O universalismo de Bernardo Élis advém de seu regionalismo: soube cantar sua aldeia como ninguém, reafirmando Tolstoi

Foi aberta no último dia 19, e se estenderá até o dia 17 de dezembro, a Exposição “Retratos: o universo literário de Bernardo Élis”, no Centro Cultural Octo Marques, localizado na Rua 7 esquina com Rua 4, Centro de Goiânia.

A iniciativa é do Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis Para os Povos do Cerrado (Icebe), dentro das comemorações da “Quinzena Bernardo Élis” (15 a 30 de novembro de 2021) e conta com o patrocínio institucional da Secretaria de Estado de Cultura de Goiás (Secult-Goiás).

A Exposição, composta de 120 peças, é parte do acervo pessoal do escritor, que reúne mais de dez mil itens, mantidos pelo Icebe, sob a presidência do escritor Bento Fleury.

Contando com a curadoria do artista plástico Gilmar Camilo – coordenador da Vila Cultural Cora Coralina – e expografia de Cleandro Elias Jorge, foram selecionados alguns retratos pintados por artistas que conviveram com Bernardo Élis, como Frei Nazareno Confaloni, DJ Oliveira, Roos, Amaury Menezes, Mário Pelecim e Gomes de Souza. Diz a lenda que o imortal da ABL não apreciava o quadro de Confaloni, que “não se pareceria com ele”, mas, paradoxalmente, deixou-se fotografar diversas vezes junto à obra. Trata-se de um dos mais belos e valiosos quadros da pinacoteca.

Diversos artistas se inspiraram nos contos, romances e poesias do único goiano a ingressar na Academia Brasileira de Letras para compor seus trabalhos: Alexandre Liah (“Veranico de Janeiro”); Juca de Lima (também “Veranico de Janeiro”); Roos (“Luís Louco”); Alcione Guimarães (“Vaqueiro”); Tancredo de Araújo (“Homem Múltiplo”); Wilson Jorge (“André Louco” e Iza Costa (“Capa de Álbum de Gravuras”), só para citar alguns.

A Exposição conta também com diversos trabalhos de Maria Carmelita Fleury Curado, 89 anos, viúva e prima de Bernardo Élis, que produziu “Chegou o Governador”, “A terra e as Carabinas”; “O Menino Morto” e outros, todos baseados em romances e contos do escritor. Alguns desses quadros foram pintados em telas feitas com saco de aniagem (juta) e precisaram ser reintelados para a Exposição.

A artista plástica Helena Vasconcelos, estudou seis contos e romances para produzir uma série de sete obras que contempla parte da produção literária bernardeana: “A Enxada”, “André Louco”, “A Virgem Santíssima do Quarto de Joana”, “Moagem”, “Sua Alma, Sua Palma” e “As Lavadeiras”. O quadro “Retirantes”, não foi pintado para a ocasião mas dialoga com o conjunto, sendo por isso incluído na série.

Dentre a mais de uma dezena de filmes e documentários realizados sobre a obra e o escritor corumbaense, o Icebe selecionou dois curtas metragem e os digitalizou para a exposição.

O primeiro é o curta “André Louco”, dirigido por Rosa Berardo e filmado em película 35 mm em preto e branco, no ano de 1990. Realizado na Cidade de Goiás, é uma adaptação literária do conto homônimo de Bernardo Élis. Esse filme foi premiado no Festival de Cinema de Locarno, Suíça, exibido em Gramado, no Rio Cine Festival e no Museu da Imagem e do Som de São Paulo.

O segundo é o documentário e ficcional “Bernardo Élis Fleury de Campos Curado, Escritor”, dirigido pelo multimídia PX Silveira, em 1994. Curta metragem colorido, filmado em 35 mm, encena o funeral de Bernardo Élis – interpretado pelo próprio escritor – velado por personagens de seus contos e romances. Esses personagens são interpretados por diversos atores improvisados, dentre eles os artistas plásticos Antônio Poteiro e Omar Souto, e o escritor Brasigóis Felício, amigos do imortal.

Fato curioso relatado pelo diretor do documentário: Bernardo Élis foi convidado e prontamente aceitou participar das filmagens, sem saber, contudo, nada sobre a trama. A única orientação é que comparecesse de terno e gravata. Alheio à maratona de doze horas a que se submeteria, dentro de um caixão, fingindo-se morto, compareceu barbeado e perfumado. Após as filmagens, um aliviado Bernardo disse a PX que, soubera previamente do enredo, não teria dormido e, possivelmente, declinaria do convite.

A Exposição traz também fotografias de Nelson Santos, que atuou no “making of” de “O Tronco” (1999), longa metragem de cunho histórico dirigido por João Batista de Andrade. Baseado no romance de mesmo nome, “o Tronco” foi filmado em Pirenópolis e estrelado por Ângelo Antônio, Letícia Sabatella, Chico Diaz, Rolando Boldrin e Antônio
Fagundes, todos captados pelas lentes de Nelson Santos.

Em “Retratos…” é possível conhecer todos os livros de Bernardo Élis, desde “Ermos e Gerais” (1944), o primeiro, até “A vida são as sobras” (2000), autobiografia póstuma. Também “Primeira chuva” (1955), único livro de poemas, e a coleção “Alma de Goiás”, em cinco volumes, que condensa toda a obra do autor até 1987, quando foi publicada pela Livraria José Olímpio Editora. Também “O Tronco”, romance de 1956, e “Veranico de Janeiro”, livro de contos datado de 1966.

Documentos pessoais, manuscritos originais, fotografias pessoais e familiares, além de uma boina e a máquina de datilografia do escritor, podem ser observados na exposição. Segundo Luiz Reginaldo Fleury Curado, primo de Bernardo, ele datilografava usando apenas os dois dedos indicadores das mãos.

Dois objetos em particular chamam a atenção na sala de entrada da exposição: a espada e o fardão usado pelo escritor nas reuniões de gala da Academia Brasileira de Letras. As relíquias apresentam-se mais especiais para Goiás, por Bernardo Élis ser o único goiano a ingressar na Casa de Machado de Assis.

O universalismo de Bernardo Élis advém de seu regionalismo: soube cantar sua aldeia como ninguém, reafirmando Tolstoi. Fundamentos da vida e da obra do imortal goiano merecem ser vistos, ou revisitados, nessa exposição memorável. Entrada gratuita, com cuidados sanitários contra Covid-19.