Estudo mostra que fome no Brasil tem cor, gênero e classe

26 junho 2023 às 09h37

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No Brasil, mulheres, pessoas negras, famílias que lidam com o desemprego e aquelas de menor poder aquisitivo são as principais vítimas da insegurança alimentar, problema enfrentado por mais de 33 milhões de pessoas no país. Mesmo em cenários em que se tem anos adicionais de educação formal, não há garantia de maior proteção contra a fome.
Essas são as conclusões do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (VIGISAN), que coletou dados de novembro de 2021 a abril de 2022. Os primeiros resultados do estudo foram divulgados em junho do ano passado, e agora estão sendo apresentados recortes específicos sobre raça e gênero.
“O racismo no Brasil não está apenas nos xingamentos desumanos e ofensas contra as pessoas. Ele está expresso também em não ter compromisso, não entender, não buscar apoiar políticas que possam resolver esse problema, que façam com que as pessoas negras sejam incluídas na sociedade”, aponta Catia Maia diretora executiva da Oxfam Brasil.
Segundo a pesquisa, 20,6% das famílias chefiadas por pessoas autodeclaradas pardas e pretas sofriam com a fome no período observado. Isso significa que um em cada cinco grupos familiares desse conjunto vivia cotidianamente sem acesso a alimentação de qualidade, com incertezas sobre a garantia das refeições diárias e até mesmo totalmente sem alimentos à mesa.
Quando o dado é colocado lado a lado com as observações sobre famílias chefiadas por pessoas brancas, a desigualdade fica explícita. O índice foi de 10,6%, metade do que foi levantado entre pessoas pretas. As mulheres negras apresentaram situação ainda mais frágil; 22% dos lares em que elas estão à frente convivem com a fome. No caso das mulheres brancas o índice é de 13,5%.
Números preocupam
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos 68,9 milhões de domicílios do país, 36,7%, o equivalente a 25,3 milhões de lares, apresentaram algum grau de insegurança alimentar: leve (24%, ou 16,4 milhões), moderada (8,1%, ou 5,6 milhões) ou grave (4,6%, ou 3,1 milhões).
Em números de pessoas, isso significa que 84,9 milhões de brasileiros tiveram algum tipo de dificuldade para se alimentar, sendo: 56 milhões em domicílios com insegurança alimentar leve, 18,6 milhões em domicílios com insegurança alimentar moderada e 10,3 milhões de pessoas residentes em domicílios com insegurança alimentar grave.
Os classificados com insegurança alimentar grave são aqueles que relataram passar fome. Dos 10,3 milhões moradores nessa classificação, 7,7 milhões estão na área urbana e 2,6 milhões na rural.
O nível de maior restrição no acesso a esses alimentos também aparece com mais frequência nos domicílios localizados na área rural do Brasil. A proporção de insegurança alimentar grave foi de 7,1% nessas localidades, três pontos percentuais acima do observado na área urbana (4,1%).