Ao ser eleito Governador da Guanabara, em 1960, muita gente se perguntou a respeito da capacidade administrativa de Carlos Lacerda. O tribuno da imprensa, o demolidor de presidentes, era nacionalmente conhecido como um radical opositor, que faria até uma revolução para impedir que um presidente eleito tomasse posse. Seria possível uma pedra virar uma vidraça? Um político, um jornalista tão acostumado a criticar, a apontar defeitos, seria capaz de construir? Um bom opositor poderia ser um bom governante? Carlos Lacerda mostraria que sim e transformaria sua trajetória política para sempre fortalecendo seu nome para as eleições presidenciais de 1965.

Ele tomou posse no Palácio Guanabara em 1961 e se tornou o primeiro governador do novo estado, ou melhor dizendo, da cidade do Rio de Janeiro que, com a inauguração de Brasília, perdeu o status de capital federal, mas, como se fosse um “prêmio de consolação”, o Presidente Juscelino Kubitschek transformou a cidade em estado. Durante quinze anos, a Cidade Maravilhosa foi o Estado da Guanabara e Niterói, a capital do Estado do Rio de Janeiro. A missão de Lacerda não seria fácil. O seu trabalho era erguer o novo estado, era dar uma cara nova ao Rio de Janeiro. Era também a oportunidade daqueles que foram vidraças dos discursos lacerdistas se tornarem atiradores de pedras na vidraça lacerdista.

No começo dos anos 1960, Presidente norte-americano John Kennedy implantou o programa “Aliança para o Progresso”, injetando milhões de dólares nos governos alinhados com os Estados Unidos e contrários à União Soviética. Lacerda recebeu investimentos desse programa o ajudando a dar início às obras que marcariam seu governo como as vilas Progresso e Kennedy, na zona norte do Rio. O governador também fez obras que ajudaram a desafogar o já complicado trânsito carioca. No dia 22 de abril de 1964, Lacerda inaugurou o Túnel Santa Bárbara ligando os bairros das Laranjeiras ao Catumbi. Outro túnel inaugurado em sua gestão foi o Rebouças, importante ligação entre as zonas norte e sul.

Em seu “Depoimento”, uma longa entrevista que Lacerda concedeu aos jornalistas do Grupo Estadão e publicado em livro poucos meses depois de sua morte, em 1977, ele falou sobre a empolgação que sentia quando visitava os canteiros de obras e via os túneis sendo abertos, as escolas em construção. O opositor soube ser um construtor. A propósito, Carlos Lacerda precisava dessa nova imagem não apenas para convencer o eleitorado carioca de que era o candidato ideal par ser o primeiro Governador da Guanabara, mas para administrar o Rio de Janeiro ao longo dos seus cinco anos de mandato. Apesar dessa mudança em sua imagem pública, o “corvo”, o “demolidor de presidentes” ainda era recordado pelos seus inimigos e opositores.

Com a crise do Governo João Goulart em 1964 e a aproximação das eleições presidências do ano seguinte, Lacerda reforçou as inaugurações pelo Rio de Janeiro. A sua força política se consolidou na Guanabara e impôs sua candidatura à Presidência da República pela UDN. Se o ex-presidente Juscelino Kubitschek queria voltar ao Palácio do Planalto tendo como propaganda os seus “50 anos em 5”, Lacerda tinha a apresentar o que ele fez no Rio de Janeiro. O jingle da campanha já estava pronto e um dos versos dizia: “Veja só a Guanabara, na nova fisionomia, isso se faz com trabalho e não com demagogia”. Seria interessante ver o construtor de Brasília disputando voto dos brasileiros com o construtor da Guanabara. Lacerda viajou pelo país inteiro apresentando sua candidatura e criticando seus inimigos também. Ele esteve em Goiânia para participar da formatura dos alunos da turma de Direito da UFG em dezembro de 1963. O embate entre Lacerda e Kubitschek não aconteceu porque não teve eleição presidencial em 1965.

A frente do Governo da Guanabara, Carlos Lacerda mostrou que o tribuno da imprensa, o implacável opositor, o demolidor de presidentes, poderia sim ser um bom gestor, um governante realizador de obras. A experiência na Guanabara deu a Lacerda a esperança de que poderia ser Presidente da República. Mas o golpe de 1964, a revolução que ele ajudou a fazer, acabou com seu sonho de sair do Rio de Janeiro e se mudar para Brasília.