Todo candidato eleito com uma plataforma de renovação — seja para gestão de governo municipal, estadual ou federal — dedica os primeiros dias de seu mandato a desqualificar seu antecessor. Esse fato natural de qualquer democracia é um elemento da sobrevivência política. Neste momento de “lua de mel” (os primeiros dias de mandato), é preciso justificar o estado das coisas enquanto o novo governo eleito não teve tempo de ajustá-las à sua maneira. 

Segundo escreveu cientista político Bruce Bueno de Mesquita, professor da Universidade de Nova York, em The Dictator’s Handbook: “O desafiante democrático precisa garantir a deposição do titular, tomar o comando dos instrumentos do Estado e recompensar suficientemente uma coalizão de apoiadores para que eles o apoiem como o novo líder. Na democracia, os líderes dependem fortemente de bens públicos para recompensar seus apoiadores.” 

Bruce Bueno de Mesquita afirma que, nas ditaduras, poucos apoiadores formam a coalizão, e o líder pode suborná-los com dinheiro. Já na democracia, a coalização de apoiadores é tão numerosa que jamais haverá dinheiro suficiente para todos, portanto, a gratificação aos apoiadores é a execução de boas ideias. “Na democracia, há tantos apoiadores que precisam de recompensa que isso significa criar políticas públicas melhores ou pelo menos mais populares.”

The Dictator’s Handbook” publicado pela PublicAffairs em 2011, sem edição em português, é talvez um dos mais brilhantes manuais sobre a prática do poder desde “O Príncipe”, de Maquiavel. É fácil enxergar como a teoria da Universidade de Nova York explica a prática goiana. O governo do prefeito de Goiânia Rogério Cruz (Solidariedade) não pôde solucionar diversas crises, um novo governante foi eleito e, para agradar seus apoiadores, precisa executar ideias eficientes. 

É um bom sinal que, já na transição, as crises estejam sendo abordadas. Em uma cidade com falta de leitos de UTI, desgastada por problemas com o lixo e drenagem, sob ameça de rombos fiscais — é de se esperar que a população tenha pouca paciência, mesmo na lua de mel. Na realidade, a rejeição à atual gestão é de tamanho consenso que a frase “a culpa é de Rogério Cruz” soará como uma tautologia, uma desculpa vazia. 

Em outras palavras: Goiânia precisa superar esse momento de crises e seguir adiante, estar livre para projetar o que pode se tornar no futuro. Sandro Mabel parece entender esse fato, e já se adianta. O prefeito eleito buscou na Secretaria Estadual de Saúde soluções para a crise dos leitos de UTI; fechou parceria para transferir EJA à secretaria Estadual de Educação; articulou na Câmara o recebimento do Refis para 2025. Se conseguir bons resultados rapidamente após a posse, o futuro prefeito terá o período da lua de mel — talvez os primeiros 100 dias — com alguma folga para pensar em investimentos. 

Bruce Bueno de Mesquita explica que as democracias são infinitamente exigentes: não basta ter solucionado uma crise, a coalizão pensa sempre no próximo passo. Não basta ter feito, é preciso estar fazendo. “Todos consomem benefícios de políticas públicas, quer apoiem o líder ou não. Se um líder resolve o aquecimento global, então todos são vencedores. Mas ações passadas não compram lealdade. Se um rival aparece com uma maneira mais barata de consertar o problema ambiental, então o rival pode tomar o poder através das urnas. A política autocrática é uma batalha por recompensas privadas. A política democrática é uma batalha por boas ideias políticas”, escreve Bruce Bueno de Mesquita. 

É interessante notar como a democracia cria uma disputa tão acirrada que, na tentativa de desbancar os competidores, até o período da transição foi ocupado. Para jornalistas, a transição já foi vista como uma zona morta de notícias políticas, o período do café frio de tristes prefeitos não eleitos. Até 1930, a eleição era realizada em março e a posse em novembro — os oito meses de intervalo eram destinados para que os presidentes viajassem de seus estados até o Palácio do Catete. Hoje, já se governa antes da posse.