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Wanderley Guilherme dos Santos sugere que Fernando Henrique é astuto. O historiador Gunter Axt avalia que discurso de centro é viável

Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político, e Gunter Axt, historiador: o primeiro aposta que a esquerda tem chance de eleger o próximo presidente da República e diz que Geraldo Alckmin não ganha; e o segundo sugere que, apelando à concórdia, o centro poderá fazer o sucessor de Michel Temer na disputa de outubro

Fernando Henrique Cardoso é um sociólogo que deu aulas na USP, na Sorbonne e em universidades americanas. Foi presidente da República por dois mandatos e senador. Escreveu vários livros, alguns deles sobre seus anos no Palácio do Planalto. São verdadeiras aulas de realpolitik e serão fundamentais para os historiadores do período. Há quem, porque é idoso — fará 87 anos em junho —, aposte que está gagá. Estaria? Não parece.

Numa entrevista imperdível, alternando bons e maus momentos — o lulopetismo às vezes turva a razão de suas análises, prevalecendo, não raro, o militante acadêmico pró-esquerda —, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, de 82 anos, disse à repórter Maria Cristina Fernandes, do “Valor Econômico”, na edição de sexta-feira, 2, que a esquerda está no jogo para outubro deste ano. Embora defenda o ex-presidente Lula da Silva, que transforma numa espécie de vítima histórica, tem o bom senso de sublinhar que “não se pode ao mesmo tempo dizer que o Judiciário persegue e pedir licença para ser candidato. Se isso não é óbvio, eu não sei o que diabo é óbvio”.

Fernando Henrique Cardoso, arguto observador da cena política, primeiro lançou Luciano Huck, apresentador da TV Globo, e em seguida passou a apostar no empresário Flávio Rocha, dono das lojas Riachuelo. O PSDB tem um candidato praticamente definido, Geraldo Alckmin, governador de São Paulo. Mas FHC não aposta suas fichas no tucano e está tentando rifá-lo. O ex-presidente estaria gagá? Wanderley Guilherme dos Santos conclui que o decano tucano não está esclerosado. Pelo contrário, está “vendo” mais longe do que analistas mais jovens, porém menos astutos.

“Fernando Henrique está tentando desesperadamente livrar a direita de uma derrota porque sabe que [Geraldo] Alckmin, [José] Serra, João [Doria], qualquer um perde a eleição”, frisa Wanderley Guilherme dos Santos. “Talvez tenha a percepção, ou o temor, de que neste caso o grupo que vai perder, tal como já violou a Constituição antes, viole de novo. Peça para violar. É a tradição da UDN. Então, eu até entendo o Fernando Henrique. Ele está com muita clareza. Tem mais de lucidez desesperada do que ‘gagazice’. Não acho que esteja gagá. Vão perder. Então está fazendo um esforço monumental para ser competitivo. Teme que, do jeito que está a vulgaridade, essa tropa toda vá para rua querendo militar.”

Não há dúvida de que Wanderley Guilherme dos Santos é brilhante, mas a bola de cristal de um cientista político é a razão, não é a bola de cristal. A possibilidade de um candidato de direita, como Geraldo Alckmin — com o apoio do centro —, ganhar a eleição presidencial não pode ser descartada. Para evitar a vitória da esquerda — cujo candidato (ou candidatos) tende a ser interpretado como novo Lula e Dilma — e para evitar a vitória da direita, no caso Jair Bolsonaro (PSL), os eleitores podem apostar num candidato mais moderado, que, embora vinculado à direita, é visto mais como um político de centro. Não dá para dizer que Geraldo Alckmin vai perder. Só com a campanha, com a exposição dos candidatos, é que se poderá ter a certeza que, não se sabe por quê, o cientista político já tem.

Adiante, Wan­derley Gui­lherme dos Santos enfatiza que “a máquina” do PSDB é controlada por Geraldo Alckmin, “que vai perder”. Como se disse no parágrafo anterior, não dá para dizer quem vai ganhar e quem vai perder de maneira tão peremptória. Sobra palpite — talvez vontade — e escasseiam razão e bom senso.

Maria Cristina Fernandes, uma das mais qualificadas repórteres políticas do país, inquire se uma aliança da máquina de Geraldo Alckmin com a máquina do governo do presidente Michel Temer, do MDB, pode levar a uma coligação vitoriosa. Wanderley Guilherme dos Santos admite, acossado, que os grupos podem se juntar. “Só que, em condições normais, não ganham a eleição. Só ganharão se Lula oferecê-la numa bandeja. Se ele, por si próprio, se liquidar como um grande eleitor. E aí, sabe-se lá. Porque aí vai valer a tal segmentação eleitoral: uma parte vai para o Ciro, uma parte vai para não sei quem… Aí, a direita se une e vem qualquer um.”

É provável que, ao tentar forjar um outsider — o candidato sem desgastes e sem amarras com os políticos tradicionais —, Fernando Henrique esteja vendo mais longe do que a maioria dos analistas. Pesquisas qualitativas têm mostrado que o desgaste dos políticos — de todos eles, sem distinção (o relativo “sucesso” de Lula da Silva nas pesquisas de intenção de voto deriva disto, quer dizer, de que todos estariam “sujos”) — é muito maior do que se costuma pensar. Os brasileiros dão a entender que querem um não-político na Presidência da República, uma pessoa que venceu fora da política e que, se tornando político, será capaz de “limpá-la”, não roubará e contribuirá para garantir dias melhores para todos. Pode-se discordar da interpretação, mas é assim que os eleitores estão percebendo os fatos.

Se não aparecer um candidato de centro, moderado mas firme — capaz de gerar expectativa real, de produzir esperança sem fantasia —, a possibilidade de um político “fora do esquadro” ganhar a eleição presidencial não é remota. Na direita, Jair Bolsonaro é a aposta daqueles eleitores que não acreditam em mais nada e avaliam que um político egresso do meio militar — com alguma experiência política no Parlamento — pode ser a solução, a salvação do país.

Jair Bolsonaro está sendo visto como aquele que “resolve” e, paradoxalmente, ao arrepio da lei. Parte dos que apoiam o deputado parece acreditar que fará um governo eficiente exatamente porque não precisará respeitar as regras institucionais. O que, se posto em prática, geraria uma ruptura institucional e, claro, seria uma ameaça à democracia. O próprio deputado tem sugerido, nos seus discursos, que não pensa em nenhuma ruptura constitucional. Seus aliados da área econômica são liberais. O competente economista Paulo Guedes é democrata e defende medidas modernas, como a privatização — o que, em tese, não coaduna com ideias autoritárias e estatistas.

Ciro Gomes é o nome da esquer­da com mais chance, sobretudo se obtiver o apoio do PT, ao menos na hipótese de segundo turno. Entretanto, explosivo e se vendo quiçá como o novo Lula, terá dificuldade de compor com outros grupos de esquerda e, até, de centro. O segundo turno é o momento de união geral.

Outsiders e arrivistas

O historiador Gunter Axt concedeu uma entrevista polêmica ao “Zero Hora”, jornal de Porto Alegre, da qual extrairemos trechos que têm a ver com a sucessão presidencial.

“As eleições de 2018 serão pulverizadas como as de 1989, quanto tivemos 22 candidatos. Como naquela oportunidade, é provável que a esquerda divida forças, enquanto a direita escolha um candidato. O PT pode encolher, pois a imagem do partido ficou associada à desordem, tanto da economia quanto das ruas. As pessoas querem ordem e progresso. Mas outros partidos de esquerda podem crescer, como PPS, PDT e Rede [faltou citar o PSB]. Creio que, nestas eleições, o carisma jogará um papel importante, o que testará novamente a capacidade de Lula, mesmo se não for candidato, de transferi-lo, como fez com Dilma. Mas também abre terreno para arrivistas, como Bolsonaro. Enfim, dada a desconfiança das pessoas na classe política e nas instituições, há uma via aberta para outsiders. Além disso, as pessoas estão fartas da polarização acrimoniosa. Um discurso de centro, com apelo à concórdia, capaz de combinar liberalismo com justiça social, pode se dar bem”.

A análise de Gunter Axt diverge da de Wanderley Guilherme dos Santos, porém, como não é militante — não está torcendo para ninguém, como o PT —, é mais realista. A produção do outsider é o jogo de Fernando Henrique Cardoso.

Jair Bolsonaro atrai público porque é radical, mas, para ganhar, precisa agregar um eleitorado mais amplo, mais moderado. Na hipótese de segundo turno, precisa caminhar para o centro.