Construtores não podem se tornar os verdadeiros “donos” de Goiânia
24 outubro 2015 às 13h13
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Adensamento? Sim, mas com planejamento, com o objetivo de beneficiar a sociedade,
e não apenas grupos econômicos. Uma cidade não pode ter poderes paralelos
Não há a menor dúvida de que Ilézio Inácio Ferreira, Júnior Friboi (José Batista Júnior) e Lourival Louza Júnior têm uma história de respeitabilidade nos seus múltiplos empreendimentos. Ilézio Inácio transformou a Consciente numa das maiores construtoras do Centro-Oeste. Lourival Louza construiu o shopping Flamboyant, edificou hotel e foi parceiro na construção dos residenciais Alphaville em Goiânia. Júnior Friboi, quando os irmãos estavam engatinhando no mundo dos negócios, ajudou o pai, José Mineiro, a transformar o Friboi num gigante que, depois, ganhou o nome de JBS. Agora, com a JBJ (dona do frigorífico Mataboi) e com a JFG, com investimentos na construção civil, planeja erigir seu próprio império.
Mas aos grandes empreendedores de Goiás falta, por assim dizer, uma ideologia desenvolvimentista. Talvez, por pensarem mais no aqui e agora, não tenham uma visão de longo prazo. Pensam mais, diria um economista, no crescimento e, por vezes, deixando de focar no desenvolvimento. Apostar exclusivamente na expansão dos próprios negócios, mas sem perceber o impacto de suas ações, para o bem ou para mal, na cidade e na vida de seus moradores é, a médio prazo — às vezes, até no curto prazo — contraproducente para todos. Até para os empresários. O homem mais rico do Brasil, o empresário e banqueiro Jorge Paulo Lemann, apoia pesquisas universitárias. As famílias Moreira Salles e Setúbal, donas do Banco Itaú, investem pesado na área cultural. Em São Paulo, para ficar num exemplo, o Itaú banca inclusive cinemas de arte. Aqueles filmes desprezados pelo circuito comercial são exibidos nos cinemas financiados pelo Itaú. Multimilionário ou bilionário, Júnior Friboi poderia investir em hospitais e contribuir para a aquisição de equipamentos para universidades, notadamente as públicas.
O Jornal Opção tem feito, ao longo de sua história — quando foi fundado, em 1975, discutiu o sistema de transporte coletivo da capital, chegando a enviar repórter a Curitiba, e abriu um debate sobre a possibilidade de se construir metrô —, um amplo debate sobre o Estado e suas cidades. O jornal não é contra o progresso, não tem a intenção de dificultar os negócios dos empreendedores. O que propõe é que haja uma discussão ampla com foco no interesse não apenas dos empresários, mas sobretudo no de todos os cidadãos.
O debate, aliás, deveria ser proposto pela Prefeitura de Goiânia, pelos empresários, pela Imprensa, pelos vereadores e por urbanistas, arquitetos e engenheiros — e demais cidadãos interessados. Abrir o debate, pensar no interesse coletivo, não significa o mesmo que prejudicar os interesses dos empresários. Pelo contrário, o que se sugere é uma aliança entre os interesses dos que se consideram modernizadores da cidade e os interesses da sociedade. O Plano Diretor, por exemplo, não pode ser um instrumento dos que mandam, às vezes seduzindo políticos com benesses — como financiamentos eleitorais —, contra os que não mandam.
Veja-se um exemplo: o relatório de impacto de vizinhança não pode, sob pena de comprometimento e, portanto, falta de isenção, ser feito pelas próprias empresas. Um caso recente — um relatório encomendado pela Construtora Consciente à empresa Milão contém, suspeita um perito gabaritado, assinaturas em duplicata e vários moradores disseram ao jornal que não foram ouvidos (mas seus nomes são mencionados como consultados) — sugere que o relatório de impacto de vizinhança deve ser feito pela Prefeitura de Goiânia ou, quem sabe, pelo Conselho Regional de Engenharia (Crea) ou pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (Cau). O ideal mesmo é que seja feito pela prefeitura, que, a rigor, tem o dever de zelar pelos interesses da sociedade.
Os empresários propõem, quando vão construir uma obra de maior impacto, uma contrapartida, em geral de pequeno porte. Observe-se o caso da Praça do Ratinho. Quando prefeito, Iris Rezende, do PMDB, construiu uma trincheira na praça com o objetivo de descongestionar o trânsito na região (setores Sul, Marista e Oeste). Não há dúvida de que o trânsito flui um pouco mais rápido. Porém, depois da mudança de infraestrutura, com a justificativa plausível de desafogar o trânsito, a Construtora Consciente, aliada ao empresário Júnior Friboi, pretende edificar nas imediações — no espaço onde funcionava o McDonald’s e o Supermercado Marcos — um shopping, torres corporativas e um hotel. Mesmo que se tenham estacionamentos amplos — e, como em geral são pagos, as pessoas acabam posicionando seus automóveis nas ruas —, o shopping, a torre de escritórios e o hotel devem provocar congestionamentos na região. Sem contar outros possíveis danos.
Resta saber, portanto, se o Nexus, o nome do empreendimento de Ilézio Inácio-Júnior Friboi, tem mesmo nexo para a sociedade. Por que, antes de pensar na construção, não começaram a investir para melhorar ou requalificar a infraestrutura da região? Parece que o interesse privado está sobrepondo-se ao coletivo.
Os donos de uma cidade são seus moradores — todos eles. Mas fica-se com a impressão de que os donos de Goiânia são os construtores. Ressalve-se que alguns deles de fato são bem intencionados, mas às vezes sem uma visão de que o interesse coletivo é mais importante do que o interesse privado. O homem citadino se tornou um marionete dos construtores?
Não há nenhuma intenção de demonizar os construtores — homens abnegados e corajosos, muitas vezes —, mas veja-se o exemplo dos condomínios horizontais. De repente, com o apoio de um marketing azeitado, as construtoras (secundadas pelas imobiliárias), como as que construíram o Alphaville, o Aldeia do Vale, o Jardins e o Portal do Sol, criaram uma “necessidade”. As pessoas “precisavam” mudar para condomínios protegidos — a segurança é um item essencial — e com um “ar” quase rural. São as casas-quase-chácaras. Pode-se dizer que a sociedade, de repente, “feudalizou-se” — com a construção de guetos. Além disso, criou-se outra “necessidade” comercial: as empresas de segurança.
Como se tivesse ocorrido um “esgotamento” dos negócios — o fato é que os imóveis de relativa qualidade estão concentrados nas mãos de grupos privados e empresariais —, mais uma vez o marketing mudou. Como os condomínios ficam um pouco distantes das regiões centrais, nas quais ocorrem os negócios, uma nova mídia foi introduzida. As construtoras começaram a construir edifícios residenciais mais amplos — quase casas, pode-se dizer (uma publicidade menciona um edifício-jardim suspenso) — e, também, a edificar prédios residenciais com salas de escritórios em blocos ao lado. Resta concluir que a vida das pessoas está sendo direcionada e, embora não possam ser consideradas vítimas — porque há o livre arbítrio —, não têm como opor grandes resistências, exceto se “acordarem”. Porque as obras, feitas por grupos poderosos, contam, no mais das vezes, com a anuência de vereadores e gestores públicos (e isto não é só em Goiânia).
Adensamento e planejamento
Gestores públicos e privados dizem que o adensamento é uma maneira de se aproveitar mais adequadamente as estruturas da cidade. Nada contra o adensamento. Mas é preciso fazê-lo com planejamento (e que este seja respeitado, e não apenas para inglês ver), sem o açodamento que beneficia grupos poderosos e concentrados. Na Rua 13, no Setor Marista, vai ser construído um edifício de 44 andares — cada apartamento de 150 metros quadrados custa, na planta, entre 840 e 870 mil reais. Os chamados arranha-céus são considerados símbolos de modernidade. Na China e no Qatar podem até ser, dada a estrutura criada tanto por construtores quanto pelos governos. Mas em Goiânia, no caso de um incêndio, o Corpo de Bombeiros tem estrutura para salvar vidas de seres humanos no 44º andar de um prédio? Não tem. Além disso, há problemas ambientais. Na região do Parque Flamboyant, a construção de edifícios imensos, que demandam uma estrutura subterrânea gigante, estão prejudicando o lençol freático. Noutras áreas, de tão adensadas, a temperatura é altíssima. Na região do Parque Areião, com mais árvores e lago, a temperatura é mais amena. Recentemente, o assunto virou até notícia do “Jornal Nacional”.
Há construtoras, como a Consciente, que fazem “praças conscientes”. Mas elas não beneficiam a cidade como um todo, e sim apenas parte do entorno dos edifícios. As construtoras deveriam selar um pacto, com o apoio da prefeitura, para reforçar a arborização da cidade, com objetivo de melhorar o equilíbrio ambiental, ao estilo, por exemplo, de Nova York.
Os construtores do Nexus dizem que a obra vai gerar empregos. De fato, vai — e são importanes. Mas são empregos sazonais e não integralmente qualificados. Posteriormente, com shopping, hotel e escritórios funcionando, os empregos continuarão não-qualificados — com salários de no máximo 1,5 mil reais. Isto sugere que estamos dizendo que a obra não é significativa? Não é o que estamos sugerindo. O que estamos discutindo é que seus construtores precisam pensar na cidade e, sobretudo, no interesse coletivo. Não apenas no negócio em si, no lucro fabuloso que terão — e às custas da possível redução da qualidade de vida de todos. Mais concreto e vidro melhoram a vida das pessoas? Empresários devem ter lucro, para que possam continuar seus negócios, gerando empregos e crescimento econômico, mas é preciso pensar também no lucro social (qualidade de vida para as pessoas e mais renda qualitativa).
O que o Jornal Opção está propondo é que Goiânia seja de fato uma cidade para os goianienses — não apenas para os proprietários das grandes construtoras e imobiliárias.
Uma palavra final: bater palmas para os poderosos, só porque são endinheirados, não é sinônimo de modernidade, e sim de atraso. É o que, na falta das palavras justas buscadas pelo escritor francês Flaubert, podemos nominar de “vanguarda do atraso”. Os goianienses devem lutar para que sua cidade não seja dirigida por um poder paralelo e acima das leis. Um futuro melhor depende de um presente melhor.