Posse de Milei se torna oportunidade de campanha para brasileiros

10 dezembro 2023 às 00h01

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Neste domingo, 10, a posse do novo presidente argentino, Javier Milei, se tornou para os brasileiros uma oportunidade de demonstrar alinhamento político, resgatando momentos de campanha eleitoral um ano após o pleito. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou o chanceler Mauro Vieira para a posse, como um recado de admoestação do governo brasileiro ao candidato de ultradireita, que chamou o petista de “corrupto” e o acusou de interferência no processo eleitoral argentino ao longo da campanha.
Quem compareceu e publicou fotos ao lado de Milei desde sexta-feira, 8, foi o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e apoiadores da direita. Os governadores de Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina: Romeu Zema (Novo), Tarcísio de Freitas (Republicanos), Ratinho Jr. (PSD) e Jorginho Mello (PL), respectivamente. Ronaldo Caiado (UB) cancelou sua presença na quinta-feira, 7. Também compareceram políticos que lutam para colar sua imagem à nova direita radical, como Márcio Corrêa (MDB), deputado federal goiano.
Essa direita de Trump, Milei e Bolsonaro, no Brasil, ficou órfã após a inelegibilidade do ex-presidente. Na corrida pela sucessão presidencial, é natural que os postulantes queiram ser vistos como membros do grupo, conectados ao líder do movimento da nova direita radical argentina. É ainda natural a admoestação do presidente. Quando Jair Bolsonaro era presidente, também teve de conviver com um desafeto governando o país vizinho, o peronista moderado Alberto Ángel Fernández. Bolsonaro também não compareceu à sua posse — quem compareceu foi o então vice-presidente, Hamilton Mourão.
O fenômeno também pode ser percebido em nível local. Em Anápolis, cidade de Márcio Corrêa, o eleitorado é predominantemente de direita. Apesar desse fato, o pré-candidato do PT está na dianteira das pesquisas, pois a maioria de anapolinos de direita se dividem entre três pré-candidatos que disputam os espólios do bolsonarismo. Márcio Corrêa, Vitor Hugo (PL) e Roberto Naves (Republicanos) reclamam para si o posto de legítimo representantes da direita conservadora. No esforço de se mostrar o herdeiro dessa coroa, Márcio Corrêa desembarcou na Argentina acompanhado de Jair Bolsonaro.
Em entrevista de novembro ao Jornal Opção, Roberto Naves, prefeito reeleito de Anápolis que busca fazer sucessor, afirmou que seu candidato (quem quer que seja) não será Márcio Corrêa, mas um nome apoiado por Bolsonaro e Caiado. Naves afirma que Corrêa não é da direita de verdade, mas da direita alternativa, pois não o apoiou na reeleição contra um candidato do PT, Antônio Gomide. Márcio Corrêa sustenta que é, sim, o candidato de Bolsonaro, e ostenta várias fotos junto com o ex-presidente para prová-lo.

A disputa pelo capital eleitoral de Bolsonaro se estende por diversas outras cidades goianas e tende a se intensificar nos próximos meses. O período de tolerância que todos os presidentes aproveitam no início de seus mandatos (a “lua de mel”) terminou, bem como a empolgação com o êxito inicial de suas propostas econômicas. A avaliação positiva do governo Lula oscilou 2 pontos para baixo, chegando a 38%, enquanto a avaliação negativa subiu 5 pontos percentuais, apontou pesquisa Ipec divulgada nesta quinta-feira, 7.
Em agosto, a direita se uniu na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) para entregar ao ex-presidente o título de cidadão goiano. Na ocasião, Vitor Hugo, Wilder Morais (PL) e Gustavo Gayer (PL) discursaram em uníssono para elogiar Bolsonaro e, embora afirmem ter superado suas diferenças, os três até hoje não concordam publicamente em um nome para a pré-candidatura de Goiânia.
Entretanto, sem poder assumir o poder, a relevância de Bolsonaro pode apenas diminuir. Para tentar conter a inevitável deterioração, o ex-presidente articula candidaturas de figuras próximas — talvez Michelle ou Eduardo Bolsonaro, que foram à posse de Milei. Parte dos políticos que acompanharam Jair Bolsonaro à Argentina parecem nutrir esperanças de que sejam apontados como herdeiros legítimos para a disputa presidencial, mas este cenário é improvável.
Se Jair Bolsonaro declarar apoio a Tarcísio de Freitas, Ratinho Jr. ou Jorginho Mello, quem perde importância é o próprio Bolsonaro, que se tornará mero intermediário do apoiio. O ex-presidente é experiente o suficiente para preferir um membro da família, sobre quem tenha maior influência, em vez de se colocar como cambista de votos para outro político já consolidado. Para herdar o apoio dos bolsonaristas, paradoxalmente, não é um bom negócio tentar bajular Bolsonaro, mas reinventar uma direita que está sem um líder inquestionável elegível.