Armas na Câmara diminuem Goiânia aprofundam estereótipo do roceiro incivilizado

10 maio 2025 às 21h00

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Em maio de 2022, a Câmara Municipal de Goiânia aprovou uma resolução proibindo o porte e a posse de armas nas dependências da Casa Legislativa por vereadores e servidores, com exceção dos agentes de segurança. A medida, assinada pelo presidente Romário Policarpo (PRD), foi motivada por episódios que chamaram atenção nacional, como aquele ocorrido três meses antes, quando um vereador apareceu no plenário vestido de palhaço, tirou uma arma do bolso e pediu para apanhar com um cinto.
A resolução nº 3 de 12 de maio de 2022 estabelece que caso os vereadores ou servidores (exceto em função de segurança) portem armas, podem ser aplicadas as seguintes punições: abertura de processo administrativo ou ético disciplinar; advertência; suspensão por 30 dias, sem remuneração; demissão do servidor ou perda de mandato do vereador.
A disposição, entretanto, foi sumariamente ignorada. Vereadores e servidores seguem aparecendo armados, inclusive no plenário da Câmara. Em abril deste ano, quando se discutiu novamente o porte de arma dos parlamentares durante as sessões, os vereadores fizeram questão de anunciar e exibir suas armas carregadas.
É fato que a Lei federal nº 10.826 de 2003 se sobrepõe ao regimento interno da Casa e permite o porte de armas por profissionais como os policiais. Mas, se não pela legalidade, cabe questionar pela moralidade da coisa: qual o intuito de ostentar uma arma de fogo em um lugar de solução não violenta de conflitos? Qual mensagem os vereadores passam quando seus representantes não conseguem resolver divergências de maneira harmoniosa?
Há duas alternativas para explicar a exposição das armas por figuras públicas. Pode ser que essas autoridades não queiram usar as armas, e apenas desejem mostrá-las para passar a imagem de “machonas”, talvez em busca de votos por um eleitorado que glamouriza a violência. Ou pode ser que queiram usá-las, o que seria uma tragédia.
Não seria a primeira vez: em 1991, o vereador de Goiânia Sebastião Carlos disse que pegaria em armas para evitar a aprovação de uma matéria do então prefeito Nion Albernaz. O projeto foi apresentado e Sebastião Carlos, armado e acompanhado dos vereadores Antônio Uchoa e Paulo Henrique, se trancou no plenário em 31 de dezembro. Quem tentasse entrar para votar o projeto levaria bala, anunciou ele.
A estratégia da intimidação pode funcionar por um tempo: Sebastião Carlos impediu a realização da sessão e Goiânia entrou em 1992 sem aprovar o projeto. Mas um estrategista truculento anuncia o desastre. Em 2 de abril de 2025, Sebastião Carlos foi condenado pelo homicídio duplamente qualificado (motivo fútil e impossibilitar a defesa) de seu cunhado. No processo do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Comarca de Guapó, testemunhas alegam que Sebastião, armado, ameaçou depoentes e delegados de polícia.
Na Câmara Municipal de Goiânia, o caso mais recente foi motivado por uma briga de trânsito no estacionamento. A discussão na última segunda-feira, 5, levou ao afastamento de dois servidores. O caso chamou a atenção pela distinção dos cargos dos envolvidos: o chefe de gabinete de um parlamentar e o procurador-geral da Casa de Leis.
As tensões escalaram quando as partes anunciaram estar armadas: o parlamentar foi ao plenário armado e vestindo colete à prova de balas; o procurador-geral foi escoltado em sua sala por guardas civis metropolitanos como se fossem seguranças particulares. O clima de velho oeste na sede do Legislativo diminui Goiânia, aprofunda o estereótipo do goianiense como roceiro ignorante, e reforça o preconceito daqueles que alegam que o incivilizado precisa da tutela da metrópole.
De alguma forma, o acontecimento movimentou os vereadores no sentido de defender o armamento dos parlamentares e assessores, e não o contrário. O argumento usado é a de que suas vidas correm perigo na Câmara, e a de que as armas seriam ferramentas de dissuasão para agressores. Agora, nos bastidores, a Mesa Diretora debate flexibilizar a resolução nº 3 de 2022, proibindo as armas apenas no plenário, liberando seu porte nas outras dependências da Casa.
A lógica gera uma escalada de ameaças à la Guerra Fria: se sua defesa me ameaça, há um incentivo para me proteger contra a sua proteção. O que os parlamentares esperam que aconteça? Os estrategistas truculentos já anunciam o desastre.