A solidão de Brasília vista da janela do Planalto
29 março 2024 às 14h45
COMPARTILHAR
Brasília, junho de 1960. Essa foto foi postada na página do Arquivo Nacional no Facebook e mostra a Praça dos Três Poderes. A nova capital federal tinha mais vazios do que construções. As largas avenidas tinham poucos carros, poucas pessoas. Dois meses antes, Brasília era inaugurada e um monte de gente compareceu à festa. Depois dos cortes das fitas, a cidade voltava à dura realidade. Oficialmente a capital do Brasil estava no Planalto Central, mas era do Rio de Janeiro que se emanava as decisões. A solidão do cerrado goiano foi quebrada pelo barulho das máquinas e dos candangos que vieram de todas as partes do país para participar da construção da nova capital federal. Agora era a solidão do poder que imperava. Os candangos se mudaram para as cidades satélites ao redor do Plano Piloto. Lá sim o barulho era intenso.
Acho que a foto foi tirada de alguma janela do Palácio do Planalto, pois logo a frente está o prédio do Supremo Tribunal Federal. O Congresso Nacional está à direita, mas não aparece no registro fotográfico. Talvez Juscelino Kubitschek tenha olhado para esta paisagem pouco depois da inauguração de Brasília. Talvez tenha se beliscado para ver se era verdade mesmo o que estava vendo. Sim, a nova capital brasileira estava bem ali a sua frente e no canto superior direto da foto aparece o monumento que os candangos construíram para homenageá-lo. Juscelino sonhava em voltar a Brasília em janeiro 1966, subir a rampa do Planalto para mais um mandato. Seriam outros “Cinquenta anos em cinco”. De volta ao poder em Brasília, com certeza ele daria o retoque final na cidade. Mas o seu sucessor estragou todo o seu projeto.
Jânio Quadros teve essa mesma visão ao longo dos sete meses que governou o Brasil. Ao contrário do otimismo do seu antecessor, a vista da Praça dos Três Poderes lhe causava tédio. Ele não aguentava aquela solidão. O que era para ser uma brisa vinda do Lago Paranoá, para Jânio, eram forças terríveis prontas para derrubá-lo. Acreditado que o povo o amava e faria de tudo por ele, renunciou ao cargo depois da festa do Dia do Soldado. O Congresso estranhou o gesto, mas aceitou. O povo tocou sua vida e não saiu às ruas pedindo a permanência de Jânio. O presidente foi embora e deixou Brasília sozinha na sua primeira crise política e militar.
No filme “O homem do Rio” de 1964 tem uma cena que retrata essa solidão brasiliense. O personagem interpretado pelo ator Jean-Paul Belmondo aparece correndo pelas avenidas empoeiradas de Brasília, fugindo dos seus perseguidores. Ele aparece também correndo na área externa do Palácio do Planalto. A cada corrida, a poeira subia pelos ares. Ao fundo, um ou outro carro circulava pelas avenidas. O documentário “Contradições de uma cidade nova” de Joaquim Pedro de Andrade, lançado em 1967, e com a bela narração do poeta Ferreira Gullar, mostra as largas avenidas de Brasília com pouco movimento.
Demoraria uma década para que Brasília se consolidasse como cidade e “cérebro das altas decisões nacionais” como dizia Juscelino Kubitschek. Demoraria um pouco para que o presidente da República olhasse pela janela do Palácio do Planalto e visse a Praça dos Três Poderes e as ruas que a cercam repleta de veículos e gente. Até lá, o resto seria o silêncio.