No lugar de atacar o professor Thiago Rangel, é preciso criar uma homenagem — a do “Aplauso Coletivo” — para enfermeiros, médicos e pesquisadores

Este Editorial trata de assuntos, por assim dizer, juntos, misturados, conectados.

Nada é perfeito no mundo — nem a ciência. O que se espera dela é que não erre. Ora, quem pensa assim não sabe como é que a ciência funciona. Antes de descobrir uma vacina, por exemplo, os pesquisadores seguem por vários caminhos — na quase totalidade equivocados. Os experts seguem caminhos racionais, com base na ampla informação coletada sobre, por exemplo, um vírus, como o novo coronavírus. Com muito estudo, examinando as dezenas de variações, chega-se, digamos, à vacina. Mas o grau de tentativa e erro é alto. Entretanto, este trabalho, fatigante porém necessário, é praticamente invisível, exceto para cientistas de todo o mundo, que estão sempre a trocar informações.

Thiago Rangel: o professor e pesquisador da Universidade Federal de Goiás merece o aplauso da sociedade | Foto: UFG/Divulgação

Quer dizer, então, que a ciência erra — e, às vezes, erra muito? Sim, a ciência erra. O que se pode chamar de resultado final, como uma vacina contra a gripe, é produto de dezenas — até centenas — de tentativas de acertar.

As pesquisas são feitas em laboratório, longe dos olhares do público. Portanto, se não comentadas em jornais populares — que às vezes repercutem publicações acadêmicas, como jornais e revistas de ciência —, os indivíduos não ficam sabendo sobre o longo percurso para se chegar a um medicamento que tende a salvar vidas. Remédios para hipertensão e diabetes, vacinas contra a poliomielite, o sarampo, a tuberculose e a gripe — que melhoraram a qualidade de vida das pessoas em todo o mundo — resultam de investigações de abnegados cientistas, que foram acrescentando detalhes novos que, somados, levaram à causa precisa das doenças e, deste modo, possibilitaram a formulação do tratamento adequado.

Hoje, por causa da pandemia do novo coronavírus, a ciência está sob pressão. O que se comenta, entre leigos, é: a ciência está errando demais. Não está, não. A ciência está acertando mais do que errando. Sobretudo, a ciência só acerta porque, no percurso, também erra. O que está acontecendo, no momento, é que a ciência é “vigiada” por todos. O que se espera dela é uma solução mágica, o que não virá. O que se deve esperar é a solução verdadeira, a vacina, que virá. O tempo da ciência não é o dos políticos, que, para fazer média, podem anunciar soluções miraculosas, como “informar” que, até setembro, sairá uma vacina definitiva. A rigor, as vacinas já existem e estão sendo testadas — o que mostra como a ciência, cada vez mais conectada em todo o mundo, está avançando, e rapidamente.

Portanto, o que parece erro, para leigos e para mal-intencionados — há um discurso político contra a ciência, quiçá para reforçar o papel dos salvadores da pátria, dos homens de “coragem”, como os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos, Jair Messias Bolsonaro e Donald John Trump —, é, na verdade, o caminho para o acerto. O longo caminho da ciência para melhorar a qualidade de vida das pessoas, e que tem possibilitado que vivam mais e bem, às vezes é pouco compreendido.

Veja-se o caso de Jair Bolsonaro. Em 2018, o então candidato à Presidência da República foi esfaqueado por Adélio Bispo. Imediatamente, levado para um hospital, foi operado e sobreviveu. O fato de não ter morrido é uma vitória da ciência. Primeiro, foi atendido por médicos capacitados, com formação científica adequada. Segundo, tomou medicamentos — como antibióticos — de qualidade, que foram fabricados por laboratórios e resultaram de anos de pesquisa de cientistas. Possivelmente, não fosse a ciência, tão criticada, o Brasil não teria um presidente chamado Jair Bolsonaro. Frise-se: não há registro de que tenha tomado enxofre…

Governador Ronaldo Caiado: preocupação com a vida de todos é crucial | Foto: Ascom
Excelência da Universidade Federal de Goiás

A direita não esclarecida mantém um contencioso improdutivo contra a universidade pública brasileira. Porque, na sua opinião, é controlada pela esquerda. De fato, há esquerdistas lá, e de várias colorações ideológicas — inclusive “brigando” entre si. Assim como há gente de direita, como a deputada estadual Janaína Paschoal e o filósofo Denis Lerrer Rosenfield (valeria indicá-lo para ministro da Educação), nos seus quadros. No entanto, no campo da pesquisa, a ideologia raramente tem vez (na época de Stálin, chegou-se a acreditar numa “genética soviética”, o que era uma bobagem sem tamanho). As universidades federais e estaduais produzem pesquisa de vasta qualidade. A produção agropecuária do país melhorou, em larga escala, graça a pesquisas de cientistas universitários. No laboratório, quando estão pesquisando para melhorar a vida de todos, não sobra tempo para ideologias. Medicamentos fundamentais para tratar doenças, prolongando a vida dos indivíduos, foram produzidos a partir de pesquisas de cientistas — alguns deles, sim, de esquerda; outros, quem sabe, de direita.

Apesar de todas as dificuldades, a Universidade Federal de Goiás é um centro de excelência, com pesquisas em diversas áreas. Vários de seus pesquisadores mantêm contato com pesquisadores de todo o mundo, trocando informações. Trata-se de um trabalho pouco divulgado, até porque árido (cientistas têm o máximo de cuidado, porque o jornalismo apressado tende a publicar informações equivocadas ou distorcidas sobre problemas complexos). O bem que a UFG fez e faz a Goiás — portanto, ao Brasil — ainda não foi adequadamente dimensionado. A história de que se trata de um centro de estudos isolado da sociedade é um mito. A universidade está perfeitamente integrada à sociedade. Se há uma instituição que contribui de fato, e sem discurso propagantístico, para a modernização do Estado é a UFG.

Neste momento, quando seus professores poderiam se acomodar, alegando que há uma pandemia, alguns de seus quadros decidiram estudar o que está acontecendo. Optaram por participar do combate ao novo coronavírus com a arma de que dispõem — a ciência. Professores-doutores como Thiago Rangel, José Alexandre Felizola Diniz Filho, do Instituto de Ciências Biológicas, e Cristiana Toscano, do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, integram o Grupo de Modelagem da Expansão da Covid-19 em Goiás.

Os professores da UFG fizeram um estudo meticuloso sobre a expansão da pandemia em Goiás (sobre o que já existe e do que poderá acontecer). Recentemente, um deles, Thiago Rangel, participou de uma videoconferência com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (da direita esclarecida e preocupada com a vida), e com prefeitos, e explicou que, se o isolamento social não for ampliado, Goiás poderá ter 18 mil mortos até setembro. Com base no estudo da UFG, além de informações colhidas com cientistas do País e do mundo, o governador optou por mais 14 dias de quarentena com 14 dias de abertura do comércio. Pensa-se na vida e, igualmente, na economia. A decisão é sensata. Mas produziu-se o paradoxo: o governador chega ser tachado de “comunista” e os mestres da universidade de “direitistas” (sublinhe-se que nenhum deles foi contratado pelo governo).

O objetivo tanto dos pesquisadores quanto do governador é salvar vidas, inclusive as dos que não se importam com a vida da maioria. Com tudo aberto, além do fato de que mais pessoas serão contaminadas e várias morrerão, há o fato de que a rede de saúde não terá condições de atender todo mundo. Nem todos poderão pegar seu jatinho particular e se tratar nos hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein, em São Paulo.

Thiago Rangel, em nome de todos os seus colegas, merece o aplauso público. Pois bem: nas redes sociais, começaram a atacá-lo com virulência. O fato é que se trata de um cientista capacitado, com trabalhos reconhecidos. Mas foi tachado de “especialista em beija-flor” (o que diriam de um especialista em abelhas, que são vitais para a natureza, portanto, para todos?). Que seja: ainda assim, é um pesquisador respeitável. Ele é vítima da “ignorantsia” — quer dizer, da má-fé organizada. O importante, porém, é que não desista de lutar pela vida de todos.

Economia, vida e o verdadeiro inimigo

O empresário Ribamar Vargas Marques de Oliveira Cardoso da Silva (nome inventado) comprou um automóvel Tiggo — cuja publicidade é inteligente — e, precavido, fez seguro. À noite, ao sair de uma farmácia, no Setor Bueno, é assaltado. Os ladrões vociferam: “O carro ou a vida!”. Ribamar ama seu veículo, é quase um filho caçula. Mas, em cinco segundos, raciocina: “Tenho seguro e, portanto, terei outro carro”. Os larápios pegam as chaves e vão embora.

Ribamar segue para um distrito policial e registra o roubo. No dia seguinte, com a ocorrência nas mãos, procura a seguradora. Dias depois, é informado de que os documentos estão em ordem. O empresário vai à concessionária e retira outro Tiggo — feliz da vida.

Foto: Reprodução

O que Ribamar descobriu é que carros existem à mancheia. Mas a vida é uma só. Se tivesse resistido aos criminosos, lutando pelo automóvel, poderia ter sido assassinado — deixando dois órfãos e uma viúva.

A vida, sabe-se, não pode ser substituída. Morreu, acabou — o que resta é a história do indivíduo, a memória.

Há no momento aqueles que estão preocupados com a economia, e com razão. Pois o País não pode quebrar, e certamente não vai quebrar por inteiro, sobretudo por causa da âncora verde, a agricultura (e também a pecuária). As pessoas estão preocupadas com seus empregos e com suas empresas — o que é tão lógico quanto natural. Mas o que se tem a dizer, sem cinismo, aos que estão doentes e aos seus familiares? Que a economia é tão importante quanto a vida? Quem morre, como sugere a música de Chico Buarque, “ganha” apenas sete palmos medidos. Nada mais.

Cabe aos empresários de Goiás, no lugar de fechar, reabrir o diálogo com o governador Ronaldo Caiado e com os pesquisadores. Sobreviver e, ao mesmo tempo, manter empregos e empresas parecem uma questão contraditória e inconciliável. Talvez não seja. Problemas “novos” exigem soluções “novas”, mas, sem uma conversa respeitosa — com parâmetros, e não ataques —, não se chega a lugar algum. Eles poderiam organizar o dia do “Aplauso Coletivo” para os que cuidam da saúde das pessoas — muitos adoecendo e, até, morrendo.

Os empresários, que têm razão em se preocupar com a economia, deveriam organizar uma homenagem — virtual que seja — para os que estão na linha de frente salvando vidas, como enfermeiros, médicos, motoristas de ambulâncias e demais funcionários do setor de saúde, e àqueles que estão nos bastidores, os pesquisadores, com o objetivo de criar melhores condições de vida para todos. O “inimigo” verdadeiro é o novo coronavírus — não são as pessoas.

Enfim, e repetindo: a vida não pode ser substituída. Insistindo: não há “estepe” para a vida de um indivíduo.