Crise entre Baldy e Caiado joga mais 2022 que disputa na Câmara dos Deputados
31 janeiro 2021 às 00h01
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O ex-ministro tenciona para figurar numa chapa majoritária como candidato ao Senado. O governador precisa articular com toda a base
“Nunca tive um amigo que não pudesse tornar-se um inimigo ou inimigo que não pudesse tornar-se amigo.” — Getúlio Vargas
O futuro não chega de repente e vai sendo edificado no presente. Por isso os políticos vão construindo pontes, raramente arrombando portas abertas e os rompimentos, por mais dolorosos que sejam, às vezes não são para sempre. O adversário de hoje pode ser o aliado de amanhã, assim como o aliado de hoje pode ser o adversário de amanhã. Sabe-se também que a política nacional é produto da política local. Porque, como apreciava sugerir Antônio Carlos Magalhães, espécie de rei informal da Bahia, só é forte na corte quem é forte na província.
Na semana passada, houve um conflito político entre o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (Democratas), e o ex-ministro Alexandre Baldy (Progressistas), secretário da gestão do governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Dadas suas ligações na corte, sobretudo com o presidente nacional do partido Progressistas, senador Ciro Nogueira, Baldy cobrou do político goiano um posicionamento declarado a favor de Arthur Lira, candidato do Progressistas a presidente da Câmara dos Deputados.
A cobrança poderia ter sido feita de maneira privada, considerando que Baldy e Ronaldo Caiado eram aliados e parte da estrutura do ex-ministro estava acomodada no governo do Estado, com os irmãos Adriano Baldy, como titular da Secretaria de Cultura, e na Assembleia Legislativa, com Joel Santana Braga Filho, num cargo de diretor. A cobrança pública soou como um “puxão” de orelhas, ou seja, como uma indelicadeza. Como reação, o governador demitiu Adriano Baldy e o presidente da Assembleia Legislativa, Lissauer Vieira, exonerou Joel Santana. Caracterizou-se, de imediato, um rompimento.
É certo que Baldy articula na política nacional, com Ciro Nogueira, Rodrigo Maia e João Doria. No momento, joga contra o amigo Rodrigo Maia, ao, seguindo Ciro Nogueira, apoiar Arthur Lira. O candidato de Maia é Baleia Rossi, do MDB. Estranho? Não exatamente. Política é circunstância — é-se aliado de um hoje e rival amanhã. O que não significa, necessariamente, que os políticos se tornaram “inimigos” (adversários, sim). Lealdades no mundo da política são provisórias, vagas. Os rompimentos podem não ser eternos.
Mas a crise entre Ronaldo Caiado e Baldy “esconde”, a rigor, uma crise de maior interesse na província — que a emergência da disputa na corte, a presidência da Câmara dos Deputados, deixou submersa. O governador é favorito para a disputa da reeleição, em 2022. Por consequência, há uma verdadeira guerra nos bastidores para participar da chapa majoritária.
Há um consenso de que, no momento — insista-se: no momento —, o vice-governador de Goiás, Lincoln Tejota (Cidadania), não tem cacife para continuar ao lado de Ronaldo Caiado na chapa majoritária na próxima disputa. Perdeu energia, estamina. Portanto, estão praticamente abertas duas vagas na chapa — a do candidato a vice e a do candidato a senador. Daí certo alvoroço tanto na base de Ronaldo Caiado quanto fora.
Para ter mais presença nacional, sem precisar do amparo de Ciro Nogueira e, eventualmente, Rodrigo Maia, Baldy precisa ressurgir como político em Goiás. Noutras palavras, precisa ter mandato — não basta contribuir para eleger um deputado federal, como Adriano “do Baldy” Avelar.
Aos 40 anos, Baldy poderá ser candidato a deputado federal, o que não seria muito difícil, pois dependeria unicamente de sua estrutura. Mas político hábil almeja voar mais alto: quer ser senador. Numa chapa com Ronaldo Caiado, teria mais chance de ser eleito. Porque poderia surfar na onda da popularidade do governador.
Há pedras no caminho de Baldy, e são várias, e cada vez mais difíceis — o que não quer dizer impossíveis — de serem removidas.
O senador Luiz Carlos do Carmo, do MDB — mas de saída, dizem aliados —, quer disputar a reeleição. Seria um candidato natural, até porque foi eleito como suplente de Ronaldo Caiado, em 2014. Ligado à Assembleia de Deus — é irmão do pastor Oídes José do Carmo, um dos dirigentes evangélicos mais respeitados de Goiás —, ele afirma que será candidato à reeleição. Há também pedras no seu caminho.
O deputado federal João Campos, no terceiro mandato, trabalha para ser candidato a senador, possivelmente na chapa de Ronaldo Caiado. Evangélico, da Assembleia de Deus-Vila Nova, é presidente do Republicanos em Goiás. Era considerado como estando fora do jogo, e assim teria de disputar o quarto mandato na Câmara dos Deputados. Mas, com a premência do imponderável e da circunstância, viu-se no centro do palco. Com Rogério Cruz, do Republicanos e da Igreja Universal, na Prefeitura de Goiânia — que representa um poder imenso —, ressurgiu como postulante ao Senado.
O presidente Jair Bolsonaro tenta, no momento, obter o registro do quase-partido Aliança pelo Brasil. Se não conseguir, irá, possivelmente, para o Patriota ou para o Republicanos. Se for para o Republicamos, cacifa ainda mais João Campos para o Senado.
Ao observar a árvore, Rogério Cruz, há quem não perceba a floresta, e sim apenas parte dela. Aparentemente, a floresta que cerca a árvore, o prefeito de Goiânia, é o MDB do ex-deputado federal Daniel Vilela. Em tese, há duas gestões, a de Rogério Cruz, que ainda não emergiu, e a de Daniel Vilela, a que “teoricamente” manda — até por ter indicado os principais técnicos (eficientes, por sinal). O mesmo aconteceu com o ex-presidente José Sarney, que herdou a equipe escolhida por Tancredo Neves e pelo MDB, em 1985. Aos poucos, Sarney foi remontando a equipe.
Conciliador e habilidoso, Rogério Cruz vai governar com uma equipe híbrida, sobre a qual não tem inteira ascendência. Mas, com o conhecimento da estrutura da máquina pública e a constituição de uma maioria na Câmara, não se livrará do MDB, mas tende a reduzir seu espaço em campos estratégicos. Porque, se quiser jogar de maneira sólida em 2022, o Republicanos terá de fazer uma opção: explica aos aliados (como Ronaldo Caiado) o espaço que quer ocupar ou cede a hegemonia para o emedebismo. Claro: hoje a relação entre líderes do Republicanos e do MDB é de amor profundo, derivado da “gratidão”. Mas não há amores eternos em política. O amor é eterno enquanto dura — sugeriu o poeta Vinicius de Morais — tanto nas relações pessoais quanto nas políticas. O pedaço da floresta que “pertence” ao prefeito republicano vai, um dia, aparecer e, quem sabe, sobressair.
Em 2022, cabe a Rogério Cruz decidir: põe o aliado João Campos, do mesmo partido, no jogo para o Senado ou “força” a porta para a entrada de Daniel Vilela.
É óbvio que, para manter sua força política, derivada da estrutura e capilaridade do partido em todo o Estado, Daniel Vilela tende a informar à sociedade e aos aliados que pretende disputar o governo em 2022. A rigor, o MDB tem dois nomes consistentes: o ex-deputado federal e o prefeito de Aparecida de Goiânia, Gustavo Mendanha. A lógica, sugere, porém, que o jovem gestor tende a permanecer no comando de seu município — transferindo seu projeto eleitoral para a disputa de 2026. A lógica sugere que, em 2022, o espaço, numa chapa majoritária, é de Daniel Vilela.
Mas Daniel Vilela será mesmo candidato a governador? Talvez sim. Talvez não. A política funde emoção e razão de maneira extraordinária. Mas a razão tende a prevalecer. O emedebista pretende mesmo disputar contra um governador bem avaliado, com popularidade em alta? Não se sabe. Vale examinar um aspecto: com quais aliados Daniel Vilela, se postular o governo, iria caminhar para a disputa de 2022? Difícil especular? Bem, pode ir com Alexandre Baldy, recém-rompido com Ronaldo Caiado, e com o ex-governador Marconi Perillo (chega-se a falar também em Lincoln Tejota, do Cidadania). Seria uma aliança forte? É provável, mas possivelmente, com os desgastes vindo à tona, também problemática. Sobretudo, se fechar uma aliança com Baldy e Marconi, Daniel Vilela perderá o apoio do Republicanos — que certamente caminhará com Ronaldo Caiado.
Então, abre-se uma outra possibilidade: Ronaldo Caiado pode ter como vice Lissauer Vieira, do PSB, ou Roberto Naves, do Progressistas, ou Vanderlan Cardoso, do PSD, e Daniel Vilela (ou João Campos) como candidato a senador. Uma chapa, sem dúvida, substantiva, pedindo, inclusive, um advérbio de quantidade — “muito” forte. O MDB pode ser o fiel da balança — por ter estrutura em todo o Estado e lideranças renovadas — na disputa de 2022, quiçá contribuindo para uma vitória de Ronaldo Caiado no primeiro turno. Em 2018, o líder do Democratas venceu no primeiro turno, mas, como estava na oposição, não tinha praticamente nenhum desgaste. Na próxima disputa, daqui a um ano e oito meses, mesmo fazendo um governo bem avaliado, inclusive em termos de probidade, terá desgaste. A atração de forças novas, que não disputarão a eleição contra o governador, poderá fortalecê-lo.
Todos os dados estão lançados? Não. Os políticos estão movendo as peças do xadrez — alguns de maneira experimentada, outros nem tanto. O fato é que todos estão jogando. Novas crises vão surgir, porque fazem parte da vida, assim como possíveis reconciliações. Os times ainda não entraram em campo, estão à beira do gramado. Mas as estratégias de cada um começam a ser definidas. É o que se mostrou acima. Fundamental é assimilar que a vida é dinâmica e mutante. Nada é fixo.