É hora de “reformar” o ex-presidente Jair Bolsonaro de “capitão” para não-cabo eleitoral. No momento, há um cortejo nacional pelo apoio de Bolsonaro por aqueles que, à direita, planejam disputar a Presidência da República, daqui a um ano e dez meses.

É hora de pôr fim ao cortejo. Porque a tendência é que Bolsonaro e membros de seu grupo golpista serão condenados e, em seguida, presos por decisão da Justiça. Ou seja, em 2026, poderá ser um peso morto. (Vale o registro de que, já em 2024, o bolsonarismo não foi tão bem nas disputas municipais.)

Mas a “morte” política de Bolsonaro não será positiva tão-somente para o Brasil e para a democracia. Será altamente positiva para a direita democrática e civilizada. O ostracismo do golpista-mor poderá levar à ressurreição da direita que joga pelas regras constitucionais. Lugar de golpista, é vital enfatizar, é fora da política. É na prisão.

Exército barrou golpe militar

Pergunta-se: por que não ocorreu um golpe de Estado em 2022, após a vitória do presidente Lula da Silva, do PT, e depois de sua posse, em 8 de janeiro? Primeiro, e mais importante, porque a cúpula do Exército — os generais da ativa — não aderiu ao projeto de putsch. Os golpistas conquistaram o apoio do almirante Almir Garnier Santos, comandante da Marinha, mas, fora figuras isoladas e, até, de algum prestígio, não obtiveram o apoio da maioria dos comandantes do Exército.

Freire Gomes: o general que foi decisivo para barrar o golpe bolsonarista | Foto: Reprodução

Há um truísmo na história do Brasil: não há golpe de Estado sem apoio do Exército. Os homens de verde estiveram nos golpes de 1889 (Proclamação da República), 1930 (que levou um civil ao poder, Getúlio Vargas, mas com amplo apoio de oficiais “verdes”), 1937 (o Estado Novo de Vargas só foi possível por contar com o apoio de generais, como Góis Monteiro e Eurico Dutra), 1945 (Vargas foi derrubado pelo Exército) e 1964 (o golpe começou com generais do Exército e todos os presidentes da ditadura eram integrantes da força).

Segundo, se havia apoio nas ruas — o que não significa toda a sociedade brasileira —, faltou apoio político ao golpismo. O Centrão pode ser caracterizado como fisiológico, como aparelhador do Estado, mas uma ditadura, na modelagem da trupe de Bolsonaro, não lhe interessava.

O Centrão precisa “mandar”, ainda que indiretamente, e o faz porque controla, em larga medida, a Câmara dos Deputados e o Senado. Mas, sob um regime ditatorial, quando o Legislativo não tem tanta força, o Centrão seria descartável. Mandatos poderiam ser cassados, por exemplo.

Então, por estranho que possa parecer aos analistas rígidos da realidade, o Centrão é democrático e anti-golpista.

Jair Bolsonaro e o general Mário Fernandes: esfaqueando a democracia | Foto: Reprodução

Sem Exército e sem apoio político (civil) decidido, o golpe de Bolsonaro morreu na praia. Mas que houve tentativa de golpes (no plural), e com planejamento para se cometer violência — como os assassinatos do presidente Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin (para impedir sua posse, pois o político paulista não é de esquerda — é de uma direita conservadora mas moderada) —, é óbvio que houve.

Não só houve tentativa de golpe. Os indícios apontam que Bolsonaro, por meio do general Mário Fernandes — que está preso —, era o seu comandante-em-chefe.

Louve-se o Exército, a força que impediu os golpes de Bolsonaro. Por dois motivos. Primeiro, por não apoiá-lo. Segundo, ao sugerir que iria reagir contra o putsch, o que assustou o bolsonarismo.

Louve-se também os políticos de centro e da direita civilizada que em nenhum momento endossaram o golpismo de Bolsonaro e acólitos.

O dia que Bolsonaro foi Wanderley

Francisco Wanderley Luiz, apoiador de Bolsonaro: um lobo solidário (e não solitário) | Foto: Reprodução

(Na década de 1980, Bolsonaro urdiu o plano Beco Sem Saída com o objetivo de explodir bombas em quartéis do Exército e unidades militares do Rio de Janeiro. O objetivo era desestabilizar o ministro do Exército, Leonidas Pires Gonçalves, do governo de José Sarney.

Portanto, o homem-bomba Francisco Wanderley Luiz — que certamente não era maluco, mas estava impregnado pelo discurso do bolsonarismo, quiçá uma loucura política coletiva da extrema-direita — tem precedente.

Ademais, os aliados de Bolsonaro queriam matar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, o mesmo que pretendia Francisco Wanderley Luiz, que, portanto, não deve ser visto como um lobo “solitário”, e sim como um lobo “solidário”. )

Ou a democracia reage ou deixará de existir

A trama bolsonarista é grave. Porque, além de articular contra o Estado Democrático de Direito, o bolsonarismo decidiu eliminar autoridades basilares do país, como o presidente da República, o vice e um ministro do Supremo. Por isso, os articuladores do golpismo — que, celerado, incluía assassinatos —, possivelmente Bolsonaro e o general Walter Braga Neto, devem ser investigados, julgados, condenados e, por fim, presos. Além de terem os direitos políticos cassados.

Geraldo Alckmin e Lula da Silva: representantes da democracia e do não-golpismo | Foto: Divulgação

A democracia precisa “eliminar” das disputas eleitorais aqueles que não a aceitam e querem “eliminar” democratas e autoridades que sustentam a legalidade institucional. Ou a democracia reage, ou deixará de existir. Basta, portanto, de ser leniente com os antidemocratas, com os que conspiram, em tempo integral, contra o Estado Democrático de Direito.

O militar Reginaldo Vieira de Abreu disse ao general Mário Fernandes: “O senhor me desculpe a expressão, mas quatro linhas é o caralho. Quatro linhas da Constituição é o cacete”.

Reginaldo Vieira de Abreu disse a diatribe porque o general Mário Fernandes estava reclamando do Alto Comando do Exército — que era e continuou sendo contra o golpe de Estado planejado pelo bolsonarismo.

O coronel Roberto Criscuoli disse ao general Mário Fernandes: “Democrata é o cacete. Não tem que ser mais democrata agora”.

A Operação Contragolpe, desfechada pela Polícia Federal, não conseguiu uma única frase dos militares bolsonaristas defendendo a democracia e posicionando-se contra o golpe de Estado. Pelo contrário, todos os que foram flagrados conversando a respeito defenderam o golpe. Alguns deles operaram para evitar a posse de Lula da Silva e, depois, para derrubá-lo e matá-lo.

Direita democrática deve se afastar de Bolsonaro

Por que a direita democrática e civilizada se cala ante as denúncias do golpismo bolsonarista? Em parte porque acredita que vai precisar de Bolsonaro para tentar derrotar Lula da Silva — ou seu candidato — em 2026. Mas pode ser um equívoco.

Ante a quantidade de pus que está sendo exposta, originada de um carnegão gigante, a direita democrática e civilizada precisa se posicionar. Deve dizer à sociedade brasileira que é contra golpes de Estado, a favor da democracia e que Bolsonaro e seu grupo precisam ser punidos, ou seja, eliminados da vida política do país. É hora de firmar posição.

Teme-se que as prisões atuais e as que virão podem não significar o fim da linha para o bolsonarismo. Mas, se a direita civilizada e democrática se posicionar agora — já —, poderá ser vista como a alternativa político-eleitoral viável para a sociedade brasileira. O país sabe que a fragilidade do bolsonarismo não tem a ver com ser de direita, e sim ao fato de ser golpista e antidemocrática.

Se permanecer silente, com receio de perder o apoio do bolsonarismo, a direita democrática e civilizada corre o risco de ficar menor. Se firmar aposição, se disser, com todas as letras, que defende o Estado Democrático de Direito, ou seja, a democracia, tal direita poderá ter chance de ganhar de Lula da Silva.

No momento, Lula da Silva é visto como o defensor da sociedade democrática — e é mesmo —, o que lhe dará força na disputa de 2026. O terror pregado por bolsonaristas, como o assassinato político, deve ser condenado com veemência por todos aqueles que são verdadeiramente democratas.

Se a direita democrática e civilizada se omitir, por cálculo político, pode acabar soçobrando… como o bolsonarismo (espécie de faceta rediviva do Integralismo de Plínio Salgado, e talvez ainda mais violento. Observando que, em 1938, os integralistas tentaram invadir o Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, para matar o presidente Getúlio Vargas).

Posicionando-se em defesa da democracia, condenando o golpismo, a direita democrática e civilizada poderá conquistar, por assim dizer, os bolsões do centro político. Se não se posicionar, poderá assistir, do camarote dos indecisos, o presidente Lula da Silva — a maior raposa política da circunstância — ser eleito para seu quarto mandato.

A direita democrática e civilizada será mais forte se condenar o golpismo do bolsonarismo. Há uma resistência sólida ao PT na sociedade, daí o bolsonarismo. Mas, se o bolsonarismo não for criticado pelos democratas que não são de esquerda, os votos dos eleitores moderados — talvez a maioria — poderão ser dados, como em 2022, a Lula da Silva. E os eleitores não poderão ser criticados. Porque é preciso ficar ao lado dos que defendem, na prática e no dia a dia, a democracia.