A ditadura caribenha não tem dólares e euros suficientes para comprar produtos, mas culpa os Estados Unidos

O mercado é implacável: se um país não tem dólares, ou euros, nada pode comprar. Uma nação em ruínas há vários anos, sobretudo depois do fim da União Soviética, Cuba, se tivesse dinheiro farto, poderia comprar o que quisesse no mercado internacional. O problema é que não tem. O embargo econômico do Estados Unidos é útil porque o governo cubano pode retirar a responsabilidade de si e transferi-la para os americanos. Mas a verdade é uma só: Cuba não tem grana para comprar alimentos e bens de consumo para sua população. Paciente que não sai da UTI — primeiro da soviética e agora da venezuelana —, Cuba produz charutos, rum e açúcar (hoje, menos do que em 1959). São produtos “importantes”, por certo, mas não tornam a terra de Lezama Lima, Alejo Carpentier e Guillermo Cabrera Infante (depois do desaparecimento da dinastia dos Castros, os três, ao lado dos cantores e músicos, como Omara Portuondo e Ibrahim Ferrer e Rubén González e Bebo Valdés, vão manter Cuba no mapa transnacional) competitiva num mundo cada vez mais tecnológico. Em termos de tecnologia, o país ainda não chegou ao período da pedra lascada. Turistas com Iphones são admiradíssimos em Cuba (são vistos como se fossem extreterrestres). Não há celulares fabricados em Cuba. Porque a indústria do país está na idade da pedra polida.

A esquerda brasileira, que não quer conhecer a vida real dos cubanos — o sonho de grande parte é mudar-se para a Flórida, que fica a 90 quilômetros (consta que Miami é o maior bairro de Cuba) —, o sofrimento diário de todos (menos da Nomenklatura), não para de citar a questão do embargo econômico. Nos seus artigos, não há uma referência ao fato de que Cuba não tem dólares e euros suficientes para transacionar, em larga escalar, no mercado internacional.

Redução de páginas dos jornais “oficiais”

Na quinta-feira, 4, o governo cubano anunciou a redução de páginas e a mudança da periodicidade de seus jornais, mais uma vez culpando as sanções econômicas do governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Por que o Irã, independentemente de sanções econômicas, vive melhor do que Cuba? Simples: porque tem dinheiro — proveniente do petróleo. Se tivesse dinheiro farto, Cuba seria capaz de comprar alimentos de vários países, pública ou secretamente. Como não tem dinheiro e não pode adquirir mercadorias que interessam aos cubanos, o governo culpa os Estados Unidos. Liberado o embargo — leniente sob Barack Obama —, a situação ficaria delicada para a ditadura cubana, porque a crise continuaria. Hoje, o turismo local e os dólares enviados por cubanos que moram nos Estados Unidos bancam largamente o país.

Quanto aos jornais, cubanos dizem mais ou menos assim para os turistas (não para os de esquerda, estes preferem a França, a Inglaterra e, claro, os Estados Unidos): “Nós lemos os jornais de Cuba pelo método inverso. Tudo o que dizem de Cuba e dos países ‘inimigos’ é pura ideologia, não é informação. É tão evidente que todos percebem que se trata de um jornalismo de fake news oficiais”. O Partido Comunista Cubano determina o que deve e o que não deve ser publicado. O que se faz é propaganda — não é jornalismo.

“Em razão de dificuldades com a disponibilidade de papel-jornal, as edições do jornal ‘Granma’ das quartas e sextas-feiras, assim como dos semanários ‘Granma Internacional’, ‘Trabajadores’ e ‘Orbe y Opciones’, serão reduzidas de 16 para 8 páginas a partir de amanhã [quinta-feira, 4]”, comunicou o governo de Cuba. O “Juventud Rebelde” (que nada tem de rebelde, pois é absolutamente “integrado”) continuará circulando aos domingos, mas não aos sábados. O mesmo aconteceu em 1991, com o fim da União Soviética. Quer dizer, Cuba é sempre mantida a partir do exterior. Agora, com Nicolás Maduro, o financiamento é da Venezuela. Mas, com a crise do país, Cuba pode soçobrar, exceto se voltar ao “domínio” da Rússia de Vladimir Putin.

O governo admitiu, na semana passada, o que os cubanos denunciam, de maneira cada vez mais ousada, e os turistas veem: o desabastecimento é uma realidade permanente. A explicação do governo cubano não é diferente do que George Orwell sugeriu como duplipensar: “Produções importantes para a economia não foram atendidas”. Parece dizer alguma coisa, mas não diz nada. Na verdade, falta a Cuba dinheiro para comprar o que sobra no mercado exterior. Só isso. Um acréscimo necessário: muito do que se consome em Cuba é produzido nos Estados Unidos. Inclusive medicamentos (enviados por parentes ou contrabandeados).

Retomando a história da imprensa: como não há boas notícias — exceto se forem das democracias — e não se pode publicar más notícias, exceto se foram contra os Estados Unidos e outros “inimigos”, por que jornais? Em Cuba, sobre a dinastia Castro — que continua mandando, via um preposto, que chega a ser vaiado (o que é bom para Raúl Castro e família, que não aceitam vaias para si) —, a imprensa é o sorriso do poder e a cárie da sociedade.

Dois livros podem ajudar a entender a terra de José Martí e Fidel Castro: “Cuba — Uma Nova História” (Jorge Zahar Editor, 427 páginas, tradução de Renato Aguiar), do historiador Richard Gott, e “A Ilha do Doutor Castro  A Transição Confiscada” (Peixoto Neto, 318 páginas, tradução de Paulo Neves), dos jornalistas Corinne Cumerlato e Denis Rousseau.

“A indústria do turismo, que é agora a principal fonte geradora de divisas da ilha, já havia superado o açúcar em 1995”, assinala Gott. “Os barbudos de Sierra Maestra acreditavam ter fechado o ‘bordel dos Estados Unidos’. Quarenta anos mais tarde, os clientes não são norte-americanos; eles vêm de todos os países da Europa a fim de sentir um pouco de volúpia nesse Éden socialista que possui os três ‘S’ famosos que movem os turistas: ‘sable’, ‘sexe’ et ‘soleil’ [areia, sexo e sol]”, anotam Cumerlato e Rousseau.