Kátia Abreu foi convidada por Dilma Rousseff, contra a vontade da maioria do PT e de boa parte do PMDB e da Frente Parlamentar

Kátia Abreu e Dilma Rousseff: além de ser amiga da presidente, a senadora tem credenciais para o cargo | Roberto Stuckert Filho/PR
Kátia Abreu e Dilma Rousseff: além de ser amiga da presidente, a senadora tem credenciais para o cargo | Roberto Stuckert Filho/PR

Parece que estava escrito nas estrelas que um goiano seria titular da pasta da Agricultura no governo que se inicia em 1º de janeiro de 2015. Fosse o tucano Aécio Neves o vencedor, dizia-se que o deputado e agora senador eleito Ronaldo Caiado (DEM) seria convidado. Ganhou Dilma Rous­seff, que convocou a senadora reeleita Kátia Abreu, do PMDB do Tocantins.

O anúncio oficial de Kátia Abreu no Ministério da Agricultura estava previsto para quinta-feira, 27, com o do futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mas o estilo tropeçante de Dilma adiou. A presidente tem de administrar a pressão do aliado PMDB, que quer abocanhar mais cargos na Esplanada.

Kátia Regina de Abreu é goiana nascida na capital, formada em psicologia pela Universidade Católica de Goiás. Ela tornou-se pecuarista ao assumir, com a morte do marido em 1987, fazenda no antigo norte goiano, o atual Tocantins. Na enciclopédia eletrônica Wikipédia constam informações curiosas (carecem de confirmação) que servem para tornar ainda mais interessante essa mulher de perfil forte:

“Mudou-se para a fazenda mes­mo sem muito conhecimento de co­mo conduzi-la. Ao chegar à fazenda, encontrou dentro do cofre da propriedade um roteiro completo sobre o que fazer caso o seu marido não pudesse gerenciar a fazenda. Segundo Kátia, Irajá Silvestre (o falecido) havia deixado uma espécie de inventário, no qual explicava coisas como onde aplicar o dinheiro, quais dívidas deveriam ser pagas primeiro e quais eram os investimentos prioritários para o aumento da produtividade da fazenda.”

Pelo jeito, Kátia seguiu as instruções direitinho, e tornou-se uma em­presária-pecuarista de sucesso, talvez até ampliando o patrimônio fa­miliar que era administrado pelo ma­rido. Galgou posições na representatividade rural, primeiro como presidente do Sindicato Rural de Gu­rupi, depois presidente da Fe­de­ração da Agricultura e Pecuária do Estado do Tocantins, por quatro man­datos consecutivos entre 1995 e 2005.

No final de 2008, Kátia Abreu foi eleita presidente da poderosa Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A entidade representa 27 federações estaduais, mais de 2 mil sindicatos rurais por todo o Brasil e mais de 1 milhão de produtores sindicalizados. Ela está no terceiro mandato à frente da entidade.

Voltemos ao Ministério da Agricultura. Pelo currículo, está claro que Kátia Abreu reúne predicados para ocupar a função. Independentemente do que se pense dela, de concordar ou não com suas posições políticas e vi­são de mundo — e ela os expressa diuturnamente em artigos na imprensa em geral e especificamente no diário “Folha de S.Pau­lo”, do qual é colunista fixa —, Kátia efetivamente reúne condições para ser a titular da pasta.

Mas o PT, ou pelo menos a maioria do PT, não concorda com a escolha de Dilma Rousseff e cobram alguma coerência ideológica-partidária da presidente. Há um contencioso histórico do partido, principalmente daquela ala mais radical, com a senadora. Essa ala vê Kátia Abreu como mais do que conservadora, mas como reacionária mesmo. Justi­ficam o julgamento pelo fato de ser ela uma grande produtora rural, de comandar a entidade máxima dos produtores rurais, de ter sido filiado ao PFL e depois DEM, do qual saiu para entrar no novo PSD kassabista, e daí migrar para o PMDB. Acusam-na de ser latifundiária, “rainha do desmatamento” e coisas assim.

Na semana passada, a imprensa noticiou que o Movimento sem Terra (MST), um braço do petismo mais radical, tinha invadido uma propriedade em Santa Catarina em protesto contra Kátia na Agricultura. E alguns pretensos “intelecutais petistas”, gente como Leonardo Boff e Fei Betto, fizeram um manifesto contra a indicação de Joaquim Levy e Kátia Abreu para o ministério.

Os muxoxos de petistas contra as escolhas de Dilma ressumam aqui e ali. A pressão tem sido intensa, o que pode ter contribuído para o adiamento do anúncio de Kátia no ministério. A presidente pode até ceder e “desconvidar” a senadora. Mas Dilma não tem dado muita bola para os radicais do PT. Ela sabe que se dependesse desse pessoal, primeiro ela não seria presidente da República, depois seu governo teria resultados ainda piores do que tem tido, com crescimento nulo, inflação e estupro das contas públicas.

Na verdade, Dilma só resguarda a opinião de Lula da Silva, que ela sabe ser o único responsável por sua eleição e reeleição. Se Lula não veta Kátia Abreu, não há porque não efetivar a senadora. A aproximação entre elas vem de alguns anos. De opositora ferrenha do PT, Kátia passou a defensora de Dilma. A senadora explica que essa aproximação se deu por ocasião do embate pelo Código Florestal, em que a presidente apoiou o relatório do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), referendado pela CNA.

Kátia Abreu ficou tão agradecida e fascinada pela presidente que até passou a justificar a política econômica que tem causado baixo crescimento e inflação. “Em relação ao crescimento, estamos assistindo uma crise no mundo inteiro, não só no Brasil. Não atribuo à presidente Dilma um PIB. Um governo não é um PIB, um PIB não é um governo”, disse ela em entrevista ao Jornal Opção logo após sua eleição.

Certamente que Dilma Rous­seff tem na senadora uma amiga, e a reconhece como capacitada pa­ra o cargo. Apesar de ser (ou es­tar) no PMDB, Kátia Abreu en­tra na cota pessoal da presidente. Sim, ao contrário do que se poderia imaginar, a senadora não é unanimidade no PMDB. Uma ala quer a permanência do peemedebista gaúcho Neri Geller na pasta.
Mas a goiana-tocantinense ganhou reforço entre os produtores rurais na semana passada. O jornal “Valor Econômico” divulgou que o futuro presidente da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), deputado Marcos Montes (PSD-MG), defendeu a escolha de Kátia para o Ministério da Agricultura no segundo mandato de Dilma Rousseff.

Ele disse que não sabia quem seria o titular da pasta, mas que via com bons olhos o fato de o ministro ser nomeado junto com a equipe econômica, em uma sinalização de que o ministério terá mais força no próximo mandato — o anúncio conjunto foi adiado, como foi anotado antes. A FPA era uma das entidades críticas à atuação da senadora, que, na visão dos deputados, tinha evitado enfrentar o governo na discussão do Código Florestal em 2011 já com a intenção de se aproximar de Dilma.

O atual presidente da FPA, Luiz Carlos Heinze (PP-RS), disse que tanto Kátia quanto o atual ministro, Neri Geller, são bons nomes, que conhecem o setor e que terão apoio dos produtores rurais. Ele afirmou que a opção política fita por Kátia [aproximação com o PT] tem de ser respeitada. “Tínhamos do Aécio a promessa de um Ministério da Agricultura forte, esperamos que a Dilma também tenha essa intenção”, afirmou.

Segundo o jornal, o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), contudo, demonstrou descontentamento com a indicação da presidente da CNA. Disse que grande parte da FPA tem resistência ao nome dela e que a bancada do PMDB, que apoiou a escolha de Geller, preferia a permanência dele. A declaração foi antes de ser divulgada , na quinta, 27, que dois irmãos do ministro são alvos de uma investigação da Polícia Federal, contra fraudes na concessão de áreas da União destinadas à reforma agrária. Será que isso enfraquece Geller e fortalece Kátia? l