Ao não contestar os equívocos do presidente, que derrubaram sua popularidade, seus apoiadores podem se tornar corresponsáveis por um possível fracasso eleitoral em 2022

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, se reuniu na quinta-feira, 12, com dezenove dirigentes — oito deles presidentes — dos maiores bancos baseados no Brasil. O trabalho do ministro é avaliado como “meritório” pelos ases do mercado financeiro, pois estaria trabalhado, de maneira eficaz, para melhorar e requalificar a infraestrutura do país. Os banqueiros enviaram, via um dos auxiliares mais prestigiados pelo Palácio do Planalto, um recado para o presidente Jair Bolsonaro: estariam “enfrentando dificuldades para serem recebidos por investidores internacionais, espantados com o desmatamento desenfreado na Amazônia” (o registro é do repórter Marcelo Mota, do “Estadão”).

Tarcísio de Freitas, ministro eficiente e possível candidato a governador de São Paulo: recado dos banqueiros foi duro sobre o presidente Jair Bolsonaro |Foto: Reprodução

O Brasil não é uma ilha e, por isso, o alto clero do PIB nacional está preocupado com o governo de Bolsonaro, que está transformando o país num pária internacional. Os produtores rurais — exportadores — também não aprovam o conflito com a China. Eles sugerem que a batalha ideológica não interessa ao mercado. O comportamento de soldado invernal da Guerra Fria — um ser fora do ou congelado no tempo — de Bolsonaro não interessa àqueles que, como âncoras verdes, são responsáveis, em larga medida, pela retomada do crescimento da economia brasileira.

Banqueiros, empresários da Indústria e do comércio, agentes do agronegócio estão preocupados. Porque, se a economia vai bem — recuperando-se, em certa medida, devido à expansão global —, a área política vai mal. Bolsonaro, na opinião deles, não corresponde ao avanço econômico — é como se estivesse ficando para trás e, ao mesmo tempo, tentando segurar o avanço do país. O conflito com a China é um exemplo disso. Pode interessar ao anticomunismo acerbo do presidente, mas o setor produtivo quer, pelo contrário, estreitar os laços com a nação asiática — que, além de ser um grande comprador de commodities, tem capital para investir. A China está se abrindo para o Brasil, mas Bolsonaro, com sua família e alguns aliados, passa a impressão de que quer “fechar” o país que dirige para os chineses.

É preciso sublinhar: ao contrário do que pensam os incautos — aqueles que reproduzem áudios e vídeos produzidos, algumas vezes, pelos mictórios do ódio do bolsonarismo —, tais banqueiros, empresários e produtores rurais nada têm de comunistas. São capitalistas renhidos. Acima de tudo, são realistas. Portanto, sabem que, na negociação entre países, não entra o debate ideológico. Vende-se o produto, recebe-se o valor combinado e a vida continua.

Jair Bolsonaro e o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal: o presidente  da República está escolhendo os alvos errados |Fotos: Reproduções

Frise-se: não há um comunista entre os que sugerem, direta ou indiretamente, que Bolsonaro abra os olhos. Porque, se não abrir, o PIB nacional vai acabar apoiando “qualquer um” que tenha condições de derrotá-lo em 2022. Não quer, mas poderá apoiar inclusive Lula da Silva, sobretudo se este conseguir reunir um grupo de gestores realistas ao seu lado — como o ex-ministro Henrique Meirelles. O presidente recém-eleito da poderosa Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, figura entre os apoiadores do ex-presidente petista. Filho de José Alencar, vice-presidente de Lula da Silva, Josué Gomes da Silva é cotado para ser vice do postulante do PT em 2022.

Bolsonaro tem sido criticado inclusive por generais, como Santos Cruz (seu ex-ministro), Paulo Chagas e Otávio do Rêgo Barros (ex-porta-voz do presidente). O vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão, também não joga mais no time de Bolsonaro. Nenhum dos quatro é comunista ou petista.

As eleições de 2022 serão disputadas daqui a um ano e um mês, mas a pré-campanha já está nas ruas. Tanto que Bolsonaro participa de motociatas — que, na verdade, são comiciatas. Tucanos, como os governadores João Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, também estão circulando pelo país. Ciro Gomes está em campanha desde 2018. Lula da Silva, que lidera as pesquisas de intenção de voto, está em franca campanha, tanto que tem procurado empresários e, até, militares para conversar.

Josué Gomes da Silva, empresário, e Lula da Silva — em busca do apoio do centro: o petista é o verdadeiro adversário do presidente Jair Bolsonaro| Foto: Reprodução

Bolsonaro ainda tem um ano e quatro meses de governo pela frente. Pode fazer muitas coisas? Se não muitas, ao menos coisas essenciais. No momento, dados tantos erros cometidos, é, indiretamente, o principal capitão eleitoral de Lula da Silva. O presidente está empurrando aqueles eleitores que não são de esquerda, mas que estão perplexos com o seu governo, para os braços do petista. Na verdade, a maioria do eleitorado não quer nem Lula da Silva nem Bolsonaro, mas, até o momento, não surgiu nenhum candidato moderado, de centro, que desperte sua atenção. Se surgir um nome capaz de galvanizar a atenção do país, que adote um discurso que seja visto como adequado para vencer o presidente e o ex-presidente, é possível que seja eleito. O país quer uma espécie de Joe Biden? É provável. Há um Biden patropi? O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (lembra um pouco Fernando Henrique Cardoso), é preparado, mas passa a imagem de “molão”. Se se apresentar de maneira mais enérgica, uma alternativa real à esquerda lulista e à direita bolsonarista, pode conquistar o país. Mas precisa retirar os demais postulantes de centro do páreo.

Intelligentsia submete-se ao bolsonarismo

Um possível fracasso político-eleitoral de Bolsonaro — e a palavra “possível” sugere que ele ainda tem chance de ser reeleito, pois o quadro só se define mesmo nas proximidades das eleições — será desastroso para a direita brasileira. Porque, mais do que Bolsonaro, seus filhos e os radicais de salão que o acompanham, como Abraham Weintraub e Ernesto Araújo, será à direita que caberá responder por seus equívocos ao longo dos próximos anos.

Jair Bolsonaro e Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro| Fotos: Reproduções 

A direita tende a ficar com a imagem de “anti-civilização”, “pária” e “bárbara”. Bolsonaro, como os passarinhos de Mario Quintana, passará e se tornará um rodapé da história do país, mas as direitas (liberal e conservadora) continuarão no palco, como protagonistas ou não. Em suma, Bolsonaro está contaminando, quiçá de maneira indelével, a direita patropi. Carimbando-a como anti-humanista.

Não há intelectuais ao lado de Bolsonaro? O filósofo Olavo de Carvalho, longe de convencer o presidente a seguir um caminho mais realista, contribuiu para radicalizá-lo, inclusive na sua vertente religiosa — algo fundamentalista. Num ensaio clássico “Por que os estadistas não ouvem”, inserto no livro “A Prática da História (José Olympio, 231 páginas, tradução de Waltensir Dutra), a historiadora americana Barbara W. Tuchman (que ganhou o Pulitzer duas vezes) assinala: “A incapacidade de levar em conta a natureza da outra parte tem, com frequência, resultados desastrosos”. Adiante, acrescenta: “A paixão política é uma boa coisa, mas será ainda melhor se for uma paixão informada” e “o desejo de não ouvir as verdades infelizes — ‘Não me confunda com fatos’ — é apenas humano e muito comum entre os chefes de Estado”.

Não há a menor dúvida de que os jornalistas José Roberto Guzzo (“Estadão”), Augusto Nunes (ex-“Veja”) e Alexandre Garcia (CNN Brasil) são experimentados e sérios. Os três, notadamente os dois primeiros, fazem uma defesa articulada de Bolsonaro. É positivo para a democracia que se tenha intelectuais de direita que se manifestem publicamente e que defendam suas ideias. Guzzo, o melhor analista dos três, escreve artigos de excelente qualidade. Então, se Guzzo e Nunes escrevem bem (Nunes tem mais falado do que escrito), se expõem suas ideias com o máximo de clareza, qual é o problema?

A direita intelectual, a que apoia Bolsonaro, ou pelo menos não apoia o PT de Lula da Silva, age de duas maneiras em relação ao governo e ao discurso do presidente: ou apoia, integral e, até, irracionalmente, ou se omite, esperando, quem sabe, que o gestor encontre um rumo por si, o que parece improvável.

O PT certamente não é o melhor para o Brasil — até porque, no poder, poderá se comportar de maneira revanchista. Mas Bolsonaro passa a impressão de que qualquer grupo político é melhor do que ele. É uma síntese da política do país neste momento.

A direita “civilizada” (liberal, moderna) — e certamente há uma, composta por, entre outros, os filósofos Denis Lerrer Rosenfield e Luiz Felipe Pondé (ambos não têm a ver com o bolsonarismo, que fique claro) — não conseguiu se aproximar do presidente Bolsonaro. Abraham Weintraub e Ernesto Araújo não têm estofo intelectual nem experiência para aconselhar quem quer seja, ainda mais um presidente da República. Acabaram, ambos, atrapalhando o governo e a economia do país — tanto que saíram escorraçados.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, que agrada o PIB do país e o mercado externo, sobretudo quando fala em reduzir o tamanho do Estado e privatizar empresas públicas, influencia o governo, às vezes positivamente. Mas tem encontrado resistência, dados o nacionalismo de Bolsonaro e o espírito gastador do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Este parece ter convencido o presidente de que é preciso gastar — daí o orçamento secreto de 3 bilhões de reais para a gastança de deputados e senadores, que, de uma hora para outra, se tornaram “compradores” de tratores para prefeituras — para ser reeleito.

Um dos problemas de Guedes, um economista sério e competente — sem ele, o governo Bolsonaro talvez já tivesse afundado —, é que não tem espírito de estadista e, pelo que fala, não é um humanista. Ele parece avaliar que, pensando na economia, está agindo globalmente. Não é assim. É preciso pensar na economia, mas também para além da economia. Afinal, se está lidando com gente, e não apenas com números. Por paradoxal que pareça, Bolsonaro pensa mais nas pessoas do que o seu ministro. A imagem cristalizada de Lula da Silva é de que gosta de gente, dos pobres. É uma imagem falsa? Não é. Pode não se apreciar o PT, mas sua preocupação social é genuína — não é tão-somente eleitoreira, como a direita parece pensar. Os que discordam do que se disse devem observar que Bolsonaro, ainda que diga o contrário, está seguindo os passos do petismo na questão social, com a ampliação da Bolsa Família, que apenas está mudando de nome e ganhando algumas adaptações.

O que a direita, no lugar de defender equívocos, poderia (e ainda pode) ter dito a Bolsonaro (no que estaria ajudando-o e também colaborando com o país)?

Quando Bolsonaro disse que a Covid era uma “gripezinha” e aliados disseram que mataria no máximo 7 mil pessoas — um número já alentado (na verdade, já morreram quase 570 mil brasileiros) —, aqueles que “pensam” no governo, como Paulo Guedes e os militares (que são preparados e não são nada brucutus), e fora do governo, como José Roberto Guzzo e Augusto Nunes, deveriam ter dito, de maneira enfática: “Não é uma gripezinha e não fique contra a ciência”. O suposto “charlatanismo”, apontado pela CPI da Pandemia, poderia ter sido evitado. Assim como muitas mortes.

Quando Bolsonaro debocha do uso de máscaras — e o país ainda tem alto índice de contaminação, e com novas variantes do novo coronavírus, como a cepa Delta —, seus apoiadores mais centrados, inclusive políticos como Ciro Nogueira e Arthur Lira, deveriam sugerir, pressionando-o, que a proteção é essencial para que pessoas não se contaminem e não adoeçam.

No momento em que Bolsonaro duvidava da eficácia da vacina, seus assessores mais responsáveis — entre eles os militares, que têm boa formação intelectual — deveriam ter tencionado pela aquisição imediata de imunizantes. Como nada fizeram, pelo contrário, como o general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, disseram: “Um manda e o outro obedece”. O que fez de fato Bolsonaro comprar vacinas foram as pesquisas de opinião pública, que mostram que sua popularidade vem caindo, e também o empenho do governador de São Paulo, João Doria, na aquisição de imunizantes. Faltou influência interna para pressionar o gestor federal. Nem os militares, que são realistas e racionais, conseguiram influenciá-lo na medida certa. O que se assiste, no momento, são as Forças Armadas — que tem excelentes oficiais — agachadas ante um presidente errático, sem rumo, pensando, exclusivamente, na reeleição. Ou até num golpe de Estado que impeça sua derrota nas urnas. O principal rival do presidente, ao menos no momento, é Lula da Silva. Mas ele investe numa cruzada contra o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal.

Há indícios de que Bolsonaro é mal-informado e que não aprecia ouvir informações técnicas. Portanto, quando adotou o discurso de que ivermectina e cloroquina seriam medicamentos eficazes contra a Covid, aqueles, dentro do governo, que são bem-informados deveriam ter tentado refrear o presidente. Até hoje, o senador bolsonarista Luis Carlos Heinze, do Rio Grande do Sul, defende a eficácia da cloroquina. Nem mesmo seu guru, o médico francês Didier Raoult, postula as ideias de antes. Mas o político gaúcho e Bolsonaro repetem o carcomido mantra de que a cloroquina funciona.

Há, como se disse antes, o conflito pueril contra a China. Paulo Guedes, que sabe como as economias globais estão integradas, não conseguiu influenciar Bolsonaro e os bolsonaristas em relação ao país dirigido por Xi Jinping. O discurso do bolsonarismo atrapalhou inclusive a aquisição da vacina CoronaVac. Quando Joe Biden foi eleito presidente dos Estados Unidos, Bolsonaro, como se fosse um amador, não parabenizou, de imediato, o novo líder americano. Ou seja, o líder brasileiro não mantém boas relações com os dois países mais ricos do mundo e os que mais têm dinheiro — capital — para investir em economias com alto potencial como a brasileira. Vale, agora, reler o que se disse nas primeiras linhas deste Editorial. Não são pessoas de esquerda que estão criticando, cada vez mais de maneira incisiva, o governo de Bolsonaro. É o setor mais capitalista da economia do Brasil. Mas os incautos de sempre, açulados pelos mictórios do ódio do bolsonarismo, nem percebem o que, de fato, está ocorrendo. Mal sabem que, ao comprarem sem reflexão o discurso radical do bolsonarismo, podem estar contribuindo para enterrar, política e eleitoralmente, Bolsonaro e, talvez, para ressuscitar a esquerda petista.

Está cedo para concluir, mas há a possibilidade de Bolsonaro, com seu irrealismo, se tornar o principal responsável pelo “suicídio” histórico da direita brasileira.