxima do primeiro (seja Gustavo Mendanha ou Vanderlan Cardoso).