O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, realizou inspeções no Distrito Federal e Entorno e descobriu ações criminosas da instituição Salve a Si (Instituto Eu Sou) e do Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo. 

Entre as violações identificadas estão aplicação de remédios sem instrução de profissionais de saúde, pessoas privadas de liberdade, violências cometidas como golpes de “mata-leão” para imobilizar pacientes e período de 14 horas de trabalho análogo à escravidão na cozinha.

A SaS é descrita como uma propriedade grande que depende totalmente da exploração da mão de obra dos acolhidos. As pessoas também realizam a manutenção das instalações da ONG e da casa do Presidente da SaS. As construções do curral, galinheiro, tanque de peixes e horta foram feitas exclusivamente pelos residentes. O MNCPT também expressou preocupação com relatos de que a ONG está terceirizando a mão de obra dos acolhidos para trabalhos de pedreiro.

“O cenário sugere uma atuação imprópria da SaS como empresa terceirizadora, com os próprios acolhidos sendo utilizados como trabalhadores. Qualquer pagamento por serviços externos deve ser feito diretamente aos acolhidos, sem que a comunidade terapêutica atue como uma empresa de terceirização”, reforça o relatório.

O documento mostra que, na Salve a Si, os voluntários trocam trabalho por moradia e alimentação. Além disso, uma questão preocupante é que a administração de medicamentos citada é feita por um voluntário sem formação em saúde.

O MNPCT enccontrou uma lista na sala de medicação com instruções para a administração de medicamentos por uma pessoa não qualificada, incluindo medicamentos para sintomas psiquiátricos. O relatório também aponta a privação de liberdade dos acolhidos, o controle das informações e a exigência de doação de celulares e valores do Bolsa Família para a instituição.

Durante a visita ao Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo, em Taguatinga Sul, o relatório descreve a violação da Lei da Reforma Psiquiátrica do DF, de 1995, que determinava a extinção dos leitos psiquiátricos em hospitais e clínicas no prazo de quatro anos. “Quase 30 anos após a promulgação da Lei, o HSVP ainda está em operação”, destaca o documento. 

A operação também denunciou o uso de contenções físicas, como “mata-leões”, e o fato de pacientes serem amarrados durante à noite. Os profissionais contiveram o paciente, amarrando-a pelos pulsos, joelhos, calcanhares e torso à base da cama. “Usuários também relataram abusos físicos e verbais por parte dos funcionários, como empurrões e ameaças”, afirma o relatório, que inclui fotos de marcas roxas nos braços de um paciente.

A equipe da inspeção encontrou uma tonfa, espécie de cassetete, no armário da vigilância, descrita como “usada em casos que demandem necessidade”. Também foi destacada a sobrecarga de trabalho dos profissionais, e solicitada com urgência a realização de concurso para assistentes sociais, psicólogos e terapeutas ocupacionais.

O relatório elaborado revelou que o hospital conta com apenas um médico do trabalho, em regime de 20 horas semanais, e carece de recursos e protocolos adequados para a prevenção do suicídio e cuidados de saúde. O relatório afirma que, nos últimos seis anos, ocorreram quatro suicídios entre os servidores do Hospital São Vicente de Paulo.

Ao final, a iniciativa fez solicitações ao Ministério Público, secretarias de saúde e aos governos do Distrito Federal e Goiás para garantir uma vida digna aos acolhidos nas comunidades terapêuticas. O relatório critica o aumento do investimento público nacional em saúde mental para as Comunidades Terapêuticas, em detrimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

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