Crise entre Israel e árabes pode arrastar EUA e China para a Terceira Guerra Mundial?

22 outubro 2023 às 00h01

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Especialista em história aplicada, Graham Allison diz que uma guerra entre os Estados Unidos e a China — as duas potências globais — é possível, mas pode ser evitada. É essencial o livro do professor de Harvard que trata do assunto, “A Caminho da Guerra — Os Estados Unidos e a China Conseguirão Escapar da Armadilha de Tucídides?” (Intrínseca, 411 páginas, tradução de Cássio de Arantes Leite).
A Armadilha de Tucídides é o seguinte: a potência hegemônica luta, com unhas e dentes, para evitar que a potência emergente se torne dominante. Graham Allison mostra que, em 16 casos estudados, as potências número um e número dois foram à guerra em 12 deles. No momento, há quase uma guerra fria entre os Estados Unidos e a China. Os dois países batalham pelo controle comercial e, também, político do mundo.


Como uma guerra entre dois gigantes terá resultados imprevisíveis, e com possível uso de energia nuclear, há uma certa cautela. Mas a disputa comercial entre Estados Unidos e China é uma guerra sem, por enquanto, o uso de armas.
A Rússia invadiu a Ucrânia, está matando militares e civis, e não foi atacada nem pelos Estados Unidos nem pelos países europeus que se dizem aliados o país de Volodymir Zelensky. Há dois motivos para a cautela. Primeiro, a nação de Vladimir Putin tem ogivas nucleares e, se atacada pela Otan, pode usá-las tanto na Ucrânia quanto nos países europeus — como Alemanha, Inglaterra e França. Segundo, e talvez mais importante, a terra de Púchkin e Tchékhov tem o apoio da China. É a China — e não a Rússia, uma potência, é certo, mas bem abaixo dos principais contendores — que o mundo, notadamente os Estados Unidos e a Europa, teme.
A China tem bomba atômica, uma economia pujante (uma produção extraordinária, cada vez de mais qualidade, e grandes reservas cambiais em dólar), negocia com quase todo o mundo, e tem um exército gigante — bem armado, motivado e qualificado. É um inimigo perigoso, com conexões variadas. Portanto, uma batalha contra os chineses se tornaria, rapidamente, uma guerra mundial.


No momento, a China não quer guerra. Quer, isto sim, o comando comercial do mundo, por isso está melhorando suas relações comerciais com nações da América Latina, da África e da Ásia. Inclusive, por intermédio de seu banco — simulacro do Banco Mundial —, está emprestando dinheiro para vários países, criando uma dependência que, com o tempo, se tornará incontornável. Portanto, a guerra, por enquanto, é mais comercial-financeira.
Segunda Guerra Mundial e os nazistas
No final da década de 1939, depois de invadir a Polônia (recentemente, por causa da Ucrânia, ameaçada pela Rússia de Putin), a Alemanha nazista de Adolf Hitler foi à guerra contra a Inglaterra, a França e outros países europeus. Curiosamente, o que reforçou o poder de Hitler foi a aliança que estabelecera com a União Soviética comunista de Ióssif Stálin, em agosto de 1939, pouco antes do início da carnificina (morreram, entre 1939 e 1945, de 60 milhões a 80 milhões de pessoas).
Os países ocidentais subestimaram a Alemanha e Hitler. O país e o ditador deixaram a Europa no chão pelo menos até 1943, quando estavam vencendo a guerra. Os líderes nazistas cometeram um erro crucial — atacar um aliado, a União soviética, que, traído e massacrado, aliou-se à Inglaterra (e, em seguida, aos Estados Unidos). Hitler tinha o hábito de ler, mas parece não ter assimilado a história da derrota do exército francês — liderado por Napoleão Bonaparte — na Rússia, em 1812. Há um livro extraordinário a respeito: “1812 — A Marcha Fatal de Napoleão Rumo a Moscou” (Record, 630 páginas, tradução de Andrea Gottlieb Oliveira), que põe o romance “Guerra e Paz”, de Liev Tolstói, no chinelo.


O historiador britânico Antony Beevor sugere que a Segunda Guerra Mundial começou, na verdade, na Ásia — nas guerras entre a China e o Japão (aliado da Alemanha nazista). Pode ser. Mas a guerra que explodiu mesmo o mundo foi a europeia — entre Alemanha (com o apoio da Itália) e Inglaterra.
Ao invadir a União Soviética de Stálin, a Alemanha de Hitler (e, na época, não de Goethe e Heine) perdeu um aliado crucial — um grande fornecedor de alimentos e, sobretudo, não um inimigo. Em seguida, noutro erro grave, o Japão atacou Pearl Harbor, atraindo os Estados Unidos para a guerra. Com a União Soviética (decisiva para derrotar o nazismo) e os Estados Unidos (decisivos na luta contra a Alemanha) em campo, com mais soldados, armas e aviões, houve um desequilíbrio de forças nas batalhas — e os nazistas alemães perderam a guerra (na qual mataram 6 milhões de judeus, milhares de ciganos e testemunhas de Jeová, além de opositores democratas e comunistas)
O que a Segunda Guerra Mundial tem a ensinar aos indivíduos do século 21 — de 2023? Primeiro, a guerra é sempre possível (o filósofo inglês John Gray diz que recuos históricos ocorrem com frequência). Quando menos se espera, explode um conflito localizado que pode se tornar mundial em virtude das alianças. Segundo, ainda que haja bonança no mundo, sobretudo nos países ricos, há uma crise econômica global — que está afetando a China (no setor imobiliário), os Estados Unidos e a Europa (o combate à inflação tem provocado uma relativa recessão). Não se trata de uma crise explosiva, ainda. Mas pode se tornar uma crise incontrolável, o que poderá levar a um redimensionamento das forças global.


Irã e China: os perigos reais
No momento, a pergunta crucial é: a crise do Oriente Médio pode levar à Terceira Guerra Mundial? Talvez sim. Talvez não. Depende de sua expansão. A China ainda não tem presença decisiva na meca do petróleo. Quem está lá, firmemente assentados, são os Estados Unidos. A potência dominante “do” Oriente Médio, dados seus interesses econômico-financeiros, são os Estados Unidos. Do ponto de vista estritamente econômico e geopolítico, o país de Joe Biden e Joyce Carol Oates “é” praticamente uma nação do Oriente Médio.
Os Estados Unidos de Joe Biden enviaram navios de guerra para o Oriente Médio — além do secretário de Estado (e o próprio presidente deve visitar Israel) — não por causa do terrorismo do Hezbollah (assentado no Líbano), do Hamas (na Faixa de Gaza) e da Jihad Islâmica. Tais grupos têm sua força, mas, mesmo juntos, não são páreos para Israel — o país mais bem armado da região.
Dada sua estrutura bélica e tecnológica, Israel pode cuidar sozinho do Hezbollah, do Hamas e da Jihad. O problema é outro — o Irã.


O Irã é um país gigante (1.648.195 km²), muito rico (PIB de 1,284 trilhão de dólares), é o oitavo maior produtor de petróleo do mundo (à frente do Brasil), tem reservas cambiais e forças armadas bem treinadas e com armamentos de primeira linha. É o rival mais perigoso para Israel. Se entrar em cena, pode atrair mais países árabes para a causa anti-Israel (mesmo os países que não resistem ao país de Benjamin Netanyahu e Isaac Herzog não têm a mínima simpatia pelos israelenses, vistos como “usurpadores”) e aí seria uma carnificina geral, o que certamente atrairia o Ocidente para a batalha. Primeiro, para tentar contê-la (e a hora de contê-la é agora, e não depois de ser “iniciada”. É preciso parar a matança de inocentes — vítimas das guerras dos políticos e militares). Depois, para assumir um lado e lutar junto.
Se o Irã entrar na batalha, atacando Israel, este país pode sendo acabar cercado — o que atrairá, de imediato, os Estados Unidos para a guerra. Os navios americanos que estão na área — além da recente presença do secretário de Estado, Antony Blinken — são recados do governo Joe Biden para o Irã, e bem menos para o Hezbollah (talvez seja para o Líbano e para a Síria) e para o Hamas. O que segura alguns países árabes, que gostariam de derrotar Israel, não é a potência dos judeus em si — que é um fato —, e sim o apoio ostensivo do país de Eudora Welty.
No caso de uma guerra ampliada no Oriente Médio, com a entrada direta do Irã no jogo (o país já financia o xiita Hezbollah e o sunita Hamas), como se posicionarão a Rússia de Putin e a China de Xi Jinping?
A Rússia mantém fortes ligações com Israel (também grande aliado da Alemanha e da Inglaterra), mas, certamente, não entrará numa guerra ao lado dos Estados Unidos. Porque, no caso de uma luta ampla na região que mais produz petróleo, sobretudo se for vencida por Israel, o país de Joe Biden sairá ainda mais fortalecido no mundo — o que os russos não aprovam. E mais: se os Estados Unidos “ganharem” no Oriente Médio — e principalmente se a China não tiver entrado na disputa —, por que não continuar com a guerra, marchando rumo a Ucrânia, para combater a Rússia? (Frise-se que, apesar da resistência de Harry Truman, o britânico Winston Churchill avaliava que a guerra, depois de 1945, poderia ter continuado contra a União Sovipetica, da qual a Rússia era a federação mais poderosa.)
Não há dúvida de a Rússia é um player, porém é mais regional do que mundial. O player global, com força similar à dos Estados Unidos, é a China. Então, pode-se sugerir que uma Terra Guerra Mundial, provocada pelos combates em Israel e na Faixa de Gaza e na Ucrânia, só começará mesmo se houver uma interferência dos chineses. Ela é possível? Até agora, a China se apresenta como possível mediadora da paz, talvez por que ainda não se julgue preparada para uma grande guerra.
Qualquer que seja a intenção da China, verdadeira ou meramente tática, a busca da paz é fundamental. Até para evitar que a guerra se estenda a outros países e tantos inocentes (e também soldados, empurrados para as batalhas) sejam mortos no fogo cruzado. É preciso dizer não à matança no Oriente Médio. A vingança de Israel contra o Hamas está se tornando uma vingança contra todos os palestinos — um erro, humanitário e político, que pode ter consequências graves, tanto na região quanto fora dela.