Em vez de acelerar, a dispensa de licitação em obras públicas para a Copa atrasou ainda mais os serviços

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No sítio G1, em 2009, talvez a primeira grande promessa de Dilma para a Copa: você viu trem-bala por aí, leitor?

Em 2011, o governo federal anunciou a instituição do Regime Dife­ren­ciado de Contrata­ção de Obras Públicas (RDC), que vem a ser nada menos que a dispensa de licitação. Justificou-se a medida como necessidade de acelerar as obras para conclusão a tempo da Copa do Mundo, que começa em menos de um mês. Organismos especializados manifestaram preocupação com a medida, que ensejaria ainda mais brechas para corrupção e desvios de recursos públicos.

Pois bem, a menos de um mês do início da competição, está claro que grande parte das obras não ficará pronta. Sem contar que muitas delas, prometidas, nem chegaram a sair do papel. É o caso do famoso trem-bala. Em setembro de 2009, a então ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) anunciou que o trem-bala ligando Campinas (SP) ao Rio de Janeiro ficaria pronto para a Copa do Mundo de Futebol de 2014.

Na apresentação de balanço de uma peça de ficção chamada Pro­grama de Aceleração do Cres­ci­mento (PAC), entre outras coisas, disse a ministra: “Nosso projeto é que (o trem-bala) esteja integralmente pronto em 2014 ou pelo menos o trecho entre Rio e São Paulo. (…) Pretendemos ter os trens em funcionamento em 2014, para a Copa até porque esta é uma região muito importante em termos de movimentação na Copa”.

Pois é.

Na semana passada, o Sin­di­cato da Arquitetura e da Enge­nharia (Sinaenco), em parceria com o Conselho de Arqui­tetura e Ur­banismo do Brasil (CAU/BR), apresentou um levantamento atestando o insucesso da aplicação do RDC nas obras para as quais foi criado. Na verdade, o RDC teve efeito contrário, constituindo-se num dos principais responsáveis pelo atraso na entrega das obras de mobilidade urbana e aeroportos para a Copa do Mundo.

Divulgo o texto das entidades, que reúnem todas as condições técnicas e profissionais para prestar informações sobre essa questão: “O estudo teve como foco os empreendimentos de mobilidade urbana (incluindo o entorno dos estádios) e dos aeroportos previstos no conjunto da Matriz de Responsabilidade. São 75 obras, no valor total de R$ 15,4 bilhões.

“Os investimentos totais para mobilidade urbana e acesso aos estádios somam R$ 7,5 bilhões, referentes a 45 obras, sendo que R$ 2 bilhões foram obras contratadas via RDC. Referem-se a 9 empreendimentos, número aparentemente inexpressivo se comparado com o total das obras, mas significativo pois corresponde a 27% do total investido. Resultado até agora: apenas um contrato, no valor de R$ 8,7 milhões, referente às obras de “pavimentação e qualificação de áreas públicas no entorno” do estádio do Beira-Rio, em Porto Alegre, foi concluído, representando somente 0,11% do investimento total realizado em mobilidade urbana e acesso aos estádios.

“No setor aeroportuário, os números também comprovam a ineficiência do modelo de contratação diferenciada. Do total de 30 diferentes modalidades de obras, que somam investimentos de R$ 7,9 bilhões, 11 empreendimentos foram contratados via RDC, correspondente a R$ 1 bilhão (ou 13% do total). Essas 11 ações abrangem sete aeroportos (Belo Horizonte (Con­fins), Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Rio de Janeiro e Salvador). Resultado até agora: somente os contratos referentes a ”serviços técnicos de apoio à Infraero”; “ampliação de pátio de estacionamento de aeronaves” e “construção da torre de controle” do aeroporto da capital baiana foram concluídos, somando R$ 32 milhões, o equivalente a 0,41% d0 gasto total em aeroportos.

“O que o levantamento do Sinaenco e do CAU/BR mostra é que as obras contratadas por esse regime, ao contrário do que diz o Governo Federal, de forma nenhuma garantem uma entrega mais rápida. A realidade tem demonstrado também em outras obras em que o RDC foi utilizado que o regime agiliza apenas a licitação, mas não o cumprimento dos prazos. A principal razão é a falta de um projeto completo para, licitada a obra, ela ter início de imediato.

Senado

“Apesar do fracasso do RDC na Copa, o Senado discute agora a MP 630/13, que ampliaria o uso do regime para todas a obras públicas do país. Atentas aos problemas que o uso generalizado do RDC pode trazer a sociedade com a sua aplicação sem o debate que o assunto exige, diversas entidades do Setor de Arquitetura e Engenharia se articularam pela rejeição a medida provisória em debate. Um “placar” monitorando a evolução das obras será atualizado pelas entidades até o início da Copa.

“De acordo com o presidente do CAU/BR (Conselho de Ar­quitetura e Urbanismo do Brasil), Haroldo Pinheiro, a medida significaria que o Estado abre mão de seu dever de planejar e administrar as obras públicas, uma vez que o RDC entrega para as empreiteiras a responsabilidade por todas as fases do empreendimento, do projeto à fiscalização final. Pior: se a MP 630/13 passar, também a manutenção do bem público poderá ficar sob a responsabilidade da construtora por até cinco anos. “O CAU/BR defende que o projeto completo da obra seja contratado antecipadamente (e de forma independente) à licitação, para garantir à administração o controle sobre a qualidade da obra, seu orçamento e prazos”, ressalta Pinheiro.

“Para o presidente do Sinaen­co, José Roberto Bernasconi, o RDC é a melhor forma para se contratar “bombas-relógio”. Ele afirma que “não podemos abdicar do projeto para fazer a contratação de uma obra. O projeto é que define o DNA do empreendimento. É a ferramenta anticorrupção que define a solução, prazo e o custo do empreendimento”, ressalta Bernasconi.

“Em reunião realizada em São Paulo no dia 13/05, apoiaram a iniciativa de lançamento do “placar” o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), a Associação Brasileira de Consultores de Engenharia (ABCE), o CAU/SP e o CREA/SP. Perfilam com o CAU/BR em sua campanha contra a MP 630/13 também a Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas (FNA), a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura (ABEA), a Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura (AsBEA), a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP), o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA), a Associação Nacional dos Servidores Públicos Enge­nheiros, Arquitetos e Agrônomos do Poder Executivo Federal (ANSEAF), a Associação dos Ar­qui­tetos, Agrônomos e Engenheiros Públicos de São Paulo (AEP-SP) e a Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (FeNEA). Outras entidades que já se manifestaram contra o modelo do RDC foram o Sindicato da Cons­trução de São Paulo (Sinduscon-SP) e a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cebic).”

Para quem, quiser conferir, o placar está no sítio: www.sinaenco.com.br