A recente aprovação da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados trouxe uma brecha de última hora que poderá permitir que governadores de pelo menos 17 estados criem um novo tributo sobre produtos primários e semielaborados. Essa possibilidade, prevista no Artigo 20 do projeto, tem gerado preocupação nos setores do agronegócio, mineração e indústria petrolífera.

Tributaristas têm criticado essa medida, argumentando que ela vai contra os princípios fundamentais da reforma, que busca simplificar o sistema tributário. A mudança proposta consiste em deslocar a cobrança para o destino, ou seja, sobre o consumo, em vez de recair sobre a produção, além de eliminar a incidência em cascata do imposto, uma vez que a contribuição não gera crédito tributário.

A possibilidade de criação desse novo imposto foi incluída no projeto da Reforma Tributária momentos antes da votação, na madrugada de quinta-feira para sexta-feira. A contribuição seria destinada especificamente para o financiamento de obras de infraestrutura e habitação.

O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, afirmou ter trabalhado pela inclusão da medida, destacando que o estado já possui um fundo estabelecido. Já o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, afirmou ter sido informado por Mauro Mendes sobre a articulação para a manutenção dos fundos por meio de uma emenda ao texto da Reforma Tributária e manifestou-se favoravelmente, mas não se envolveu pessoalmente na articulação.

Os fundos estaduais, a maioria dos quais foi criada como resposta à crise fiscal agravada durante a recessão de 2015 e 2016, estão dispersos pelo país. A lista de 17 estados, incluindo o Rio de Janeiro, foi apresentada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Especialistas e tributaristas entendem que, apesar de haver alguma falta de clareza no artigo, ele se aplicaria a todos esses estados. A CNI afirmou em comunicado que “alguns dos fundos estaduais” tiveram sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) devido à incidência sobre exportações, o que tornou os produtos nacionais menos competitivos. A apresentação da CNI identifica sete ações em curso no STF relacionadas ao tema.

No entanto, os senadores não estão simpáticos à ideia, e o artigo já consta na lista de possíveis supressões do texto que devem ser realizadas pelos parlamentares. A retirada de trechos da Reforma Tributária não exigirá que a proposta volte à Câmara dos Deputados.

No caso de Mato Grosso, o Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab), a contribuição paga pelos produtores representou uma arrecadação de mais de R$ 2,5 bilhões em 2022, diz a senadora.

Entidades reclamam

O Ibram, instituto que representa as mineradoras, considerou “desastrosa” a possibilidade de criação do tributo. O IBP, que representa as empresas do setor de petróleo e gás, também criticou a medida. Para o Ibram, o artigo “contraria a própria reforma e aumenta a carga tributária”.

A Aprosoja Brasil, associação dos produtores de soja, chamou a atenção para uma série de incertezas técnicas sobre a nova cobrança. O artigo “ressuscita a discussão” sobre o que é “produto primário” e “semielaborado”, o que pode levar a disputas judiciais. “A medida afeta toda a cadeia da soja (grão, farelo e óleo) e igualmente do milho, e gerará uma elevação de custos de produção, com prejuízos que impactarão no PIB”, diz a Aprosoja, em nota.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad afirmou que a segunda fase da Reforma Tributária, com foco na renda, será encaminhada ao Congresso antes da tramitação final do primeiro texto da reforma, centralizado no consumo.