O coração de D. Pedro I e a democracia
19 julho 2022 às 18h20
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No dia 7 de setembro do corrente ano, o Brasil comemorará o bicentenário da independência. D. Pedro I declarou a independência política do Brasil ao gritar às margens do Rio Ipiranga “independência ou morte”, pondo fim a séculos de dominação portuguesa. Para comemorar a importante data, as autoridades brasileiras manifestaram a Portugal, a vontade de trazer o coração de D. Pedro I ao Brasil de forma temporária. Mas o que teria o coração de Pedro com o chamado discurso do ódio?
A simples notícia de que o coração de Pedro poderia vir ao Brasil ensejou críticas que menosprezam o seu valor cultural e histórico, cujas opiniões apontam para a nítida divisão política que transpassa a nossa sociedade.
Não poderia dizer que causa estranheza o fato de que o Brasil não valoriza a cultura e história como outras nações o fazem. Mas certamente que não poderia olvidar a importância histórica da independência e de seu principal feitor. É de bom alvitre lembrar que D. Pedro I do Brasil é D. Pedro IV em Portugal, considerado um monarca liberal, que lutou contra o absolutismo; que tem na frase “L’État c’est moi!”, atribuída a Louis XIV, a personificação do poder.
D. Pedro I, após a declaração da independência em 1822 e ter-se tronado impopular por ter dissolvido a Constituinte, foi além: demitiu José Bonifácio, principal defensor da independência. Mas em 1824 indicou um conselho para elaborar nova Constituinte. Com a morte de seu pai, D. João VI, abdicou do trono do Brasil em favor de D. Pedro II, seu filho, e retornou à Portugal, onde assumiu o trono, mas logo abdicou em favor de sua filha, D. Maria II. Em seguida, partiu para o Porto, onde lutou contra D. Miguel, seu irmão absolutista. A guerra durou 1 ano e Pedro ficou o tempo todo ao lado dos soldados, passou por privações e até fome, mas não desistiu até vencer. Ali, contraiu a doença que o levou à óbito.
Antes de falecer, manifestou o desejo de que seu coração ficasse na cidade do Porto. Assim, o corpo de D. Pedro está sepultado no Brasil, mas seu coração permanece em Portugal. É como se ele dissesse: “como posso ir mais longe se meu coração aqui permanece?” (William Shakespeare).
Nos últimos anos, o Brasil tem sido tomado por um radicalismo de ideias sem precedentes. A polarização exacerbada recebeu o nome de “discurso do ódio” e, nesse contexto, tudo que um lado faz é criticado pelo outro. Não há respeito à opinião diversa. O ódio está latente em cenas de violências explicitas pelo simples fato de pensar diferente.
O coração de Pedro fala e, no Brasil, poderia alertar-nos para o risco que as democracias correm com o radicalismo. Lembraria o que aconteceu com os movimentos denominados de “Primavera Árabe” e o colapso das democracias tradicionais. Mas, sobretudo falaria de sentimento, gratidão, ideias e valores. O povo brasileiro tem muito a refletir. E os gestores brasileiros deveriam aprender com o seu idealismo, coragem e, principalmente, desapego a cargos públicos.