“Dicas” pra evitar um golpe de Estado no Brasil e garantir a posse de Lula da Silva
20 novembro 2022 às 00h00
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Numa carta enigmática, o general Eduardo Villas Boas — um dos militares mais qualificados e respeitadas do país (ele está doente, com Ela) — sugere que aprecia as manifestações populares que “cercam” quartéis do Exército pedindo um golpe militar para impedir a posse do presidente eleito, Lula da Silva, do PT, e para defender, possivelmente, a permanência do “capitão” Jair Bolsonaro no poder.
A rigor, Eduardo Villas Boas defende um golpe de Estado? Não há clareza suficiente na carta para que se possa dizer isto. Porém, quando sugere que a “malta” das ruas deve ser ouvida, e pelos quartéis, não se está indicando uma defesa da democracia. O que, no caso, é grave. (Ao ecoar a carta, o general Braga Neto pôs lenha na fogueira.)
Porém, há outro aspecto: quem são, de fato, as pessoas que estão nas portas dos quarteis, como se vivandeiras fossem, pedindo um golpe de Estado?
Até agora a Imprensa não fez reportagens detalhadas sobre as pessoas que estão nas ruas, sob sol e chuva, clamando pelo golpismo. Jornais, revistas e sites limitam-se a abrir espaço para informar que as manifestações são financiadas por empresários, fazendeiros e políticos.
Radicalizadas, os indivíduos que estão nas ruas não querem falar com jornalistas — que, postulam, são contra o golpe civil-militar. Porém, se abordados com certa habilidade, com questionários mais sociológicos e antropológicos, certamente aceitarão falar.
Há uma ideia generalizada de que só “malucos” de direita estão nas ruas. Por certo, há aloprados. Mas a maioria certamente não o é. Tampouco, nas portas dos quartéis, são pessoas inteiramente manipuladas por terceiros, a distância.
Um repórter do Jornal Opção conversou com um empresário (sobrevivente de uma recuperação judicial) e uma advogada competente, mulher de um político, e perguntou-lhes por que estão participando das manifestações pró-quartelada.
A advogada, pessoa absolutamente centrada e com escritório respeitado em Goiânia, contou que esteve na manifestação de terça-feira, 15, em Brasília. Evangélica, frisou que sua posição, além de pró-Bolsonaro e pró-família, tem a ver com o fato de rejeitar a presença de um político “corrupto” na Presidência da República. Ela está falando de Lula da Silva, do PT, o político escolhido por 60 milhões de brasileiros para presidir o país.
Ligada à Igreja Assembleia de Deus-Vila Nova, a advogada admite que seu comportamento é “golpista”? Primeiro, se defende, com uma pergunta: “Bolsonaro é militar?” Depois, acrescenta: “Num regime militar, há disciplina e respeito à ordem”. O repórter assinala: “O presidente e general Ernesto Geisel, que era de direita, disse que decidiu ‘acabar’ com a ditadura porque o governo militar havia se tornado uma bagunça”. A sra., mãe de uma menina, amplia seu discurso: “Não estaríamos nas ruas se o vitorioso fosse um candidato de centro e decente”. Por fim, lembrou da crise econômica do governo de Dilma Rousseff. “Muitos pequenos e médios empresários quebraram no governo da ‘presidenta’”, diz, com leve ironia.
O empresário, que mora num condomínio horizontal, é dono de uma empresa de médio porte e mantém na sua garagem quatro veículos plotados. O jipe, carro de sua devoção, está inteiramente plotado — como se fosse uma bandeira do Brasil. Os demais, retiradas as fotografias de Bolsonaro, estão plotados com convite ao golpe: “SOS Forças Armadas. Salve o Brasil”. Quem fez as plotagens esqueceu de “salvar” antes a Língua Portuguesa — que, no caso, exige a palavra “salvem”, pois o sujeito são (as) Forças Armadas.
Apresentando-se como “conservador” e “católico”, o empresário tem o hábito de passear pelo condomínio com seu jipe-bandeira. Quando encontra um “correligionário”, buzina. Às vezes, anda pelas ruas do bairro vestido de verde e amarelo, não raro com uma bandeira do Brasil nos ombros. Trata-se de um homem maluco e ridículo? Seria um palhaço nacionalista?
Pelo contrário, é um empresário centrado, que gera empregos. Mas é inegável que se trata de um direitista dos mais empedernidos. Admite que é francamente a favor de um golpe de Estado que mantenha Bolsonaro no poder. Sua principal reclamação é de que “houve fraude” nas urnas eletrônicas, daí a vitória de Lula da Silva. Não sabe explicar como se deu a suposta “fraude”. É crítico radical de Lula e do PT, que, de acordo com ele, não têm apreço pelos empresários, sobretudo pelos pequenos e médios.
As “viagens” da advogada e do empresário para Brasília, onde passaram toda a terça-feira, foram “bancadas” e eles foram “manipulados” por alguém? Os dois, abordados em espaços e dias diferentes, dizem que não. O protesto deles é espontâneo e custearam as despesas com a viagem e estadia na capital.
O empresário e a advogada sabem que o Exército não é golpista? Nenhum dos dois apresentou uma resposta precisa e lógica. Acham, porém, que a insistência das pessoas pode incentivar o Exército — as Forças Armadas — a sair do “casulo” e liderá-las, impedindo a posse de Lula da Silva.
Se as duas pessoas ouvidas não estão sendo manipuladas, o Ministério Público Federal já descobriu que há uma rede de financiadores daqueles que se “mudaram” para as portas dos quartéis. Os movimentos antidemocráticos são espontâneos, portanto, apenas em parte. Há orquestração, é claro. Há uma organização logística e tática. Inclusive, vista de perto, algumas das manifestações parecem organizadas por famílias, como se estivessem participando de “piqueniques cívicos”… nas cercanias dos quartéis.
Mas retomando a questão posta inicialmente: quem são as pessoas que clamam por golpe de Estado e pedem o apoio dos militares? Pelo visto, não são, no geral, indivíduos pobres, e sim, ao menos em parte, integrantes das classes médias. Sim, há “ricos” participando e financiando os movimentos. Mas a maioria não é potentada.
Tais classes médias se sentem subrepresentadas pelo Estado no Brasil. No geral, postulam que o Estado serve aos ricos (via BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal etc.) e, eventualmente, aos pobres (com o Bolsa Família e o Auxílio Brasil). Então, pode-se falar numa espécie de “ressentimento” coletivo das classes médias? Há uma sensação de não-pertencimento (de exclusão) à nação que tanto amam e defendem? É provável que sim.
Porém, se Bolsonaro também “não” governou para as classes médias, por que elas, ou parte delas, decidiram apoiá-lo contra Lula da Silva?
As classes médias continuaram subrepresentadas no governo de Bolsonaro. Mas o bolsonarismo conseguiu galvanizar seu apoio político pelo menos por três motivos.
Primeiro, o moralismo anticorrupção. Há corrupção no governo do líder do PL, mas os bolsonaristas acreditam que é em menor escala, em comparação com os governos do PT (que foram vasculhados pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e pela Justiça, o que ainda não ocorreu com o de Bolsonaro).
Segundo, a suposta defesa da família. Ser contra o aborto e o relacionamento entre homossexuais é visto pelo bolsonarismo fundamentalista como uma maneira de proteção aos valores familiares.
Terceiro, e mais curioso, é a transformação de um grande grupo de pessoas (milhões) — que era, digamos, insosso — num gigantesco eleitorado de direita.
Está se dizendo que todos os eleitores de Bolsonaro — 58 milhões — são de direita? Não. O que se está sugerindo é que o bolsonarismo conseguiu, com uma comunicação moderna e proativa nas redes sociais, demonizar a esquerda petista — fica-se com a impressão de que o PT é comunista, quando não é; no máximo, é socialdemocrata — e criar um eleitorado direitista. Nem mesmo a UDN, entre as décadas de 1940 e 1950, conseguiu modelar um eleitorado de direita tão grande quanto o que, radicalizado, apoia o bolsonarismo.
Até pouco tempo, só um partido tinha militância aguerrida no Brasil — o PT de Lula da Silva. Agora, a direita ganhou uma militância ainda mais agressiva e, por vezes, dada à violência. Tal eleitorado sobreviverá aos quatro anos de ostracismo de Bolsonaro? É provável que sim. Pode se cansar de ir às ruas com certa frequência, mas, aqui e ali, vai se manifestar contra o governo do petista-chefe.
Lula da Silva, político hábil, certamente vai precisar abrir um canal de comunicação com as partes menos radicalizadas das classes médias, quer dizer, da direita. Para tanto, é bem possível, terá de se aproximar dos evangélicos mais liberais. Se articular e agregar, avança; se optar pelo revanchismo, que não é sua praia, terá de perder tempo tentando resolver questiúnculas, como caminhoneiros nas rodovias, durante quatro anos. E o presidente eleito terá de controlar seus radicais.
Agora, retomando a questão exposta acima: militares de alta patente, como generais, começaram a ouvir a voz das ruas, dos protestos. Isto significa uma possibilidade real de golpe de Estado? Talvez não.
O mais provável é que os militares estejam dando recados — ao dizer que estão ouvindo o povo das ruas — a um provável revanchismo de Lula da Silva. Pedir o afastamento do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, é, para citar um exemplo, uma bola fora. Democratas realistas não confrontam o Exército — além da Aeronáutica e da Marinha — de maneira tão pueril.
O Exército não quer golpe, pois respeita a Constituição — é o que está dizendo com seu “silêncio”, que começa a “diminuir” —, mas vários de seus integrantes, descontentes com o cenário que o petismo anuncia para o país, inclusive com a possibilidade de revanchismo, sugerem que estão “alertas”.
Mas, afinal, há apoio militar para um golpe? Se ocorrer um golpe, quem vai conter os caminhoneiros e os bolsonaristas, fanatizados ou não, que estão ou estarão nas ruas? Em 1964, há 58 anos, o presidente João Goulart poderia ter reagido ao golpe de Estado. Entretanto, para evitar derramamento de sangue inocente, optou por se refugiar no Uruguai. Agora, em 2022, no caso de um golpe, quem sairia às ruas para um confronto com as hordas bolsonaristas, possivelmente armadas? Qual é a verdadeira correlação de forças?
Por tudo que se disse acima, vital mesmo é torcer para que Lula da Silva assuma a Presidência da República, em 1º de janeiro de 2023, e dê tranquilidade ao país — e sem revanchismo. Para tanto, é preciso evitar contenciosos inúteis com as Forças Armadas — que, até agora, não enfatizaram que querem um golpe de Estado. Pelo contrário, estão sugerindo, mesmo com um discurso enviesado — e por porta-vozes ainda não devidamente autorizados, como o general Eduardo Villas Boas —, que primam pela democracia. Se os “malucos” da esquerda ficarem “quietos”, articulando uma rede de proteção realista à democracia, é provável que os “malucos” da direita voltem para casa. Aos poucos, deixarão as portas dos quartéis e o país em paz…