“A abstenção afeta sobretudo os eleitores da base da pirâmide social e econômica. Os eleitores de baixa renda e baixa escolaridade, porque o custo de ir votar, o esforço, o investimento é muito elevado. Para o analfabeto, é o custo do constrangimento de confessar o analfabetismo na mesa da seção eleitoral.” Essa foi a análise do reconhecido cientista político Antonio Lavareda, ao fim da totalização de votos do primeiro turno das eleições, realizadas no último domingo, 2 de outubro. 

Lavareda fala de pessoas escondidas atrás dos seguintes números: mo primeiro turno, a abstenção foi recorde, atingindo uma taxa de 20,95%, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O que representa pouco mais de 32,7 milhões de eleitores. Rondônia foi o estado que registrou a maior fatia de abstenções, de 24,65%, seguido do Mato Grosso, com taxa de 23,38%. Em Goiás o percentual foi de 21,7%. Nesta eleição, 156,4 milhões de brasileiros estavam aptos para votar, de acordo com TSE. Em 2018, última eleição presidencial, a taxa de abstenção ficou em 20,33% no primeiro turno, com 29,9 milhões de eleitores fora das urnas.

Lula (PT) conquistou 57.179.064 dos votos válidos, faltaram apenas 1,8 milhão para ser eleito no primeiro turno, o que poderia ter acontecido se a abstenção tivesse sido menor – se as pessoas por trás dos números tivessem realmente um acesso favorável à urna. Já Bolsonaro (PL) teve 51.052.598 dos votos válidos.  Além dos mais de 32 milhões que não votaram, do total de 156,4 milhões de eleitores aptos, cerca de 3,4 milhões anularam o voto e 1,9 milhão votaram em branco, totalizando 4,4% dos votos totais.

Estes são números – e pessoas – que tomam agora a atenção dos candidatos a presidente que vão ao segundo turno. Como a fala de Lavareda indica, a abstenção tem um perfil e tende a ampliar no segundo turno. 

A baixa renda e baixa escolaridade, são fatores de abstenção que agora se somam a mais um motivo que tira do eleitor a vontade de irem às urnas em 30 de outubro: 15 Estados já definiram seus governadores em primeiro turno. Entre eles, dois dos três maiores colégios eleitorais do país: Minas Gerais e Rio de Janeiro. Assim, tradicionalmente, a abstenção é um pouco maior no segundo turno, pois há menos mobilização de deputado, senador e governador chamando votos. Além disso, o eleitor tende a pensar: ‘não tem o meu candidato, não vou votar’.

Em 2018, o índice de abstenção no 2° turno das eleições presidenciais foi maior que no 1° turno. E foi a maior desde 1998. Nas eleições passadas, cerca de 31,3 milhões de brasileiros não votaram na segunda etapa. O número foi mais da metade dos votos totais recebidos por Bolsonaro naquele ano.

Há quem atribua o aumento da abstenção à radicalização política, mas não se pode acreditar totalmente. Em anos recentes, várias mudanças no sistema eleitoral facilitaram o exercício do voto, supostamente contribuindo para reduzir a abstenção, como o cômputo dos votos de brasileiros que vivem no exterior e de votos em trânsito, pelo menos para as eleições presidenciais. O recadastramento dos eleitores, por causa da implantação gradual da identificação digital, deve ter estimulado, em alguma medida, a transferência de títulos para os novos endereços de eleitores que mudaram de cidade. Apesar disso, a taxa de abstenção seguiu uma linha crescente.

São esses pontos que entram agora na estratégia de campanha dos candidatos, que já sabem com quem falar para comparecer à urna, ou desestimular a sua votação. Pois, historicamente é a população de baixa renda a que mais deixa de comparecer às urnas. E, por ser maioria dos brasileiros, é a população que tem maior potencial de definir o resultado das urnas.

Fato é que a taxa de abstenção é uma variável relevante, embora oculta nas pesquisas. E que o ato de votar, para além da obrigatoriedade legal, terá importância inédita no segundo turno das eleições