Balcão de negociatas Brasil
09 abril 2016 às 14h57
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Com a iminência do impeachment, tanto o Palácio do Planalto qanto o PMDB, por intermédio do novo presidente, Romero Jucá, adotam a estratégia de oferecer cargos a parlamentares
Os governos petistas reduziram a política nacional ao mais puro balcão de negócios – melhor seria dizer negociatas. Agora, com a iminência do impeachment de Dilma Rousseff, o escândalo foi escancarado. Os operadores do Palácio do Planalto não fazem nenhuma questão de esconder o jogo de aliciamento a parlamentares, seja liberando emendas, seja oferecendo cargos para quem não votar pelo impeachment.
O ministro Jaques Wagner (PT-BA) até procura rebater os críticos, num jogo de palavras que soa oco e sem a mínima credibilidade: “Não há compra de votos. Emendas fazem parte do orçamento impositivo. Tentam constranger a liberdade de opinião e de voto dos que veem no impeachment uma causa perdida e artificial”.
Então para “não comprar votos”, o ex-presidente Lula da Silva, na articulação do não impeachment, montou um bunker na suíte presidencial do Royal Tulip Brasília Alvorada, hotel vizinho do Palácio do Alvorada e que consta ser o mais caro de Brasília. Ele chega de jatinho (pago não se sabe por quem), desembarca dentro do hangar com portas lacradas e segue em carro blindado com vidros fumê.
Como postou o jornalista Hugo Studart (que mora em Brasília) em seu Facebook, Lula entra pela garagem do hotel e segue por um elevador privativo até a suíte. “Há guarita, túnel, outra guarita e seguranças, tudo para garantir o bem-estar de um governante. Lula não sai ao jardim, nem mesmo à varanda.”
Lula reúne-se com deputados dispostos a vender o voto e com ministros em seu apartamento ou em uma sala do hotel para conversas reservadas. O apartamento e a sala já passaram por vistorias contra grampos ambientais ou telefônicos.
O que Lula tem a oferecer são cargos em todos os escalões nos ministérios e nos Estados e dinheiro vivo. Na sexta-feira, conforme o jornalista Leandro Mazzini, da coluna Esplanada, o Palácio já teria cerca 200 votos contra o impeachment. Deputados estariam se vendendo por R$ 1 milhão em dinheiro vivo para votar pró-Dilma, e R$ 500 mil para faltar à votação. Berzoini ajuda Lula nos convencimentos. A estratégia para justificar voto perante eleitores: deputados vendidos vão fazer discurso da necessidade de novas eleições, ou seja, Dilma fica agora e depois se antecipam as eleições.
Mesma mercadoria
O interessante nesse jogo é que o PMDB, que acabou de apear da base governista, também adotou a estratégia de aliciamento. A mercadoria é a mesmo: cargos no futuro governo de Michel Temer, se o impeachment passar e o vice-presidente assumir o posto de Dilma. Nos bastidores não se diz, pelo menos por enquanto, que é oferecido papel-moeda sonante.
O operador peemedebista é o novo presidente da sigla, senador Romero Jucá (RR), que assumiu no lugar do vice-presidente da República, Michel Temer. Jucá (RR) tem as funções de porta-voz e de articulador político de uma eventual gestão do peemedebista.
O homem tem larga experiência nessa seara de negociação. Ex-líder dos governos Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, Jucá é o principal operador do grupo de Temer na busca pelos 342 votos necessários para a aprovação do pedido de impeachment da petista no plenário da Câmara.
Reportagem de “Veja” na sexta-feira, 8, conta que Jucá já negocia espaços e cargos num futuro governo Temer com partidos como PP, PR, PSD e PTB — os mesmos que são alvo das investidas do Palácio do Planalto para evitar o afastamento de Dilma.
Peemedebistas relatam que o senador usa o mesmo toma lá dá cá do governo, com uma diferença fundamental lastreada na relação custo-benefício comparativamente ao curto prazo e médio prazo: coloca aos interlocutores se querem ficar no cargo de um governo que pode cair em breve ou preferem aderir a Temer num governo que vai ficar pelos próximos dois anos e meio.
Jucá é rápido no jogo da sedução. Na quarta-feira, 6, o presidente nacional do PP, senador Ciro Nogueira (PI), anunciou que o partido seguiria com Dilma. No mesmo dia, rapidinho, Jucá se reuniu com o dirigente pepista para tentar convencê-lo do contrário.
Ato contínuo, o peemedebista se encontrou com o presidente do DEM, senador Agripino Maia (RN); o líder da legenda no Senado, Ronaldo Caiado (GO); e o da Câmara, Pauderney Avelino (AM). Deles, ouviu a cobrança por um maior protagonismo do PMDB no impeachment.
Segundo “Veja”, também é parte da estratégia de Jucá uma aproximação com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), responsável por iniciar o processo de afastamento de Dilma e hoje o maior adversário do governo petista.
Missões
A licença de Michel Temer como presidente do PMDB para a assunção de Jucá também teve como objetivo atribuir duas missões ao senador: escudo e contraponto a Lula. Explica-se: Temer precisa ser defendido dos ataques que tem sofrido de integrantes da cúpula do PT e do Planalto, desde que o partido desembarcou da base governista, no mês passado.
A segunda missão, considerada internamente como a mais relevante, é fazer o contraponto às ofensivas de Lula da Silva, que tem atuado diária e escancaradamente junto à base aliada para tentar conter o avanço do processo de afastamento de Dilma. Lula trabalha com a lista de cargos na mão, como se fosse um ministro de direito, cargo que não pôde assumir.
Obviamente, o Planalto e os ministros do PMDB que, mesmo após a decisão pelo rompimento com o governo, permanecem no cargo — como a goiana-tocantinense Kátia Abreu, da Agricultura —, estão monitorando os movimentos de Romero Jucá. O senador foi alvo de críticas em reunião entre esses peemedebistas, realizada na quinta-feira, 7, na sede do Ministério de Ciência e Tecnologia. “Jucá está ficando louco”, foi uma das avaliações, segundo relatos.
Para os peemedebistas que mantêm apoio a Dilma, o partido pode entregar até 25 votos contra o impeachment – a bancada do PMDB soma 77 deputados.
Até Collor e Maluf dão lição de moral ao governo
A situação do governo está tão lastimável do ponto de vista ético e moral que até o senador e ex-presidente da República Fernando Collor (sem partido-AL) e o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) se arvoram o direito de falar mal dele. Collor foi “impeachado” (na verdade, renunciou antes) da Presidência em 1992 e Maluf, se sair do Brasil, será preso pela Interpol por corrupção.
Maluf se disse “enojado” com a operação do governo Dilma de trocar votos contra o impeachment por cargos. Em entrevista à BBC Brasil, ele assumiu que vota a favor do afastamento de Dilma num posicionamento político. “Ela é correta e decente, mas voto pelo impeachment”, disse, acusando o presidente de seu partido, o senador Ciro Nogueira, de ter negociado apoio ao governo sem consultar os demais políticos de sua base.
Para Maluf, a negociação de cargos foi “espúria, para não dizer pornográfica” e Nogueira se comportaria de maneira “monocrática”, como um “ditadorzinho do Piauí”.
O deputado disse ainda considerar “uma vergonha nacional” o fato de seu partido ser o recordista de citações na Lava Jato, com mais de 30 investigados.
Ao ser perguntado por que votará pelo impeachment depois de defender o governo, Maluf disse que tem muito respeito pela pessoa física da presidente Dilma. “Entretanto, no processo de votação, o meu partido e seu presidente Ciro Nogueira negociaram de maneira espúria. Toda negociação de partido tem que ser feita ou pela bancada, ou pelo diretório. Não pelo presidente. O presidente negociou presidência da Caixa Econômica Federal, Ministério da Saúde, Ministério das Relações Institucionais.”
Segundo o deputado, como Ciro decidiu monocraticamente, pode parecer perante a opinião pública que ele, Maluf, fez parte desta negociata. “Só tem uma maneira de provar que não fui: votar pelo impeachment. Portanto ela (Dilma) é correta e decente, mas voto pelo impeachment.”
Sem barganha
Já o senador Fernando Collor de Mello (sem partido-AL) condenou, na quinta-feira, 7, a ação do Palácio do Planalto. Na quinta-feira, 7, reportagem do Globo contou que em palestra na Confederação Nacional da Indústria (CNI), ele disse que nem no auge da crise que lhe tirou o mandato fez esse tipo de gestão.
“No meu governo, em nenhum instante houve qualquer tipo de negociação subalterna. Em nenhum momento essa barganha foi feita. Em nenhum momento, nenhum dos meus ministros se mobilizaram no sentido de terem conversas menos republicanas com quem quer que seja. Nem com a classe política, nem com a classe empresarial. Hoje, vivemos um instante em que as coisas não caminham bem assim. Preocupa-me profundamente a situação do nosso país”, disse Collor, para um público de empresários do setor da indústria.
Collor também criticou duramente a presidente Dilma Rousseff por permitir que manifestantes defendessem, dentro do Palácio do Planalto, invasão de casas e terras caso o impeachment contra ela avance na Câmara.
“Isso é absolutamente inadmissível, chegar quem quer que seja dentro do palácio do governo para dizer, na frente da chefe do Executivo, que vai invadir gabinetes, propriedades, fazendas. E a presidente ouvir e cumprimentar quem assim se pronunciou é de extrema gravidade. Ouvir de alguém dentro do palácio dizer ‘vamos pegar e sair às ruas com armas em punho’ pregando a luta armada e conflito social é inadmissível”, enfatizou.
O senador comparou o ambiente econômico em 1992 com o momento atual, em meio às duas crises políticas. Segundo Collor, seu governo era sólido e a economia estava funcionando, diferentemente de agora. Ele criticou a formação do ministério de Dilma, ressalvando “exceções honrosas”.
“Diferentemente daquele período em que, ao deixar o governo, deixei com as contas em ordem, com a economia funcionando, com um plano econômico previsível que permitiu a implementação do Plano Real, hoje não temos essa perspectiva. Hoje, não sabemos para onde estamos indo, não temos um corpo ministerial, salvo honrosas exceções, como Armando Monteiro (Desenvolvimento, Indústria e Comércio), que as pessoas vejam como referência e como um esteio para que possamos ultrapassar essa fase difícil”, discursou Fernando Collor.
O senador, em função de sua “condição ímpar”, de ter sido submetido ao impeachment, informou aos empresários que não diria se é contra ou a favor do afastamento de Dilma.
Aprofundamento da crise assusta
A equipe econômica de Dilma Rousseff teme que se instale um quadro de quebradeira geral de empresas brasileiras, o que já começou a ocorrer, na verdade. A coluna Painel, da “Folha”, de sexta-feira, 8, publicou que uma das maiores preocupações seria a dívida das companhias nacionais no exterior, que chegaria a R$ 500 bilhões com vencimento até 2020. Num quadro de descrédito internacional do país, elas dificilmente conseguiriam renová-la. Ou fariam isso a um custo muito alto.
Também acenderam o alerta máximo as provisões de grandes instituições financeiras, como Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Caixa e Santander, que separaram R$ 148 bilhões em seus balanços para fazer frente a eventuais calotes de empresas.
E o pior é que na avaliação do governo, a crise pode se agravar com ou sem impeachment. A vitória de Dilma Rousseff não seria suficiente para devolver a ela credibilidade e liderança. Michel Temer, ao lado de companhias como o deputado Eduardo Cunha e o senador Romero Jucá, já entraria em campo com capital político em corrosão.
Com isso, a equipe econômica procura alternativas para a superação da crise. A primeira seria a abertura de linha de crédito, com recursos do compulsório dos bancos, para que as empresas recomprassem os papéis das dívidas que têm lá fora. A segunda, afrouxar regras para que os bancos renegociem as dívidas que elas têm com eles no Brasil.
Uma terceira proposta seria destravar financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que teria se tornado extremamente conservador após a Operação Lava Jato.
Lojas fechadas
A verdade é que a crise se agrava na anomia do governo, que há anos se mostra incapaz de ditar política econômica. Com isso, o consumo cai, o desemprego aumenta, a arrecadação retrai. Na semana passada, o jornal Estadão publicou reportagem mostrando que novos shoppings abertos no País têm quase metade das lojas fechadas. Em empreendimentos inaugurados nos últimos três anos, o porcentual de lojas ociosas chega a 45% — no Centro-Oeste, é de 53%, revela o estudo do Ibope Inteligência. Em centros comerciais mais antigos a taxa é de 9,1%, o dobro da média histórica. A expansão descontrolada no setor e, principalmente, a crise econômica, levaram a essa situação.
São os shoppings “fantasmas”, com praças de alimentação vazias e tapumes no lugar de vitrines — no Shopping Bougainville, em Goiânia, várias lojas foram fechadas; as vitrines “fantasmas” são enfeitadas com mercadorias de outras lojas para dar a impressão de normalidade. Se considerados todos os 498 shoppings centers em operação, o número de unidades vagas chega a 12,2 mil. Esses pontos comerciais ociosos somam área de 1,7 milhão de metros quadrados.
Levantamento do Ibope Inteligência em parceria com a Associação dos Lojistas de Shoppings (Alshop) registra que o número de lojas vagas nos shoppings brasileiros atingiu neste ano níveis recordes e já faz empreendedores reduzirem o aluguel e até deixarem de cobrar a locação para segurar o lojista. Cada loja que se fecha, obviamente, trabalhadores ficam desempregados.