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Na última semana, o Congresso impôs uma derrota ao governo Lula (PT), ao aprovar regime de urgência para o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que altera regras do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), de autoria do senador goiano Vanderlan Cardoso (PSD). Assim, apesar das ameaças de contingenciamento de emendas decorrentes da ‘perda’ de arrecadação, o Legislativo comunica que tem menos a perder do que o Executivo. 

Em entrevista ao Jornal Opção, o senador da República Vanderlan Cardoso (PSD) afirmou: “A nova Medida Provisória (MP) alterando o aumento de Imposto sobre IOF não foi debatida com o Congresso antes de ser apresentada. E, como tem sido comum neste governo, primeiro se faz e depois se discute […] Eu mesmo votarei a favor da derrubada. E acredito que será da mesma forma tanto na Câmara quanto no Senado.”

A convicção do parlamento de que vale comprar a briga com o governo vem da queda de popularidade de Lula e da proximidade com as eleições de 2026. Vanderlan é um bom exemplo: tendo representado órgãos do governo federal como a Codevasf em Goiás durante boa parte de seu mandato, o senador sente a maré virar e aproxima seu PSD de Ronaldo Caiado (UB), pré-candidato a Presidência. 

Apesar das ameaças de Gleisi Hoffmann de que as emendas pudessem ser seguradas, na noite de quinta-feira, 19, o governo pagou cerca de R$ 230 milhões em emendas parlamentares. Não é o bastante, considerando o desgaste. Há uma CPI se organizando para apurar o roubo aos aposentados do INSS — qual é o preço para defender o governo em um caso tão desgastante? Dada a proximidade com as eleições, tal valor é inestimável. 

Entretanto, é importante destacar que não haverá ruptura até 2026. O decreto não caiu e não há data para apreciar a MP. Hugo Motta (Republicanos), presidente da Câmara, comentou o PDL de Vanderlan: “[a aprovação da urgência para derrubar a MP que modifica aumento do IOF] foi um recado da sociedade. O País não aguenta mais imposto. É hora de ajustar as contas e fazer o Brasil crescer de forma sustentável.” É uma tentativa de aparentar um rompimento com o governo, mas apenas a urgência não significa que a MP do IOF deixa de valer, por enquanto. 

A verdade, que não é repetida o suficiente, é que o Congresso é tão irresponsável quanto o governo Lula da Silva. Nesta terça-feira, 17, por exemplo, o Congresso derrubou os vetos do presidente Lula no marco das eólicas offshore. Os vetos derrubados eram “jabutis” (emendas sem relação com o projeto original) que beneficiam o setor de combustíveis fósseis, como termelétricas a carvão, PCHs e usinas solares subsidiadas. Segundo o Grupo Equilíbrio, que reúne 17 entidades do setor elétrico e produtivo brasileiro, essas mudanças vão gerar um custo extra de R$ 545 bilhões até 2050.

É uma conta que fica para a população pagar. Famílias e empresas de Goiás podem ter um impacto médio de R$ 15,46 a mais na conta de luz. O aumento de 9% na tarifa vai pesar no bolso dos goianos pelos próximos 25 anos, com correções anuais pela inflação. Isso significa que, além de pagar mais pela energia, os consumidores também sentirão os reflexos no preço de produtos e serviços que dependem da eletricidade — com impacto direto no agronegócio, na indústria e no custo de vida da população.

Semelhantemente, o Congresso é permeável ao lobby do setor produtivo não competitivo, e mantém isenções que fazem falta ao orçamento. A desoneração da folha é outro exemplo; o Congresso prorrogou até 2027 o incentivo criado para estimular a contratação durante a pandemia de Covid-19. Não faz mais sentido, mas o parlamento escolheu postergar esse benefício de R$ 15 bilhões por ano em isenções.

Outro projeto temerário aprovado pelo Congresso é a permissão do uso de emendas para salários de profissionais da saúde, nesta terça-feira, 17. As regras atuais determinam que ao menos 50% do valor das emendas parlamentares sejam aplicados em ações e serviços públicos de saúde, mas veda a sua utilização para o custeio de folhas de pagamento de servidores. Se promulgado, o projeto vai permitir que as emendas parlamentares de comissão e de bancada para o pagamento de salários.

O projeto de Hugo Motta e Davi Alcolumbre (UB), presidentes das casas do Legislativo, facilita o fluxo de caixa para prefeitos e coloca em risco a previsibilidade dos vencimentos dos profissionais. As emendas, de caráter temporário e instável, dependem da boa vontade de parlamentares. Quando o governo ameaçar contingenciar emendas, como está acontecendo hoje, pode ser que os servidores da saúde paguem a conta, e não os parlamentares. Esse é o real intuito do projeto. 

O parlamento, que endossou a PEC Kamikaze de Jair Bolsonaro (PL) em 2022, deve financiar a mesma irresponsabilidade em 2026. É preciso redobrar as “entregas” em ano eleitoral.