A trajetória de Ney Matogrosso é, sem dúvida, uma das mais fascinantes e transgressoras da música brasileira. Nascido Ney de Souza Pereira em Bela Vista, Mato Grosso do Sul, em 1941, Ney Matogrosso teve uma infância e adolescência marcadas pela rigidez e incompreensão.

Filho de militar cresceu em um ambiente austero, movendo-se por diversas cidades brasileiras. Desde cedo, Ney sentia-se diferente dos outros meninos, um sentimento que o isolava ainda mais dentro de sua própria família. Aos dezoito anos, em um ato de coragem e afirmação, assumiu sua homossexualidade e deixou o lar familiar para ingressar na aeronáutica.

A indecisão sobre sua futura profissão começou a se dissipar quando, em 1971, Ney conheceu João Ricardo, que o convidou para ser o vocalista da banda Secos & Molhados juntamente com Gérson Conrad.  

João Ricardo, Ney Matogrosso e Gérson Conrad formaram o Secos & Molhados entre 1973 e 1974 | Foto: Reprodução

O grupo lançou seu primeiro álbum em 1973, um sucesso estrondoso que vendeu mais de 700 mil cópias. As performances de Ney, com maquiagem extravagante e figurinos ousados, transformaram-no em uma figura emblemática do movimento artístico brasileiro. Canções como “Rosa de Hiroshima” e “Sangue Latino” não só se tornaram clássicos, mas também simbolizaram a resistência cultural em tempos de repressão.

Em 1975, Ney Matogrosso iniciou sua carreira solo com o álbum “Água do Céu – Pássaro”. Desde então, lançou uma série de discos que solidificaram sua posição como um dos artistas mais inovadores do Brasil.

O álbum “Bandido” (1976), com a icônica “Bandido Corazón” de Rita Lee, marcou o reconhecimento nacional de seu talento. Ney continuou a desafiar normas e expectativas com álbuns como “Feitiço” (1978) e “Bugre” (1986), sempre combinando música com uma teatralidade única.

Com um registro vocal raro, Ney possui uma tessitura que se situa entre o contralto e o “tenore bianco”, algo extremamente incomum em cantores masculinos. Sua voz potente e luminosa, mesmo aos 82 anos, continua a encantar e surpreender o público.

Além de cantor, Ney é também ator, diretor, coreógrafo e iluminador, demonstrando uma versatilidade artística que poucos conseguem alcançar. Durante a ditadura militar, foi vigiado e censurado, mas nunca se deixou intimidar.

Sobreviveu à sombra da AIDS, manteve-se firme diante das promessas de riqueza fácil do showbiz e enfrentou críticas ao seu “canto de mulher” com uma determinação inabalável. Seus shows, sempre inovadores, atraem públicos de todas as idades, perpetuando seu legado de renovação constante.

A vida desse ícone da música brasileira foi muito bem retratada na publicação: “Ney Matogrosso – A biografia”, escrita pelo o jornalista Julio Maria. A obra revela após cinco anos de pesquisa e quase duzentas entrevistas, a complexidade e a profundidade de uma das personalidades mais transformadoras do cenário cultural do país. O livro percorre a vida de Ney, desde sua infância solitária até sua consagração como ícone da música e da liberdade de expressão.

Aos 82 anos Ney Matogrosso permanece um farol de liberdade, criatividade e autenticidade, lembrando-nos constantemente que a verdadeira arte é aquela que se mantém fiel a si mesma independente das circunstâncias.

Ouviremos Ney Matogrosso interpretando, de Sérgio Sampaio,  “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua”.  Esse vídeo pertence ao álbum “Bloco Na Rua” de Ney Matogrosso.

Observe o canto afinado e a dança onde o corpo e voz de Ney Matogrosso são a expressão de sua alma.