Nesta altura não há dúvida de que o presidente quer, assim como queria Dilma Rousseff, amaciar o curso das investigações. Mas como fazê-lo sem correr risco?

Michel Temer, Alexandre de Moraes, Cármem Lúcia: peças do xadrez que pode balançar as investigações
O presidente Michel Temer tem uma ótima relação com o Congresso. Fiado nisso, se propõe a tocar em frente pautas difíceis como as reformas da Previdência e a Trabalhista, o que nem Lula da Silva nem Dilma Rousseff se atreveram. Os petistas, de olho na próxima eleição e em não perder o poder, não se atreveram a mexer em temas impopulares.
Essa ótima relação com o Congresso se deve também ao fato de que Temer foi presidente da Câmara Federal. Nesse cargo, Temer exercitar aquilo para o que ele já é talhado naturalmente: a negociação.
Ter herdado a Presidência da República com o impeachment de Dilma, que jogou o País no buraco econômico no qual estamos — e se ela não fosse tirada do poder iria agravar a situação cada vez mais, pois a capacidade da petista em fazer asneiras é gigantesca e não tinha acabado —, deu a Temer ainda mais força com seus ex-pares de Parlamento.
Fato é que Michel Temer tem uma maioria esmagadora no Congresso Nacional. Com essa maioria, dificilmente — para não dizer impossivelmente —- o peemedebista sofreria um impeachment, caso suas condições políticas chegasse a uma situação crítica.
Mas Temer pode ser cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), uma vez que a chapa que ele compôs com Dilma Rousseff usou dinheiro sujo para pagar a campanha vencedora. O processo está no TSE.
Enquanto isso, o governo de Temer vai ganhando tempo. Vai fazendo o que pode em relação à tão necessárias reformas — lembrando que já fez aprovar a PEC dos Gastos Públicos, atropelando a oposição nesta pauta também difícil.
Almas em conflito
É um momento delicado politicamente para Temer. A situação foi analisada pelo cientista social, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de teoria política na Universidade Estadual Paulista Marco Aurélio Nogueira, manifestado em sua rede social. Ele disse que a “alma” mais técnica do governo Temer está em atrito com sua “alma” política.
Segundo Nogueira, enquanto o governo consegue dar alguma ordem na economia, organizar melhor as contas públicas e apresentar à sociedade uma agenda de reformas importantes — fazendo isso de modo bem planejado e negociando os pontos mais problemáticos, que não são poucos —, na esfera política a movimentação governamental é um desastre só.
“A alma política está em polvorosa com a Lava Jato e o governo atua de forma açodada, movido pelo medo, criando crises tópicas e localizadas num quadro de crise ampla. Não dispõe de bons operadores em seu núcleo duro e só não enfrenta ventos mais turbulentos porque goza de ampla maioria no Congresso e as oposições estão recolhidas”, afirma Nogueira.
Ele avalia, ainda, que operações como a de Moreira Franco e Alexandre de Moraes, associadas às denúncias contra o governador Pezão e à eleição de Lobão para a CCJ (Comissão de Constituição e justiça do Senado), deixam claro que o governo parece disposto a criar o tumulto à sua volta.
Então, se em relação ao processo no TSE, Temer vai enrolando, ainda há um risco para ele, mesmo com o Congresso no bolso, como se diz popularmente. O risco para Temer é ele perder a governabilidade. Aí, o apoio maciço entre os parlamentares pode ir desmilinguindo-se aos poucos.
E onde está esse risco?
Está nas investigações da Lava Jato. Temer já perdeu um punhado de auxiliares citados nas investigações. Se a princípio ele vinha tratando o fato com certo low profile, agora percebeu que a coisa é muito séria.
E os sinais de que Michel Temer busca amaciar os efeitos da Lava Jato deixaram de ser disfarçados para tornarem-se escancarados. Um desses sinais foi dar ao peemedebista Moreira Franco foro privilegiado três dias depois de as delações da Odebrecht citarem o secretário.
Na sexta-feira, 10, a “Folha” trouxe uma interessante reportagem intitulada “Movimento de Temer e PMDB dispara alerta na Lava Jato”. No texto, é lembrado que ao ser informado do acidente que vitimou o ministro Teori Zavascki, Temer tomou a decisão de indicar seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para a vaga de décimo primeiro ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Amigo de mais de duas décadas, fiel, Moraes surgiu como o nome ideal para o Planalto em tempos de avanço da Lava Jato sobre importantes quadros do governo.
A primeira vantagem de cara: Moraes é filiado ao PSDB, então teria apoio dos tucanos e peemedebistas, que pediram a Temer uma indicação política para o cargo na corte.
Segundo o texto, na avaliação de aliados, Temer começou ali a “jogar de vez seu xadrez”. O presidente pediu discrição ao auxiliar e fez vazar informações de que procurava um técnico para a vaga do finado. Daí, nomes como o de Ives Gandra Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), aparecerem e desaparecerem rapidamente ao sabor dos ventos.
Havia um problema: Moraes não era do agrado da presidente do STF, Cármen Lúcia, que já tinha manifestado restrições a certas posições do então ministro da Justiça. Nesse ponto, uma mostra da habilidade de Temer. Com o nome de Ives Gandra em baila — de perfil ainda mais conservador —, Cármem Lúcia assentiu a Temer.
Segundo o jornal, um aliado definiu a jogada como “tacada de mestre” ao lembrar que a indicação de Moraes foi combinada à articulação da cúpula do PMDB — liderada por Renan Calheiros (AL) — que alçou um investigado na Lava Jato, Edison Lobão (MA), à presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
A CCJ, composta por 54 parlamentares, tem 10 deles investigados pela operação. É esse colegiado que sabatinará o indicado ao STF e se tornou ainda mais estratégico após a homologação das delações da Odebrecht.
Anota o jornal: “Integrantes do Ministério Público, por sua vez, afirmam em caráter reservado que a montagem da CCJ não causa preocupação por conta de Moraes, mas sim porque será dela a incumbência de sabatinar e aprovar, em setembro, o próximo procurador-geral da República”.
Neste ponto, a “Folha” registra que outro movimento observado de perto por procuradores e políticos foi quando Gilmar Mendes se levantou contra as “alongadas prisões” de Curitiba, o que foi interpretado como uma senha de que ele poderia atuar para soltar o ex–deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso desde outubro.
Membro da força-tarefa, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima rebateu Gilmar e disse que “prisões são necessárias”.
Segue uma parte do restante da reportagem da “Folha”.
Era mais um recado do núcleo da operação, que já havia voltado sua atenção para a transferência, no início de fevereiro, do ministro Edson Fachin para a segunda turma do Supremo, o que o tornou, por sorteio, o novo relator da Lava Jato no tribunal.
O Planalto comemorou.
Uma pessoa com acesso às investigações diz que, a cada movimento contra a Lava Jato, haverá reação. Nas palavras dela, “será uma guerra aberta”.
Voltando ao começo, o grande risco para Michel Temer é que ele perca a capacidade de governar. E isso inevitavelmente poderá ocorrer se ele der um golpe contra a Lava Jato. Ou se Henrique Meirelles abandonar o Ministério da Fazenda.
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