Em política, como em qualquer área do marketing, importa muito o visual. Nada contra, desde que por trás da aparência haja igual consistência. A questão é que não é isso o que geralmente se encontra

O rei Midas, em pintura do flamengo Frans Francken: o personagem da mitologia grega que transformava em ouro tudo que tocava é o alter ego de muitos candidatos em campanha. Foto: A Mesa do Rei Midas / Frans Francken II, o Jovem
O rei Midas, em pintura do flamengo Frans Francken: o personagem da mitologia grega que transformava em ouro tudo que tocava é o alter ego de muitos candidatos em campanha. Foto: A Mesa do Rei Midas / Frans Francken II, o Jovem

Agosto chegou. As ruas começam a se encher do clima eleitoral. Encontrar carros adesivados com nomes, números e rostos de candidatos e candidatas, algo que até agora foi exceção, se tornará bastante comum. Ainda que as redes sociais possibilitem uma nova forma de militância, ainda há lugar para as caminhadas dos políticos pelos bairros da periferia e as tradicionais carreatas nas cidades do interior. A partir do dia 19, as TVs abertas e as emissoras de rádio retransmitem a propaganda eleitoral em dois horários por dia.

Depois da festa da Copa, chega a hora de outro ritual, para o qual muitos do próprio meio da política utilizam até o mesmo termo, “festa”. Na verdade, há muito pouco a se comemorar, principalmente se o observador do quadro se concentrar na forma com que se conduzem campanha e eleição no Brasil. E então, nesse período em curso, podemos notar a falta que faz uma reforma política ampla, geral e irrestrita para a saúde cívica da Nação.

O problema não se restringe apenas à ausência de uma reforma, mas uma das consequências de ela não se efetivar é, por exemplo, o enorme número de partidos insignificantes em termos de conteúdo ideológico ou histórico e que utilizam seu tempo garantido (por lei, diga-se) no rádio e na televisão para barganhas as mais diversas. São como radicais livres, que estão prontos a se unir a qualquer plataforma que se apresente vantajosa, mas nada radicais, exatamente porque fazem qualquer negócio, sem estarem presos a qualquer valor moral.

Os nanicos podem até fazer barulho, mas quem decide o rumo das eleições são os partidos grandes — hoje PT, PMDB, PSDB e, chegando cada vez mais nesse grupo seleto, PSB. Estes e alguns coadjuvantes de mais peso e história — como PSD, PP, PTB, PDT, SD e (ainda) DEM e PCdoB — é que realmente deveriam assumir a responsabilidade por uma discussão mais elevada sobre as questões políticas.

Infelizmente, não é o que se vê. Os partidos brasileiros, do maior ao menor, e seus candidatos ao Executivo e ao Legislativo se acostumaram ao modo com que “o jogo é jogado”. Um “jogo” em que a peça que menos importa é o eleitor. Ou melhor, para ser mais correto: até que dão importância ao eleitor, por conta do instrumento que ele carrega, o voto. Mas basta o sujeito deixar de ser eleitor para voltar a ser cidadão para seu “valor de mercado” cair.

Nos bastidores da política, e mesmo nas colunas e reportagens dos jornais, o período de pré-campanha, agora encerrado, serve bem para mostrar o que é o “jogado” do jogo. Alianças são costuradas de forma caótica, sem ne­nhum viés programático ou ideológico, ao ponto de se observar ferrenhos arquirrivais hoje se dando as mãos e partidos com tradição histórica deixando seus princípios por causa de um acordo favorável, “pragmático”.

Um bom termômetro para entender como se dá esse processo de discussão preparatório às eleições é o uso, maior ou menor, de determinados termos. Basta o leitor, que também é eleitor, prestar atenção: durante o tempo de preparação para o período eleitoral, chamado de pré-campanha, houve mais presença da palavra “estrutura” ou “proposta”? Falou-se mais em “tempo de TV” ou em “conteúdo programático”? E quem por acaso teve a oportunidade de estar presente em alguma reunião dos até então pré-candidatos presenciou mais discursos sobre plataformas exequíveis ou mais acusações ao lado oposto?

O fato é que todos agora em Goiás, partidos e candidatos, para conquistar o voto dos 4,3 milhões de eleitores do Estado, chegam ao período eleitoral sem que, durante todo o período de pré-campanha tenham feito qualquer tipo de priorização à discussão das políticas públicas. Não se viu nenhum partido levantar bandeira para discutir um problema de Goiás — que, apesar da melhoria em índices econômicos e sociais, ainda enfrenta desafios, como uma saúde precária na maioria dos municípios e índices de violência e criminalidade alarmantes — de forma mais profunda.

Algumas propostas fazem brilhar os olhos dos eleitores mais ingênuos (que, felizmente, decrescem em porcentual, eleição a eleição) e, ao mesmo tempo, testam a paciência dos que raciocinam um pouco além. Para falar apenas dos candidatos ao Executivo, como ainda acreditar em sacadas miraculosas, como resolver o problema da segurança ou alcançar 100% da cobertura para esgoto sanitário, em quatro anos? Candidatos com esse perfil messiânico, que propõem resolver tudo a toque de Midas, parecem fazer o seguinte exercício de lógica: ora, se o eleitor mais consciente de seu papel geralmente já tem seu voto resolvido, o jeito é ir à caça dos indecisos com as propostas mais tentadoras que se possa imaginar.

Em um Estado que não contraria o perfil personalista que prejudica o rumo das eleições em todo o Brasil — o que, por sua vez, também é fruto da carência de partidos fortes e, por consequência, também da falta da reforma política —, o debate continua muito mais cheio de nomes do que de ideias. Questionados mais profundamente sobre as questões que querem implementar ou das bandeiras que pretendem encampar, muitos dos candidatos se mostram despreparados. Alguns ainda parecem, em princípio, se salvar, com o uso de bons recursos de retórica e oratória. Outros, nem assim conseguem sucesso.

De qualquer forma, seja como for, o que passou está no passado. A discussão da pré-campanha não causou muita empolgação nos ânimos de quem já viveu outras corridas eleitorais. A tendência agora é de que tenhamos mais do mesmo: “propagandas” em vez de propostas, com músicas de bom refrão para grudar na mente do espectador e aposta no visual e em recursos gráficos para impressionar.

Dizia um velho slogan de refrigerante que “imagem não é nada”. Não é uma verdade que se sustenta muito além do jogo de palavras apropriado ao comercial em si. Em política, como em qualquer área do marketing, importa muito o visual. Nada contra, desde que por trás da aparência haja igual consistência. A questão é que não é isso o que geralmente se encontra. Dentro de bonitas embalagens, constata-se muitas vezes um produto que não corresponde ao prometido. Por isso, o eleitor/consumidor que se cuide: no caso de propaganda enganosa, não há Procon que resolva. Solução? Só daqui a quatro anos. l