Vitória de Lira e Pacheco indica que bolsonaristas não serão protagonistas no Congresso

05 fevereiro 2023 às 00h00

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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) completa um mês ainda tentando mensurar o tamanho da oposição que terá que enfrentar. A extrema-direita brasileira se mostra barulhenta, mas por vezes adora a estratégia de ser sorrateira para dar um bote de surpresa. Essa é uma das razões que não permite que os mais estudiosos da política brasileira tenha um mapeamento claro desse grupo que ainda esperneia por não aceitar o resultado das eleições do ano passado.
Logo após o resultado do primeiro turno das eleições, quando Lula teve mais votos, mas não o suficiente para encerrar a disputa, a leitura era de que, aquela altura, mesmo se Jair Bolsonaro (PL) perdesse a eleição, o bolsonarismo já era vencedor. A leitura desse cenário veio com a vitória expressiva de candidatos apoiados ou ligados a família Bolsonaro. A começar pelo ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), na disputa pelo governo de São Paulo deixou Fernando Haddad (PT) para trás e chegou no segundo turno com vantagens contra o petista. O filho 02 do capitão, Eduardo Bolsonaro (PL), embora não tenha repetido a estrondosa votação de 2018, foi reeleito deputado federal com 738.000 votos. Ele obteve menos sufrágios que Carla Zambelli (PL, com 942.000) e mais do que Ricardo Salles (também PL, com 638.000). No Distrito Bia Kicis (PL) conquistou mais um mandato e fica mais quatro anos na Câmara. Adiciona-se a essa lista os ex-ministros que se elegeram senadores, como Marcos Pontes (PL-SP), Damares Alves (Republicanos-DF), Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Magno Malta (PL-ES) e Rogério Marinho (PL-RN).
O PL, partido de Jair Bolsonaro, conseguiu eleger 98 deputados federais. Uma demonstração da força da direita conservadora, apoiada no projeto manter o bolsonarismo em alta. A sigla também confirmou a sua força no Senado, onde a sigla passou a contar com 14 nomes.
Foi essa força demonstrada pelo PL e bolsonaristas “raiz” no primeiro turno das eleições que levou Jair Bolsonaro a declarar que, embora ele ainda não tivesse ganhado as eleições, o seu projeto já era vencedor. Assim como ele, todos os analistas e políticos acreditavam que a direita conservadora e a extrema-direita iriam pautar o Congresso, além da capacidade de comandar os rumos da política nos próximos quatro anos – influenciando, por exemplo, na escolha dos presidentes das Casas Legislativas.
Pois essa foi uma expectativa que não se concretizou. O primeiro grande teste para essa bancada que se desenhava como uma oposição ferranha ao governo de Lula foi a aprovação da PEC da Transição – que previa elevar o teto de gastos para custear o Bolsa Família e outros projetos sociais. Esse primeiro round Lula ganhou fazendo o que mais sabe fazer: negociar. E fez isso antes mesmo de assumir como presidente – já com Bolsonaro derrotado, recluso e de volta com pensamentos golpistas.
Apesar da vitória com a PEC, não se podia mensurar com exatidão a força de Lula e seus apoiadores, ou mesmo da oposição, afinal, os eleitos em 2022 ainda não haviam tomado posse. Mas a sensação era que seria possível neutralizar o extremismo. Empossado em 1º de janeiro, Lula enxergou um horizonte com barreiras menores do que acreditava ter – Bolsonaro, que era o líder natural da oposição, se exilou nos EUA e seguia em silêncio. Mas o governo foi atingido pelos atos golpistas em Brasília no dia 8 de janeiro, o que transformou o cenário político em um inédito caos.
O terrorismo golpista que levou ao ataque a sede dos Três Poderes em Brasília, trouxe consigo vários reflexos, um deles, a insegurança sobre um parlamento que seria empossado e que grande parte dos deputados e senadores tinham como base eleitores extremistas e conservadores.
O novo Congresso Nacional, que tomou posse no dia 1º de fevereiro, tem natureza mais conservadora do que na legislatura que se encerrou. A construção da base do governo Lula ainda está em curso, ainda que o presidente já tenha definido todo seu ministério e enfatizado as prioridades da gestão. Sem uma correlação de forças suficientemente segura, não havia margem para o lançamento de candidaturas mais vinculadas a Lula, nem tampouco pleiteantes de esquerda.
Daí a acertada decisão do campo democrático e progressista, minoritário no Congresso, em apoiar a recondução de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL) às presidências, respectivamente, do Senado e da Câmara dos Deputados.
A eleição de Pacheco passou a ser emblemática, pois representou o embate de Lulismo e Bolsonarismo – este representando por Rogério Marinho (PL), que foi ministro de Bolsonaro. A candidatura do ex-ministro ressuscitou o “gabinete do ódio” e chegou a tirar o ex-presidente do mutismo. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro foi pessoalmente ao Senado na tarde da eleição. A despeito da renovação do Senado – que agora conta com mais bolsonaristas – Marinho conseguiu apenas 32 votos de um total de 81. Pacheco foi reeleito com 49 – uma votação que correspondeu às suas estimativas.
Diversos bolsonaristas reagiram mal à derrota de Marinho. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), o mais votado do Brasil, classificou a vitória de Pacheco como uma “vergonha” e ainda ironizou a votação em papel. Já Gustavo Gayer (PL-GO), segundo mais votado em seu estado, baixou o nível no Twitter: “Isso aqui é uma putaria de um grande teatro. Uma democracia de vitrine.” Mais comedido, o senador Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) desejou que Pacheco “de alguma forma resgate a interdependência entre os Poderes”.
Essa é a demonstração de que o bolsonarismo, apesar de ter significativa representatividade no Congresso, ainda não se articula como uma oposição estruturada ou protagonista. Assim, ainda que de perfil mais conservador, o atual Congresso poderá acabar, na visão dos próprios parlamentares, não sendo fortemente oposicionista.
O que se percebe até aqui é um forte protagonismo dos atuais comandantes da Câmara e do Senado e daqueles que estão alinhados ao novo governo Lula mostram também um Congresso realista e pragmático. Os deputados e senadores parecem enxergar que o perfil mais de direita e conservador do novo Parlamento não acabará prevalecendo nas relações com o novo governo.