Repórter do Guardian aposta que Edward Snowden se tornou prisioneiro do governo de Vladimir Putin
16 abril 2014 às 14h16
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Escapando dos longos e, às vezes, mortais tentáculos dos americanos e dos ingleses, Edward Joseph Snowden está na Rússia — “exilado”, para alguns, “prisioneiro”, para outros. No livro “Os Arquivos Snowden — A História Secreta do Homem Mais Procurado do Mundo” (Leya, 279 páginas, tradução de Bruno Correia e Alice Klesck), Luke Harding, repórter do “The Guardian”, tenta explicar como o ex-funcionário da CIA e da NSA, agências de espionagem dos Estados Unidos, deixou Hong Kong e chegou ao país presidido por Vladimir Putin, ex-chefão da KGB, agora FSB.
Julian Assange, editor-chefe do WikiLeaks — Harding tem uma certa má vontade com o australiano topetudo —, entra no jogo quando se trata da fuga de Snowden. “Snowden havia considerado vazar seus arquivos da NSA para Assange”, mas optou, por uma questão de segurança, pelo “Guardian”. O chefe do WikiLeaks está sob vigília permanente tanto da espionagem dos Estados Unidos quanto da inglesa. A serviço de Assange, Sarah Harrison foi despachada para Hong Kong, com “com documentos de salvo-conduto válidos para o Equador”. Snowden preferia a Islândia, mas o Equador parecia mais seguro. “De quem teria sido a ideia para que Snowden fosse para Moscou? Essa é a pergunta de 1 milhão de rublos”, diz Harding. Depois, assinala que “o itinerário de Snowden parece ter o dedo de Assange”. Este “alegou crédito pessoal por toda a operação de resgate. Disse que o WikiLeaks tinha pago pela passagem aérea de Snowden. Que, durante sua estadia em Hong Kong, a organização provera consultoria legal a Snowden”. Não fica claro o motivo da irritação de Harding com Assange. Talvez a arrogância deste seja a causa da implicância.
O líder do WikiLeaks trabalha para o programa “Rússia Today”. Harding sugere que “a missão do canal”, de Putin, “é acusar o Ocidente de hipocrisia, enquanto se mantém mudo quanto às falhas russas”. Acompanhado de Harrison, Snowden deixou Hong Kong em 23 de junho de 2013, num voo da Aeroflot, com destino a Moscou. Os Estados Unidos tentaram evitar a fuga, mas as autoridades de Hong Kong liberaram Snowden. A China, por intermédio do noticiário Xinhua, atacou: “Os Estados Unidos, que há tanto tempo vêm tentando se fazer de inocentes e vítimas de ataques cibernéticos, acabaram sendo o maior vilão da nossa era”.
Ao chegar a Moscou, Snowden ficou retido inicialmente no aeroporto, vigiado pelo Serviço Federal de Segurança (FSB). Snowden “era um presente” para Putin, na visão de Harding. “Apresentava a oportunidade perfeita para que o Kremlin enfatizasse o que Washington interpretava como critérios duplos quando se tratava de direitos humanos, bisbilhotagem do Estado e extradição.”
O presidente Barack Obama implorou à Rússia que lhe entregasse Snowden. Putin rejeitou, alegando que “não havia qualquer acordo bilateral com os EUA”, registra Harding. Avaliando que Snowden poderia sair da Rússia, o governo americano pressionou alguns países. O presidente do Equador, Rafael Correa, revogou o salvo-conduto que havia sido concedido a Snowden em Hong Kong.
Na Rússia, Snowden partiu para o ataque, revelando que, quando trabalhava para a NSA, “tinha a possibilidade de captar e ler” as comunicações das pessoas, “sem qualquer autorização da lei”. O americano revelou que a NSA captava e lia comunicações de milhões de indivíduos, autoridades ou não, em qualquer lugar do mundo. “As comunicações de qualquer pessoa, a qualquer hora. Isso é o poder de mudar o destino das pessoas”, acrescentou. Indicou que a Justiça americana servia aos serviços de espionagem, quando obrigava empresas, como Google, Facebook, Apple, a fornecerem informações de seus usuários.
Snowden, ao contrário do inglês Kim Philby, não é um traidor, pois não havia, ao menos inicialmente, entregue documentos para potências adversárias. Ele havia repassado documentos para o “Guardian”, que os publicou de maneira escrupulosa, para não prejudicar os Estados Unidos e a Inglaterra. Porém, “para ter proteção e apoio” — corre risco de vida —, se tornou “dependente do Kremlin e de suas nebulosas agências de espionagem”. Putin está usando Snowden “para constranger Washington, adversário de Moscou até hoje”. Seus protetores são agentes da FSB.
Snowden garante que não deu informações ao governo de Putin. “Eu nunca dei nenhuma informação a qualquer governo e eles nunca tiraram nada dos meus laptops”, garante o americano intranquilo. Numa carta para o ex-senador Gordon Humphrey, o delator disse: “Eu não forneci qualquer informação que pudesse prejudicar nosso povo — sejam agentes ou não — e não tenho intenção de fazê-lo”.
Espionagem comunista
Putin e a FSB protegem Snowden e atacam os Estados Unidos, o “mal” do ponto de vista dos russos. Mas o que Putin faz na Rússia não é diferente do que faz o país dirigido por Obama. “O sistema russo de interceptação nacional remota é denominado Sorm. O Sorm-2 intercepta o tráfego de internet e o Sorm-3 coleta dados de todas as comunicações, incluindo conteúdos e gravações, e os mantêm armazenados por longo prazo”, relata Harding. Na terra do novo czar não há nenhum mecanismo de supervisão. “Na Rússia, os agentes da FSB também precisavam [como nos Estados Unidos] de uma ordem judicial para interceptar as comunicações de um alvo.” Porém, “uma vez que a possuíam, não precisavam mostrar o mandado a ninguém. Os provedores de telecomunicações não eram informados. (…) A agência de espionagem liga para um controlador especial, na sede da FSB, que está conectado a um cabo protegido, ligado diretamente ao dispositivo da Sorm, instalado em sua rede ISP. Esse sistema é captado por todo o país: em cada cidade russa há cabeamento subterrâneo protegido que conecta o departamento local da FSB a todos os provedores da região. O resultado é que a FSB pode interceptar o tráfego de e-mail de ativistas de oposição e de outros ‘inimigos’, sem supervisão”, denuncia Harding.
Depois de 39 dias no aeroporto, em 1º de agosto de 2013, Snowden deixou o aeroporto de Moscou. O governo russo concedeu-lhe asilo temporário. Harding acredita que tenha se tornado “prisioneiro da FSB”.