Os comunistas assumiram o controle da revolução e patrocinaram a demolição do Estado e implantaram o terror

O historiador americano Stanley George Payne é um hispanista notável. Aos 84 anos, o incansável professor emérito da Universidade do Wisconsin-Madison, lança na Espanha “La Revolución Española (1936-1939) — Un Estudio Sobre la Singularidad de la Guerra Civil” (Espasa, 392 páginas). O livro é tido como “polêmico” e o pesquisador concedeu entrevistas aos jornais “Abc” (“Stanley Payne: ‘Es mentira que la República fuera democrática hasta el final’”) e “El Mundo” (“Stanley G. Payne: ‘La justicia histórica es imposible de lograr’”), ambos de Madri. A primeira feita por César Cervera e a segunda por David Lema.

César Cervera sublinha que “a esquerda atual segue defendendo a República até o final…”. Stanley Payne não fica em cima do muro: “É totalmente mentira que tenha sido democrática e legalista até o final”. O mito “forma parte da propaganda republicana da Guerra Civil. Apesar da revolução que estava em marcha na zona republicana, os líderes sabiam que era necessário esconder e disfarçar a explosão operária no exterior, pois sem o simulacro de democracia não se podia pedir apoio aos países que eram contrários a queimar igrejas e à coletivização das terras. Tal propaganda se mantém como o mito político mais resistente da esquerda atual. O único da primeira metade do século 20 na Europa e no mundo que se mantém intacto”. O pesquisador observa que as democracias europeias não “abandonaram” os republicanos espanhóis. Na verdade, não apoiavam as atrocidades da esquerda, notadamente dos comunistas controlados por Moscou.

“Abc” inquire: “Por que a esquerda radical decidiu dinamitar a República?” Stanley Payne postula que, “em duas décadas, a Espanha havia passado por um processo de modernização acelerada”. Alexis de Tocqueville disse, na citação do hispanista, “que as grandes revoluções eclodem não quando as situações são ruins e as pessoas estão mais empobrecidas, e sim quando as condições estão melhorando e há expectativa de que vai melhorar” ainda mais. Era o que estava acontecendo na Espanha na década de 1930.  “Então surgiram grupos que desejavam uma verdadeira revolução e que, como no caso da esquerda espanhola, se sentiam decepcionados com as regras democráticas. O fracasso revolucionário de 1934 e a ascensão da Frente Popular ao poder geraram mais e mais pressões até que, finalmente, explodiu a situação revolucionária com o pretexto de que estava acontecendo uma sublevação militar”.

Esquerda destruiu o Estado de Direito

O repórter do “Abc” indaga: “Até quando a democracia sobreviveu à revolução?” Stanley Payne não poupa críticas: “A revolução destruiu por completo o Estado de Direito nos primeiros meses da guerra. Durante o governo de [Juan] Negrín [o primeiro-ministro] houve uma tentativa tímida de fazer algo que, ainda que não fosse democrático, ao menos restaurava alguma legalidade. Não teve muito êxito: o Estado de Direito foi substituído por um Estado de violência”.

Stanley Payne: um dos principais historiadores da Guerra Civil Espanhola | Foto: Reprodução

Com a esquerda radical ocupando espaço, o que fazia a esquerda moderada? Para Stanley Payne, “a esquerda moderada, em certo sentido, é a chave da situação. [Manuel] Azaña e companhia intuíam que a esquerda moderada não tinha votos suficientes e que deviam aproximar-se do eleitorado e dos líderes socialistas, apesar de seu comportamento revolucionário. Não obstante, Azaña e outros líderes moderados acreditavam que podiam controlar a situação e usar os revolucionários. Ao final ocorreu justamente o contrário, os revolucionários entregaram armas aos sindicatos e dominaram os moderados durante a primeira fase da Guerra Civil”. Azaña, que parecia não entender a questão da luta pela hegemonia — os comunistas são mestres neste campo —, ficou a ver navios. Queria “usar” e acabou “usado” pela esquerda stalinista. A David Lema, Stanley Payne propõe uma tese com a qual nem todos estão de acordo: “Azaña como grande democrata é um dos grandes mitos da história política espanhola. Foi mais moderado na primeira etapa, mas, ao mudar o modelo de seu partido, radicalizando-o, ele também mudou”.

“Abc” registra que, quando entrou na guerra, Francisco Franco gritava “Viva a Espanha! e viva a República!”. De repente, mudou o foco e, no poder, se tornou ditador. “Em que momento, Franco decidiu impor uma ditadura?”, questiona César Cervera. Stanley Payne diz que não é possível saber. Emilio Mola queria, inicialmente, uma República conservadora mas sem radicalização. “Franco aceitava, mais ou menos, o plano de Mola. Porém, ante a perspectiva de uma guerra civil revolucionária — com radicalização crescente —, mudou de opinião. Franco impôs um mando único, com o cargo de generalíssimo e um diretório pessoal. Sobre quando e como se formou exatamente essa ideia não se sabe. É um dos mistérios da guerra.” Na entrevista ao jornal “El Mundo”, o historiador acrescenta: “A ditadura, algo inesperado, foi fruto do oportunismo de Franco e dos franquistas”.

Manuel Azaña tentou usar os comunistas e acabou sob o controle do stalinismo | Foto: Reprodução

O repórter do “Abc” quer saber se uma “comissão da verdade” ajudaria a dirimir as controvérsias sobre a Guerra Civil Espanhola. A resposta de Stanley Payne: “Não. A ideia é ridícula e absurda. O único país em isso funcionou muito bem foi a África do Sul, porque foi posta em marcha logo depois do fim do Apartheid, quando todo mundo estava vivo e se buscava a reconciliação. Na Espanha atual o que se quer é castigar. O objetivo é manipular a história. O único aspecto que me parece genuíno e operacional da Lei de Memória Histórica é o de exumar restos mortais dos assassinados”. Eles “merecem ser enterrados com a devida dignidade e reconhecimento. Já a história deve ficar nas mãos dos historiadores e não dos que querem utilizá-la como uma arma política”.

Resposta dada a David Lema sobre o mesmo assunto: “Não estou de acordo com ninguém que busque mudar a história por motivos políticos. É um grande erro”. Por que a esquerda quer “atropelar” o passado e se tornar sua “dona”? “Creio que é a tendência geral da ideologia de esquerda do século 21. As velhas ideologias das esquerdas — o socialismo, o comunismo — já não são válidas. Por isso surgem outras — baseadas na correção política, no vitimismo, na chamada justiça social, que quase sempre é manipulação, porque a justiça verdadeira é a que ocorre nos tribunais”.

Stanley Payne afirma que “a justiça histórica é provavelmente uma impossibilidade. A justiça histórica, ainda que seja uma ideia muito bonita em termos abstratos, é impossível de se conquistar na prática. A única coisa que funciona bem é a compreensão da verdade histórica e, em termos da História, o perdão para todos”.

O ditador Adolf Hitler, da Alemanha, com o ditador Francisco Franco, da Espanha | Foto: Reprodução

O repórter de “El Mundo” pergunta: “Qual foi o ponto fraco da República?” Stanley Payne replica: “As mudanças sectárias foram suas principais debilidades”. O historiador sugere que, ao desviar seus esforços militares da guerra para combater, por exemplo, a Igreja — o que afastou e assustou parte da população, a esquerda cometeu um erro tático-estratégico. No lugar de se concentrar na guerra, que poderia vencer, a esquerda começou a operar a revolução nos planos econômico e social. “Foi seu pior erro”, destaca o scholar americano. “A Igreja [Católica] era companheira de jornada da direita, mas não tinha nada a ver com a sublevação militar [de Franco e aliados]. A onda de perseguições levou-a a compor com os sublevados.”

As editoras brasileiras precisam “descobrir” os livros de Stanley Payne sobre a Guerra Civil Espanhola e o fascismo.

Livros sobre a Guerra Civil Espanhola em português

1 — “Guerra Civil Espanhola” (L&PM, 195 páginas, tradução de Vera Pereira), de Helen Graham, é uma síntese de qualidade. Ao final, há um guia bibliográfico.

2 — “A Batalha Pela Espanha — A Guerra Civil Espanhola: 1936-1939” (Record,  711 páginas, tradução de Maria Beatriz de Medina), de Antony Beevor, é um dos mais notáveis sobre a luta que matou mais de 500 mil pessoas. Em português, é a obra mais completa sobre a luta cruenta.

3 — “A Solidariedade Antifascista — Brasileiros na Guerra Civil Espanhola” (Edusp, 237 páginas), de Thaís Battibugli. Vários esquerdistas patropis lutaram na Espanha. Um deles, Alberto Besouchet, apontado como “trotskista”, foi assassinado por stalinistas. Apolonio de Carvalho participou tanto da Guerra Civil Espanhola quanto da Resistência francesa com o nazismo do ditador Adolf Hitler.

4 — “Lutando na Espanha” e “Recordando a Guerra Civil” (Globo, 269 páginas, tradução de Affonso Blacheyre), de George Orwell, é um dos livros cruciais sobre a batalha. O jornalista e escritor inglês participou da batalha e acabou ferido.