Tido como hippie e esotérico, Néstor Sánchez escreveu literatura sofisticada mas não pomposa

30 agosto 2014 às 09h04

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“É um escritor em estado de deriva, que só tem sentido e encontra sentido no movimento e descobrimento de uma nova paisagem, um novo instante, uma nova experiência”
A tendência é que, a médio ou longo prazo, o argentino Néstor Sánchez se torne um escritor de culto, ao estilo, quem sabe, dos autores da literatura beat. Como Jack Kerouac, o autor de “Siberia Blues” pôs o pé na estrada. Ariel Schettini, poeta, professor e autor do ensaio “El Tesoro de la Lengua”, publicou um artigo, “Metáforas del teclado” (“Clarín”, edição de 12 de julho deste ano), no qual comenta a literatura do escritor que, embora ligado ao boom latino-americano, tinha uma sensação de não-pertencimento.
A obra de Néstor Sánchez “é pequena e fundamental”, diz Schettini. “Como Joseph Conrad, Rimbaud e de todos [será?] os norte-americanos, se trata de um escritor em estado de deriva, que só tem sentido e encontra sentido no movimento e descobrimento de uma nova paisagem, um novo instante, uma nova experiência. Em seu caso trata-se sobretudo de uma experiência musical. Os livros de Néstor Sánchez são incompreensíveis se não são pensados como uma composição musical. […] Na estrutura do que escreve há uma peça musical com seus tons, melodias, fugas e sua férrea estrutura harmônica”. O escritor amava jazz e música barroca.
“Solos de Remington”, recém-lançado na Argentina, “reúne todos os relatos breve de Sánchez, desde seu primeiro livro de relatos, ‘Escuchando a Tu Hijo’, de 1963, alguns relatos breves dispersos e um último texto inédito” — que escreveu pouco antes de morrer e, apesar de legível, inconcluso.

“Como poucos escritores argentinos, Sánchez foi um grande teórico da literatura. Seus textos põem em prática a teoria literária que produziu, a que foi muito fiel e que não se compreende sem o diálogo com sua própria ficção. Desde a influência da obra de Cesare Pavese, sobre quem escreveu páginas fundamentais, até a ética do escritor que deve colocar-se além dos gêneros literários e das classificações superficiais, como a da prosa versus a poesia, até a relação entre o escritor e seu material, as palavras (….), tudo foi material de reflexão séria, concentrada e, às vezes, esotérica”, escreve Schettini.
Na maioria dos relatos de Néstor Sánchez o narrador é também personagem. “Seu primeiro romance, ‘Nosotros Dos’ — o mais importante de sua obra —, é uma memória de uma relação contada em primeira pessoa (às vezes do singular, às vezes do plural), em que se recorda e se explica uma relação amorosa, enquanto se elabora a construção dessa memória”, escreve o crítico Schettini. “A obra de Sánchez narra sempre um estado de decomposição no sentido mais estrito da palavra. Relações truncadas, mundos distantes e memórias fragmentárias.”
Néstor Sánchez às vezes é visto como um escritor “hippie” ou “excêntrico”. De fato, ele viveu em Buenos Aires, nos últimos anos, “entre a mendicância e a loucura”, mas, segundo os críticos, como Emir Rodríguez Monegal, sua literatura nada tem de “hippie” ou “superficial”. É refinada, elaborada, mas nada pomposa.
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