Uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Tema 1113, tem provocado repercussão nacional e pode impactar diretamente contribuintes que realizaram transações imobiliárias nos últimos anos. A decisão do STJ vale para todo o país e pode gerar restituição.

O entendimento firmado pela Corte estabelece que a base de cálculo do ITBI, imposto municipal cobrado na transmissão de bens imóveis, deve ser o valor efetivamente negociado entre comprador e vendedor, conforme consta no contrato de compra e venda.

Ao Jornal Opção, o secretário de Fazenda de Goiânia, Valdivino Oliveira, afirma que a administração municipal seguirá integralmente a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o Tema 1.113, que trata da base de cálculo do ITBI. Segundo ele, a Secretaria da Fazenda “cumpre as regras tributárias e jurídicas” e acompanhará o entendimento firmado pela Corte.

Secretário da Fazenda, Valdivino Oliveira | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

“A Secretaria da Fazenda cumpre as regras tributárias e jurídicas. Se houver decisão judicial que indica o caminho a seguir, nós vamos obedecer. E, óbvio, se puder recorrer, recorremos”, afirma.

Valdivino explica que a decisão não deve gerar impacto significativo na arrecadação, já que as divergências entre valores declarados e valores de mercado ocorrem apenas em parte das transações. “É muito difícil falar em perda, porque são situações marginais. Não são todas as transações que têm essas diferenças. São casos em que, porventura, as pessoas passam a escritura abaixo do valor da negociação”, aponta.

Ele destacou ainda que o município criou recentemente um Observatório Imobiliário, ferramenta destinada a aprimorar a aferição dos valores praticados no mercado e reduzir distorções. “Criamos um observatório imobiliário em Goiânia justamente para ter ideia de valores mais corretos. Toda decisão judicial você cumpre. Se couber recurso, você recorre”, explica.

Ao Jornal Opção, o procurador-geral do Município, Wandir Allan, reforçou que o entendimento do STJ não impede o município de contestar valores declarados pelos contribuintes, desde que isso ocorra dentro de um procedimento administrativo regular, com garantia de contraditório e ampla defesa.

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Wandir Allan | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

“Na verdade, não é simplesmente o valor negociado. Você diz valor negociado, o valor contratual. Mas não é só isso. O valor contratual pode ser superado desde que, num procedimento administrativo regular, seja demonstrado que o valor da negociação excede o que está expresso no documento”, explica.

Wandir explicou que a presunção do valor declarado é juris tantum, ou seja, admite prova em contrário. Para isso, o município precisa apresentar elementos técnicos que sustentem eventual divergência. “A presunção do documento admite prova em contrário. Para o município fazer essa prova, ele tem que estabelecer o contraditório e a ampla defesa”, aponta.

O procurador destacou que Goiânia já se adaptou à nova realidade jurídica e que a Prefeitura lançou, inclusive, uma ferramenta específica para subsidiar essas análises. “Nós temos aplicado essa lógica. Tanto é que esta semana foi lançada uma ferramenta de observatório do mercado imobiliário, onde vamos ter elementos específicos, bem materiais, para contestar o valor apresentado pelo contribuinte. O município se adaptou a essa nova realidade jurídica”, afirma.

Ele acrescentou que a decisão do STJ é positiva para os contribuintes e que o desafio do município é garantir sua plena execução. “A decisão do STJ é favorável ao contribuinte. E o desafio da Prefeitura de Goiânia é efetivamente cumprir essa decisão”, finaliza.

Posicionamento da AGM e FGM

A reportagem entrou em contato com o presidente da Federação Goiana de Municípios (FGM), Paulo Vitor (UB), que esclareceu que ainda não tomou conhecimento da decisão. Tentou-se, também, contato com o presidente da Associação Goiana dos Municípios (AGM), Zé Délio (UB), para falar sobre o assunto, mas até o fechamento do material ele não respondeu aos questionamentos.

O especialista

Para explicar os efeitos práticos da decisão, o Jornal Opção entrevistou Guilherme Di Ferreira, advogado, especialista em Direito Tributário, pós-graduando em Contabilidade, Compliance e Direito Tributário, membro do Grupo de Educação Fiscal de Goiás e sócio do escritório Di Ferreira Martins Advogados.

Guilherme Di Ferreira, advogado, especialista em Direito Tributário | Foto: Divulgação

Segundo Guilherme Di Ferreira, o STJ deixou claro que o município não pode arbitrar livremente um valor diferente daquele informado pelo contribuinte. “Se o contrato de compra e venda registra que o imóvel foi negociado por R$ 300 mil, esse deve ser o valor utilizado para cálculo do ITBI. Caso a prefeitura discorde, ela é obrigada a instaurar um processo administrativo específico, apresentar laudos e provas que demonstrem que o valor real de mercado é outro e garantir ao contribuinte o direito ao contraditório”, explica.

O advogado destaca que o contrato possui presunção de veracidade, e somente após procedimento administrativo formal o município pode alterar a base de cálculo.

Valor venal de referência não pode ser aplicado automaticamente

Muitos municípios utilizam o chamado “valor venal de referência”, uma tabela própria que costuma ser superior ao valor venal do IPTU. Para o STJ, essa prática é irregular. Guilherme esclarece que o Código Tributário Nacional menciona “valor venal”, mas esse termo deve ser interpretado como valor de mercado, e não como o valor fixado unilateralmente pelo município.

“O valor venal do IPTU deveria refletir o valor de mercado, mas sabemos que isso não ocorre. Os imóveis têm características próprias, estado de conservação, benfeitorias, localização, padrão construtivo, que não podem ser captadas por uma tabela genérica. Por isso, o STJ entendeu que o valor negociado é o que melhor representa a realidade”, afirma.

Quando o município pode contestar o valor?

Segundo o especialista, a regra é clara: prevalece o valor do contrato. A exceção ocorre quando a prefeitura entende que o valor declarado não corresponde ao valor real de mercado. Nesse caso, ela deve:

– abrir processo administrativo próprio;

– notificar o contribuinte;

– apresentar provas e laudos técnicos;

– permitir defesa e apresentação de documentos pelo comprador;

– somente ao final, decidir se há ou não diferença a ser tributada.

“Sem esse procedimento, o município não pode simplesmente impor outro valor”, reforça o advogado.

Decisão vale para compra e venda

A decisão do STJ se aplica exclusivamente às operações de compra e venda. Tendo em vista que, segundo Guilherme, na doação se incide ITCMD, que é de competência estadual. Na permuta sem torna, não há incidência de ITBI nem ITCMD. E, por fim, na permuta com torna a diferença pode ser tributada, dependendo se a torna é caracterizada como compra e venda ou doação.

Tema 1113 tem efeito vinculante para todos os municípios

O entendimento do STJ deve ser seguido por todas as prefeituras do país, incluindo Goiânia e demais municípios goianos. “É uma decisão vinculante. Os municípios precisam se adequar”, afirma Guilherme.

Decisão alcança fatos

Como o STJ apenas interpretou o que a lei já determinava, o entendimento retroage. Isso significa que contribuintes que pagaram ITBI acima do devido podem solicitar restituição. “Se o município utilizou uma base de cálculo arbitrária no passado, diferente do valor do contrato, o contribuinte pode pedir a devolução. Mas é essencial ter documentos que comprovem o valor negociado e o valor pago de ITBI”, orienta o advogado.

A restituição pode ser solicitada administrativamente, sem necessidade imediata de ação judicial.

Artigo 148 do CTN e sua relação com o Tema 1113

O artigo 148 do Código Tributário Nacional autoriza o ente público a arbitrar valores quando houver dúvida sobre o preço declarado. Porém, segundo Guilherme, essa prerrogativa não se aplica automaticamente ao ITBI. “No caso do ITBI, o STJ determinou que o município não pode arbitrar o valor sem antes instaurar o procedimento administrativo adequado. A presunção inicial é sempre a do contrato”, explica.

Nem todos os contribuintes terão direito à restituição

Guilherme faz um alerta importante: cada caso deve ser analisado individualmente. “Não é porque houve a decisão do STJ que todos devem correr atrás de restituição. É preciso verificar se, de fato, o município utilizou uma base de cálculo incorreta, se houve procedimento administrativo e se o contribuinte possui documentação que comprove o valor real da transação”, finaliza.

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