Carta de Maquiavel para Bruno Peixoto e Jânio Darrot

03 dezembro 2023 às 00h01

COMPARTILHAR
Caros Bruno e Jânio,
Por favor, não se avexem: vou falar sobre a Prefeitura de Goiânia. Mas antes preciso me apresentar porque noto que, no Brasil, chegam a confundir meu livro “O Príncipe” (que já foi prefaciado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) — que gestou o renascimento de uma política laica, por assim dizer — com “O Pequeno Príncipe”, de um escritor francês que eu não conhecia, um tal de Antoine de Saint-Exupéry, um piloto de avião que morreu na Segunda Guerra Mundial, em 1944.
Pois bem, amigos — desculpem-me a intimidade —, sou Niccolò di Bernardo dei Machiavelli, mais conhecido no Brasil como Nicolau Maquiavel. Vivi apenas 58 anos — entre 1469 e 1527. Não conheci Pedro Álvares Cabral, que redescobriu o Brasil 27 anos antes de minha morte.

Há pouco tempo, o repórter Júnior Kamenach perguntou para o repórter Nielton Santos: “‘O Príncipe’ quer dizer o que mesmo?” Sabem, Bruno e Jânio, que nem eu mesmo sei? Porque uma obra, quando cai em domínio público, passa a dizer aquilo que nem o autor esperava. Então, meu livro diz coisas que os leitores descobriram. É um guia para maldades políticas? Não creio. Percebo a política com o máximo de realismo, retirando de seu cerne interpretações religiosas — tornando-a, por assim dizer, uma ciência, se ciência é, laica. Pode-se sugerir que “desdivinizei” a política e a coloquei no terreno dos homens, dos mortais.
Como se sabe lá na Itália, e não apenas entre os leitores de Dante Alighieri e Giambattista Vico, quando escrevi “O Príncipe”, em 1513, a Itália, como país unificado, ainda não existia. Então, meu livrinho sugere que, para se criar o Estado italiano — para formatar a unificação das cidades-Estados —, era necessária a figura de um príncipe, um governante firme e rigoroso. Como sabem os leitores de Tomasi di Lampedusa (autor do esplêndido romance “O Leopardo”) e Luigi Pirandello, a Itália surge como país, em caráter definitivo, em 1861. Sob o comando de Vittorio Emanuele — um “príncipe”, por assim dizer.

Os brasileiros, e não apenas os gaúchos, sabem que a unificação da Itália se deve, em larga medida, ao general Giuseppe Garibaldi (1807-1882), que, antes, lutou no Brasil e casou-se com a brasileira Ana Maria de Jesus Ribeiro, mais conhecida como Anita Garibaldi (1821-1849), que só viveu 27 anos.
A fama de Garibaldi era tão grande — talvez tenha sido uma das primeiras estrelas globais — que o presidente Abraham Lincoln, dos Estados Unidos, chegou a convidá-lo para liderar a luta, como general, contra o Sul confederado. Decepcionado com os políticos (a unificação da Itália serviu mais à nobreza do que ao povão), o italiano não aceitou o convite e Abe teve de se contentar com Ulysses S. Grant, que bebia mais uísque do que Winston Churchill mas ganhou a Guerra Civil Americana, em 1865, para o Norte, ou seja, os federados.
O que estou postulando é que “O Príncipe” é, de alguma maneira, um livro profético, o que não dizer religioso. Portanto, não é um guia para fazer maldades rápidas — no início dos governos — para serem logo esquecidas (o que parece essencial é, na verdade, acessório numa obra densa e digo isto sem cabotinismo). É uma obra filosófica, prenhe de realismo, para contribuir com o governante que quer ser, mais do que tirano, um estadista, um adepto da virtude.
Preclaros Bruno e Jânio, espero não cansá-los ao esclarecer outro ponto. Dizem que sou responsável pela frase de que “os fins justificam os meios”. Vivi bem antes de Norberto Bobbio, mas tenho de concordar com o filósofo italiano: “Os meios podem corromper os fins”. A violência de Israel contra os palestinos — na Faixa de Gaza — vai gerar paz no Oriente Médio? Claro que não. Vai gerar mais ódio concentrado e, adiante, mais terrorismo. O massacre de palestinos para esmagar o Hamas é uma política que foge à lógica. Há vitórias que parecem grandes vitórias, mas, no fundo, são micro derrotas. Ganhando em Gaza, bombardeando inocentes — e não apenas os terroristas do Hamas —, Israel pode conquistar uma vitória de Pirro.

A “teoria” dos clones em Goiânia
Pensando bem, estou cansando vocês, excelências — meu amigo Gilmar Toffoli Barroso di Nunes Mendonça, acho que o nome é este, falou-me de uma juíza que humilhou uma testemunha, exigindo ser chamada de excelência — e, por isso, agora vou tentar retomar o fio da meada.
Bruno e Jânio (notaram que os dois nomes têm cinco letras e começam com consoantes e terminam com a mesma vogal — “o”?), sei que querem ser candidatos a prefeito de Goiânia — a bela e meio encardida cidade de 90 anos, uma garota se comparada com Florença, minha cidade natal.
Li, nalgum lugar, que uma pesquisa qualitativa — se existisse em 1861 a Itália por certo não teria sido unificada —, espécie de fetiche de pesquisadores conscienciosos, indica que, para derrotar o senador Vanderlan Cardoso, do PSD, é preciso lançar um clone.
Pode-se falar que Jânio Darrot é um clone de Vanderlan Cardoso? A rigor, não. Porque é um gestor altamente qualificado e um político competente. É um homem do bem e de bem. O problema é outro. Mesmo que o ex-prefeito de Trindade tenha a fama (verdadeira) de administrador qualificado, ou seja, o perfil exigido pelos eleitores de Goiânia, há um nome mais consolidado, na capital, como gestor: Vanderlan Cardoso. Os votantes vão trocar seis por meia dúzia? Não se sabe. Nem as pesquisas podem revelar — só as urnas.

O diferencial de Jânio Darrot, em relação a Vanderlan Cardoso, é o exército eleitoral que pode bancá-lo. Vanderlan é o candidato do Cardoso, quer dizer, dele mesmo. Nem mesmo Francisco Júnior e Vilmar Rocha, que devem apoiá-lo, são entusiastas de sua postulação.
Mas Jânio Darrot, tu, caro amigo, terá o apoio, se efetivado como candidato, do governador Ronaldo Caiado, do vice-governador Daniel Vilela, de Ana Paula Rezende (filha de Iris Rezende), do ex-prefeito de Aparecida de Goiânia Gustavo Mendanha. Um grande exército começa pela qualidade de seus generais e não necessariamente pelo número de soldados. Lembrem-se, Bruno e Jânio, que, até a “chegada” de Ulysses Grant e George Sherman, o Sul, com um exército menor, impôs sérias derrotas aos ianques do poderoso Norte de Abraham Lincoln, o leitor de Shakespeare.
Bruno, diz-se que tu é mais político do que gestor. Talvez seja. Porém, por vezes o que se precisa é de um político agregador que saiba operar sua equipe de gestores. Quer um grande exemplo? O governador Ronaldo Caiado é um político que, no poder, revelou-se um gestor eficiente. Sua qualidade política é o elemento chave, ou seja, é aquilo que o levou a chefiar uma equipe de gestores e, no processo — e por causa de sua visão política — , se tornou, ele mesmo, um grande gestor.
O grande gestor não nasce pronto — ele se faz, e aos poucos.
Caros Bruno Peixoto e Jânio Darrot, não se deixem contaminar por assessores “criativos” — gente do bem que às vezes serve ao mal, por falta de reflexão de que o presente é um instante e logo se torna passado — e não briguem. A política é a arte de conquistar espaço e, ao mesmo tempo, de abrir espaço.
É provável que, ao se apresentar como o candidato ungido, o caro amigo Jânio Darrot tenha cometido um pequeno erro. Não, porém, por maldade, mas por uma certa inocência. Afinal, o candidato da base governista — apesar da pesquisa quali que exige um gestor — não está definido, não será definido agora. Políticos racionais e lógicos como Ronaldo Caiado e Daniel Vilela sabem que, se lançarem um candidato agora e, com ou sem quali, ele não pegar, será difícil trocá-lo. Adiante, se Jânio Darrot não se tornar o Vanderlan Cardoso 2, e o postulante do PSD continuar avançando, o que se fará?
Então, Bruno Peixoto, não se irrite com a pressa de Jânio Darrot. Ele não é do mal, é do bem. Por isso, mantenham-se abertos um para o outro. Juntos, serão mais fortes.
2024 está jogando 2026: sobrevivências
Agora, Bruno Peixoto e Jânio Darrot, quero falar uma palavrinha sobre uma coisa que muitos não querem ouvir. Por uma questão de sobrevivência política, os senadores Wilder Morais (PL) e Vanderlan Cardoso e o ex-governador Marconi Perillo (PSDB) tendem a marchar unidos na disputa eleitoral de 2026.
Se for derrotado na disputa pela Prefeitura de Goiânia, Vanderlan Cardoso possivelmente será candidato a senador, em 2026, e talvez na chapa de Wilder Morais, que planeja disputar o governo do Estado contra Daniel Vilela. E, se for eleito prefeito de Goiânia, Vanderlan Cardoso será, quem sabe, um instrumento de Wilder Morais para tentar chegar ao governo do Estado. Frise-se que a mulher do senador do PSD, Izaura Cardoso, é a primeira suplente do senador do PL.
Então, amigos Bruno Peixoto e Jânio Darrot — notem que estou cada vez mais íntimo —, é preciso entender o quadro real. A disputa pela Prefeitura de Goiânia está, desde já, jogando a disputa do governo de Goiás em 2026. Sim, cada eleição tem sua história, mas a de 2024 e 2026, sobretudo na questão da capital, estão bem conectadas, inclusive pelos personagens em cena.
Diz-se que Wilder Morais, sob pressão do ex-presidente Jair Bolsonaro, vai bancar a candidatura de Gustavo Gayer, do PL, para prefeito de Goiânia. Mas no íntimo gostaria de apoiar Vanderlan Cardoso, pensando em 2026, e teria admitido, em conversas privadas, que o ex-deputado federal Major Vitor Hugo, do PL, seria um bom vice para o pré-candidato do PSD.
A turma de Wilder Morais, Vanderlan Cardoso e Marconi Perillo apostam que a base de Ronaldo Caiado e Daniel Vilela pode se dividir entre 2024 e 2026. Isto talvez não ocorra porque o governador e o vice-governador são políticos hábeis, que enxergam para além do que é óbvio e do que parece óbvio no presente. Quando os dois políticos atraíram Gustavo Mendanha para a base governista dinamitaram, de cara, parte das oposições. Arrancaram delas seu político mais promissor.

Se eu fosse escrever o livro “O Príncipe em Goiânia”, diria que a força do grupo de Ronaldo Caiado e Daniel Vilela advém de sua coesão, do entendimento de que um precisa do outro e de que a soberba é a irmã da derrota. Por isso, ambos devem operar por uma união geral na capital — evitando uma possível guerra entre Bruno Peixoto e Jânio Darrot.
Espero, por fim, que os amigos Bruno Peixoto e Jânio Darrot não tenham se irritado com os conselhos dados aqui. Mas insisto: o poder só pode ser mantido por uniões amplas que pensem mais nos projetos coletivos do que nos individuais. Perder Goiânia é menos grave do que perder o Estado. Mas e se perder os dois? Só mantêm todos os dedos aqueles que aceitam perder um ou dois anéis.
Amigos Bruno Peixoto e Jânio Darrot, eu ia recomendar a leitura do fundamental conto “Teoria do Medalhão”, de Machado de Assis. Mas a carta está alongando-se e não quero cansá-los. Mas digo, com sinceridade: políticos e jornalistas têm a obrigação de ler este conto do criador do maior monumento literário do país latino-americano. Sim, estou falando de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, o romance. Sem querer puxar sardinha para meu prato, digo que tenho um conto do balacobaco sobre o casamento. Trata-se de “Belfagor”. Recomendei para Sandy e Lucas Lima, leitor de “A Morte de Ivan Ilitch”, de Liev Tolstói.
Cordialmente, com o abraço de
Niccolò di Bernardo dei Machiavelli