Está em curso na Câmara dos Deputados a votação pela reforma eleitoral, cujo eufemismo minimiza as consequências como uma minirreforma eleitoral. As mudanças implicam na flexibilização das regras para prestação de contas de campanha e para a representatividade racial e de gênero nas eleições. A modificação, que se dá por meio de três textos (um Projeto de Lei, um Projeto de Lei Complementar e uma Proposta de Emenda a Constituição) é a vigésima em 25 anos, mas é mais drástica do que a maioria das modificações que são aprovadas pelo Congresso praticamente todos os anos.

Tanto o Projeto de Lei quanto o Projeto de Lei Complementar já foram aprovados, mas a Proposta de Proposta de Emenda à Constituição, que tem sido chamada de PEC da anistia, ainda não foi submetida ao plenário da Câmara dos Deputados. Um dos três autores da PEC é Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP), um deputado ligado ao dono do partido, Valdemar Costa Neto, mas que também foi ministro de Dilma Rousseff (PT). Portanto, é uma escolha que une PL ao PT, e a união dos parlamentares em benefício próprio é o tema que ressoa por toda a reforma. 

A PEC prevê o perdão das multas somadas de todos os partidos, que chega a R$ 23 bilhões. Significa o maior perdão da história brasileira a partidos políticos – e o Brasil tem um longo histórico de perdão a partidos, que nunca obedeceram a arcabouço fiscal ou teto de gastos algum. Seguindo o rito de Arthur Lira (PP-AL), a tramitação vai acelerada. Protocolada em 22 de março, foi chancelada pela CCJ em 16 maio, passou em 2 de agosto pela comissão especial (e só demorou tanto tempo porque houve um recesso parlamentar entre março e agosto). Agora, unindo de PT a PL, é improvável que não esteja implementada até outubro. 

No texto, o Congresso legisla em causa própria ao aterrar a legislação que ele próprio criara. É uma desmoralização do próprio trabalho e do trabalho do Tribunal Superior Eleitoral, que se debruçou inutilmente sobre as contas dos partidos. Jogada fora toda a análise feita pela Justiça. 

A mudança diminui para 20% o mínimo de distribuição de fundo eleitoral a negros. Não serão sancionados com perda de mandato os candidatos de partidos que não cumpriram as cotas raciais e de gênero. Ainda em outras palavras: parlamentares não cumpriram com a emenda constitucional que eles próprios criaram, e agora se desculpam por isso. 

O texto diz que ficarão isentos de sanção de qualquer natureza (multa ou devolução de recursos do fundão) as prestações de contas de partidos feitas antes da implementação da PEC. Como a PEC ainda será implementada, os partidos deveriam correr para comprar carne para churrasco com o dinheiro público, como aconteceu em 2021, já que o perdão engloba o momento de agora. A PEC diz ainda que a justiça só poderá bloquear no futuro 10% do valor do fundo partidário. 

A conta de R$ 23 bilhões pode ser ainda maior. Este número diz respeito à porção do fundo partidário ainda pendente na Justiça, mas o texto é vago o bastante para causar dúvida: o perdão serve apenas para esse montante pendente ou também se estende às decisões que já foram tomadas na justiça? Um partido que já foi punido por mal versação de recursos pode ser ressarcido?

Congressistas tentarão desculpar a obra sob algumas justificativas. Dirão que foram pegos de surpresa em 2022 pelo surgimento das cotas, mas é mentira, pois a regra é antiga e apenas foi transformada em emenda constitucional em 2022. Dirão também que foram sensíveis aos apelos sociais ao retiraram do texto o “bode na sala”. Foi removido, afinal, o artigo que autorizava o uso de dinheiro empresarial para pagamento de dívidas pré 2015 – o que é outra piada com a Justiça, que já havia vetado a manobra em outras ocasiões. 

Esta é a primeira grande união entre oposição e governo no Congresso. Um dos patrocinadores da PEC da Anistia é o deputado Hugo Motta, que assina a autoria com outros deputados. Hugo Motta é uma das lideranças do Republicanos na Paraíba e é um aliado muito próximo de Arthur Lira. O deputado de 34 anos é uma das novas promessas do Centrão e esteve em reunião com os novos ministros André Fufuca (PP) e Silvio Costa Filho (Republicanos) no Palácio do Planalto, na quarta-feira, 13. A PEC da Anistia é a aliança deste casamento.