Sem “efeito Tiririca”, mas apequenando os pequenos
04 abril 2015 às 11h01

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Um dos pontos mais aclamados da reforma política, o fim das coligações proporcionais não é garantia de equilíbrio no sistema eleitoral

em São Paulo
Há cerca de um ano, venho escrevendo uma série de textos, tanto em reportagens quanto em análises, sobre a reforma política. No apanhado de opiniões diversas, ouvindo políticos locais e de outros Estados e acadêmicos, fica muito claro que não há consenso sobre o que seria “o melhor” nessa área. O que é bom para uns, não o é para outros. Mas há um consenso: a urgência dela mesma, a reforma política.
Talvez o ponto mais consensual seja a premência de mexer no sistema de coligações proporcionais, que enseja a eleição de gente sem nenhuma representatividade. É que o sistema em vigor permite que o eleitor vote num candidato de um partido que, como puxador de votos de uma coligação, normalmente uma celebridade ou subcelebridade, acaba elegendo candidatos de outros partidos e que tiveram votação insignificante.
É o chamado “efeito Tiririca”. Em 2010, o humorista foi eleito deputado federal em São Paulo com 1,3 milhão de votos pelo PR, suficiente para ajudar a eleger mais 3,5 deputados de sua coligação. Na eleição do ano passado, Tiririca teve menos votos, pouco mais de 1 milhão, mas mesmo assim puxou mais dois candidatos.
Pois bem, o Senado aprovou, na semana passada, em segundo turno, a Proposta de Emenda Constitucional 40/2011, do ex-senador José Sarney (PMDB-AP), que acaba com as coligações partidárias nas eleições proporcionais, em que o eleitor escolhe deputados federais, deputados estaduais e vereadores. A PEC já havia sido aprovada em primeiro turno no último dia 10 de março. Foi o único ponto da reforma política, entre várias, que o Senado conseguiu aprovar.
Agora, a proposta será analisada pela Câmara.
A mudança permite a coligação apenas para eleições majoritárias: presidente da República, governadores, prefeitos e senadores. O principal objetivo é fortalecer os partidos e acabar com as chamadas coligações fisiológicas, que possibilitam aos Tiriricas puxarem consigo gente sem voto.
No calor da aprovação da referida PEC no Senado, o mestre em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB) Carlos Nepomuceno fez um estudo para comparar modelos de eleição proporcional. A matéria foi publicada no jornal “O Globo”. Segundo Nepomuceno, sem a coligação, mas com o cálculo das sobras do mesmo jeito que é hoje, quem ganhará serão os grandes partidos. Os pequenos iriam se extinguir.
Nesse ponto, é bom relembrarmos como funciona a questão das sobras no sistema vigente. A eleição proporcional tem um critério diferente e não elege só os mais votados, como na majoritária. São contados os votos proporcionais recebidos por cada sigla ou coligação, dividindo o total de votos válidos para deputado pelo número de cadeiras disponíveis. O resultado é o quociente eleitoral.
Em 2014, em Goiás (bancada de 17 vagas na Câmara dos Deputados), esse quociente foi de 178.398. Dos 17 deputados federais goianos eleitos, apenas Waldir Soares (PSDB) e Daniel Vilela (PMDB) tiveram votação acima deste quociente eleitoral. Isso significa dizer que nenhum dos outros 15 teve votos suficientes para se eleger sozinho.
A situação foi pior na disputa pelas 41 cadeiras da Assembleia Legislativa, cuja eleição teve quociente eleitoral de 76.277 votos. Nem os dois mais votados, o radialista Mané de Oliveira (PSDB), com 62,6 mil votos, e Paulo Cezar Martins (PMB), com 54,6 mil, alcançaram números para se elegerem por si sós.
Voltemos à análise do cientista político Carlos Nepomuceno. Com base na eleição do ano passado, ele calcula que o PMDB iria de 66 cadeiras para 102; o PT, de 70 para 101; e o PSDB, de 54 vagas para 71. O DEM perderia 10 cadeiras, o Solidariedade, 8, e o PPS, 5.
O acadêmico considera que se for extinta a possibilidade de os partidos se coligarem, mas mantido o mecanismo de distribuição de sobras, não se vai garantir a proporcionalidade do sistema. Mantendo-se a regra de cálculo das maiores médias, mas sem coligações, haverá outro viés francamente favorável aos maiores partidos. Se não houvesse restrições no cálculo das sobras, haveria mais proximidade de uma proporcionalidade. Carlos Nepomuceno diz que essa discussão está sendo totalmente ignorada no Congresso.
O acadêmico avança em seus cálculos, considerando que sem a necessidade de atingir o quociente eleitoral para ter acesso às sobras, o PT, por exemplo, faria 89 cadeiras; e o PMDB, 79. Ele busca um exemplo localizado para ilustrar a distorção do sistema que sua simulação revela: sem coligação e com a regra atual para as vagas remanescentes, o PT no Acre levaria todas as oito vagas a que o Estado tem direito, por ser o único partido que conseguiu atingir o quociente eleitoral.
No caso do Acre, os votos dados aos outros partidos simplesmente iriam para o lixo. O cientista político vaticina o óbvio: é um contrassenso achar que apenas um partido representa todo o Estado. No outro modelo, sem coligação e que permite que todos os partidos participem da distribuição das sobras, o PT teria quatro das oito cadeiras, o que é mais proporcional.
Carlos Nepomuceno analisa outra proposta de reforma política, em discussão, defendida pelo PMDB, o chamado distritão, que elege os candidatos mais votados, sem influência do voto na legenda. Citando o exemplo de São Paulo, que tem 70 vagas na Câmara, os candidatos mais votados seriam eleitos.
Parece mais democrático, mas há controvérsias, segundo Nepomuceno. Nesse sistema, a disputa fica por demais personalizada, ainda mais do que hoje, e não garante que o partido vai ter proporcionalidade de cadeiras correspondentes à proporção de votos que teve nas urnas.