Desde o início de seu mandato, o prefeito de Goiânia, Rogério Cruz (Republicanos), acreditou que conseguiria apoio abrindo aos aliados a indicação de cargos de segundo e terceiro escalão. A articulação foi malfeita: todos fizeram indicações, incluindo adversários, e o apoio não veio. Para complicar, o partido Republicanos recomendou um artificial “Grupo de Brasília” com nenhum benefício para o Paço. Em outubro de 2022, foram quase dois mil exonerados. A estratégia de recontratar apenas figuras que passassem pelo filtro do prefeito poderia ter funcionado, não fosse outra articulação malfeita. 

O presidente da Câmara Municipal, Romário Policarpo (Patriota), criticou na ocasião a falta de aviso aos secretários demitidos. Na prática, Policarpo gostaria de ter tido a oportunidade de manter indicações da Câmara, e puniu as exonerações com indiferença em um momento delicado. Michel Magul (MDB) foi substituído na Secretaria Municipal de Governo por Jovair Arantes (MDB) em uma tentativa de aproximar o Executivo do Legislativo municipal, mas era tarde demais – já se sentia o cheiro de sangue na água. 

Vieram os pedidos de impeachment, sem qualquer fundamentação mas com sua dose de escândalo. Veio a Comissão Especial de Inquérito (CEI), lançada para investigar supostas irregularidades na Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg). Veio a sangria. Rogério Cruz se aproxima de uma nova eleição sem mostrar sua visão para Goiânia, sem pacote de medidas positivas, sem agenda além da própria sobrevivência. 

Isso é o que ficará para a história clara e aberta: Goiânia teve mais um prefeito que não escolheu as condições em que governou. Mas o que esses eventos falam sobre os atores que escolheram as condições? A conclusão não pode ser lisonjeira. No meio da agenda dos vereadores, o mundo real se impôs, inconveniente. Uma epidemia de violência escolar fez com que a sociedade buscasse respostas de seus representantes, mas os encontrou ocupados na fruição do poder.

Basta ver o que a Câmara Municipal tem feito nas últimas semanas, segundo o próprio site da Câmara. Sem a pretensão de exaurir o mérito de cada proposta, vamos olhar pelos olhos do senso comum as notícias do mês de abril. A Câmara Municipal protocolou:

– 11 processos administrativos plausíveis. Ou seja: fiscalizações de obras e programas, audiências públicas e projetos de lei que competem ao Legislativo municipal;

– Nove processos inúteis. São leis que já existem, como o projeto do vereador Bokão (Solidariedade) aprovado pela CCJ no último dia 10, sugerindo que idosos tenham exames laboratoriais coletados em suas residências caso não consigam ir aos locais de exame. Acontece que a Lei Federal número 14.423 já instituiu exatamente isso. São também os projetos de lei que não competem ao Estado, como aquele de Isaías Ribeiro (Republicanos), que declara a Bíblia Sagrada como patrimônio de Goiânia, ou o que obriga os hospitais a oferecerem o serviço de atendimento religioso. 

– Foram sete notícias ligadas à CEI da Comurg em abril;

– Três ligadas a homenagens de personalidades ou nomeação de logradouros. 

Em situações excepcionais como a que nos encontramos, a sociedade espera maior eficiência e coordenação de seus representantes. O Executivo de Rogério Cruz colocou a Guarda Civil Metropolitana (GCM) para fazer diligências nas escolas contra a violência. A Comissão de Segurança Pública da Câmara Municipal tomou atitude redundante, fazendo diligências nas 357 unidades municipais de ensino.

O resultado é confuso, para dizer mínimo. Nesta semana, o prefeito Rogério Cruz determinou a proibição do uso de mochilas pelos alunos a partir do 5º ano. A Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) solicitou embasamento técnico ou estudo demonstrando a necessidade ou efetividade da medida. Cruz negou o pedido, afirmando que “a defensoria não tem condição de garantir a segurança nas escolas” (como se essa fosse função da Defensoria). O secretário municipal da Educação, Wellington Bessa, completou: “Não é atribuição da Defensoria Pública de Goiás observar a decisão pedagógica do município” (na verdade, a decisão não é pedagógica e observar as políticas públicas do município é justamente uma das atribuições da Defensoria).

Por parte da Câmara Municipal, o cenário não é melhor. O vereador Geverson Abel (Avante) apresentou projeto de lei (PL 118/2023) exigindo a instalação de detectores de metais e de aparelhos de raio-X nas unidades educacionais. Obrigar crianças a se submeterem à radiação ionizante… um grande passo para a casa que teve medo de vacinas. Seja como for, o projeto de lei é impossível – esbarra na regulação federal das Diretrizes Básicas de Proteção Radiológica, e é improvável que a equipe do vereador desconhecesse o fato. 

A onda de medo ofereceu um palco para o populismo autoritário, mesmo que as medidas propostas não sejam eficientes, racionais, ou mesmo factíveis. Basta propor. Na descoordenação entre Câmara e Paço, quem perde é o goianiense, que tem um problema real nas mãos e não está interessado na sobrevivência dos políticos de ocasião.