Um dos maiores dramaturgos alemães, Georg Büchner (1813-1837) morreu aos 23 anos, de tifo, na Suíça, onde, perseguido pela polícia de seu país — por motivos políticos —, havia se refugiado.

Georg Büchner escreveu as peças “A Morte de Danton”, “Woyzeck” e “Leonce e Lena” (uma comédia) e a novela “Lenz”. “Woyzeck” foi adaptada para ópera pelo compositor austríaco Alban Berg e para o cinema por Werner Herzog.

“A Morte de Danton”, drama realista, mostra o fracasso da Revolução Francesa de 1789 — a de Maximilien Robespierre (1758-1794) e de Georges Jacques Danton (1759-1794).

Liderados por Robespierre, o Incorruptível (por vezes, os radicais da anticorrupção são um perigo para a democracia), os jacobinos adotaram o Terror — prenderam e guilhotinaram parte da nobreza e dos opositores que, a rigor, não eram nem contra a revolução — como norma de “governar” ou de controlar o poder.

Georg Büchner: um dos maiores dramaturgos de língua alemã | Foto: Reprodução

Na sua peça, Georg Büchner diz que a revolução é como Saturno, pois devora os próprios filhos. De fato, Robespierre começou liderando a matança de adversários e, em seguida, se pôs a liquidar seus próprios aliados.

Danton, um dos artífices da Revolução — e um dos jacobinos mais populares, quiçá um populista —, foi guilhotinado em 5 de abril de 1794, aos 34 anos. Logo depois, em 28 de julho de 1794, chegou a vez de Robespierre ser guilhotinado. Era, como notou a perspicácia de Büchner, a revolução devorando seus rebentos.

Mais tarde, sobretudo entre as décadas de 1920 e 1940, os comunistas — da Revolução Russa de 1917, filha da Revolução de Francesa de 1789 — começaram a se devorar. Com a morte de Vladimir Lênin, em 1924, Ióssif Stálin assenhorou-se do poder e implantou o Terror, como os jacobinos.

Stálin e sua Revolução começaram a devorar os antigos aliados — como Zinoviev, Kamenev, Bukhárin e Trótski. Na China de Mao Tsé-tung ocorreu o mesmo.

Pintura de Maria-Ange Giaquinto

A violência de Estado, sobrepondo-se aos demais poderes, como o Judiciário, é um risco para os cidadãos. No fundo, para Stálin e Mao Tsé-tung, todos eram “suspeitos” e, como tais, poderiam ser assassinados. Em 1953, quando Stálin sofreu um AVC, vários de seus aliados mais próximos — sempre preocupados com a paranoia do líder comunista — possivelmente o deixaram morrer sem assistência médica adequada. Lavrenti Beria (um dos stalinistas mais sádicos), Malenkov e Nikita Kruchev, aparentemente, se sentiram “aliviados” com a morte do Robespierre soviético (nascido na Geórgia).

Violência em Copacabana

Então, insistindo: violência é uma máquina que gera mais violência. Se está dizendo isto por causa dos assaltos que vêm ocorrendo em alguns bairros de classes média e alta do Rio de Janeiro, como Copacabana.

Vários grupos de jovens saíram às ruas assaltando pessoas indefesas. O país assistiu, estarrecido e condoído, um grupo de criminosos atacando uma mulher, com o objetivo de roubá-la, notadamente seu celular.

O empresário Marcelo Benchimol, de 67 anos, assistiu a cena e disse ter pensado: poderia sair de fininho ou tentar proteger a sra. Então, abordou os malfeitores — que passaram a esmurrá-lo com extrema violência.

Cercado e espancado pela súcia, Marcelo Benchimol chegou a desmaiar. Com ele caído no chão, inconsciente, os delinquentes não fugiram nem o deixaram em paz; pelo contrário, vasculharam seus bolsos e levaram seu celular.

A reação de Marcelo Benchimol foi positiva, porque mostrou humanidade, solidariedade. Na verdade, ao defender a mulher que estava sendo roubada, o empresário — que ficou ferido — não agrediu os ladravazes. À sua resistência pacífica, os celerados responderam com mais violência, mostrando sua falta de limites.

Pinturas de José Poças

Antes de apontar outra questão, registra-se uma palavrinha a respeito de comentaristas da GloboNews, notadamente um ou dois do “Estúdio I” — muito bem ancorado pela repórter Andréia Sadi, de 36 anos.

Um dos comentaristas do “Estúdio I” parece ter sido orientado a dizer que a violência que ocorre no Rio não é exclusiva do Estado ou da cidade. É nacional. De fato, a violência, com o crime organizado se espraiando pela país, não ocorre tão-somente na terra do ótimo e corrosivo jornalista Octavio Massa Bragnoli Guedes, de 57 anos.

Entretanto, mesmo com o crime organizado estando nacionalizado, é preciso admitir que há gradações. A realidade da maioria dos Estados ainda é bem diferente da do Rio. Primeiro, porque a violência, sobretudo na capital, está sem o mínimo controle por parte dos governos (prefeitura e, principalmente, gestão estadual). Segundo, no Rio, falta Estado. Ou melhor, há um Estado-paralelo-bandido, tão forte quanto desafiador, e um Estado oficial, fraco e pusilânime (porque o governador Cláudio Bomfim de Castro e Silva não tem vocação de estadista).

A situação do Rio é pior do que, por exemplo, a de São Paulo. Entretanto, o indefectível Octavio Guedes exibe dados não positivos do Estado mais rico do país. Mas o repórter esqueceu de fazer a lição de casa.

O município de São Paulo tem 11,4 milhões e o Estado de São Paulo conta com 44,4 milhões de habitantes. A cidade do Rio tem 6,2 milhões e o Estado do Rio tem 16 milhões de habitantes. Tais dados deveriam matizar as análises de Octavio Guedes, mas o jornalista não os menciona.

Por que a insistência da Globo em enfatizar que o país está “todo igual”? Como não se tem uma informação precisa, é preciso arriscar duas hipóteses. Primeiro, a sede da Globo fica no Rio, portanto não convém “queimar” a imagem da capital e do Estado. Segundo, o Rio é a principal cidade turística do país, dadas suas belezas naturais e uma certa “mística”. Aceitar que a violência ocorre mais na bela cidade pode contribuir para a redução do turismo — uma de suas fontes de receita financeira.

Se o Primeiro Comando da Capital (PCC) está instalado em São Paulo, o Comando Vermelho está ancorado no Rio. A rigor, as duas facções estão espalhadas pelo país, dinamizando seus negócios bandoleiros. Mas os comandos estão nos dois Estados.

O efeito bumerangue

Porém, retomemos Georg Büchner e a violência que aconteceu em Copacabana. Cidadãos de bem estão saindo às ruas do bairro e adjacências com o objetivo de enfrentar — com chutes, murros e porretes — os grupos de ladravazes.

Recentemente, cidadãos de bem — que correm o risco de se tornarem cidadãos do mal — lincharam um homem (negro, por sinal) que, supostamente, seria um dos celerados que aterrorizam as pessoas nas ruas.

Autor de “Massa e Poder”, o escritor e filósofo búlgaro Elias Canetti, judeu sefardita que escreveu sua obra em alemão, sugere que, dissolvidos na massa, os indivíduos, embora sejam sujeitos, não se consideram responsáveis por aquilo que fazem, como o linchamento de um criminoso ou de um inocente.

Os cidadãos de Copacabana não são criminosos e nem querem se transformar em assassinos. Estão nas ruas, com o objetivo de criar segurança — defendendo seus corpos e bens —, porque, supostamente falido, o Estado não os protege. Então, mesmo sem perceber, estão criando espécies de milícias.

No entanto, mesmo com o Estado em crise, daí sua omissão, cabe, no lugar de se postarem como milicianos e protetores das pessoas que trabalham, se divertem e são decentes, operar pela reconstrução do setor público. Dirão: não dá mais, o Estado não funciona.

A sociedade democrática não pode desistir do Estado, da ideia de que, com sua polícia e com sua Justiça, é o mediador legal. O Estado, com policiais militares, é que deve sair às ruas para gerar segurança. Cidadãos de bem, que nem são qualificados para combater o crime — organizado ou não —, acabam se tornando um risco para si mesmos.

No momento, há um confronto. Os assaltos vão continuar e, por isso, os cidadãos de bem, sem a proteção adequada do Estado, continuarão saindo às ruas para se defenderem.

Parece que se trata de uma questão de lógica: se o Estado não comparece, se não protege as pessoas, então alguém — os cidadãos de bem — deve fazê-lo. O “movimento” pode até ganhar a simpatia de muitos — o que é perfeitamente natural.

Mas anuncia-se uma tragédia para os cidadãos de bem. Linchar uma pessoa, como aconteceu, pode servir de “alerta”. Mas vai mesmo atemorizar os criminosos? É provável que não.

Há, por outro lado, o risco de os cangaceiros urbanos começarem a assaltar não apenas com a pressão de um grupo grande de pessoas — usando no máximo as mãos e pés para agredir. Podem começar a cometer assaltos armados com revólveres, pistolas etc.

Os cidadãos de bem farão o mesmo: sairão às ruas armados, não mais com paus e músculos, e sim com pistolas e revólveres? Na maioria das vezes, no confronto entre pessoas comuns e facínoras acostumados a serem violentos, as primeiras costumam levar a pior.

Ao contrário do que sugere a extrema-direita, a esquerda e o governo do presidente Lula da Silva não são “coniventes” — ou lenientes — com o crime organizado. Na verdade, são legalistas e, por isso, não endurecem o jogo. Porém, contra o crime organizado, o Estado precisa de ações mais severas — o que não significa sair por aí assassinando pessoas. Um possível obstáculo à reeleição do petista-chefe, em 2026, pode ser a falta de uma política de segurança que trave as ações do crime organizado.

Se o governo federal não interferir, deixando tudo por conta de governadores — que gerem máquinas públicas com escassos recursos financeiros —, o Brasil vai se tornar um imenso Rio de Janeiro, como sugere a turma da GloboNews.