Rachel Sheherazade, o silêncio que incomoda

22 abril 2014 às 15h47
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Não há como nem disfarçar o caráter político do ¨cala-boca¨ à jornalista Rachel Sheherazade. Não há como. Rachel foi calada pela nova norma do jornalismo do SBT, que simplesmente optou por acabar com os comentários em seu telejornal. Foi a melhor decisão diante do caos que representa esse “cala-boca”. As alternativas eram a demissão da profissional ou o enquadramento – leia-se censura direta – de seus comentários. O SBT entregou os dedos e os anéis, mas preservou minimamente a dignidade.
Uma deputada do PCdoB carioca foi autora de uma denúncia contra Rachel na esteira de reação censora incentivada nas redes sociais. Num dos primeiros casos de espancamento de marginais registrados no Brasil recentemente, Rachel disse ¨compreender¨ o ato coletivo de cidadãos comuns, que bateram no marginal e o amarraram num poste até a chegada da polícia. Rachel não disse em nenhum momento que a população estava certa ao fazer o que fez. Disse apenas que compreendia o momento de ira. No final do comentário, como era/é seu estilo, provocou: ¨tá com pena (do marginal agredido), leve para sua casa¨. Um comentário absolutamente claro e transparente: ela compreendia a razão de um grupo de populares ter reagido violentamente contra o marginal e não tinha nenhuma pena dele.
Foi isso que matou a liberdade de opinar no jornalismo do SBT? Claro que não. Rachel foi acusada e condenada por grupos por suas opiniões a respeito do governo e da política. Não teve qualquer relação com a bandidagem. Muito mais dramático que a compreensão de Rachel e de sua falta de falsa compaixão pelo marginal são os comentários diretos de apresentadores de programas policiais nas TVs de todos os quadrantes da nação. Para ficar em um só exemplo que vale para o Brasil inteiro, Rachel jamais foi tão ousada quanto José Luiz Datena em sua ojeriza contra a marginalidade e os marginais que infestam a realidade brasileira.
O problema de Rachel e de seus comentários é outro. Vai numa outra linha. O que realmente desencadeou a reação contra ela tanto nas redes sociais como pela deputada federal do PCdoB foram os comentários até sarcásticos contra os desmandos e equívocos do governo federal.
Cabe a pergunta: conseguiria ela dizer o que já disse contra o governo e governantes se o Brasil ainda estivesse sob o regime ditatorial de 64? Certamente, não. Pois a partir de agora, em plena democracia, ela também não poderá falar. A diferença entre as duas épocas é o pau-de-arara. O silêncio é mesmo.
Direitos humanos? Não. O problema foram os direitos políticos.
Rachel foi, sim, calada por se manifestar contra o governo.
Se há alguma dúvida quanto a isso, que se faça uma comparação entre ela e seus comentários a respeito do marginal agredido e um outro jornalista, também da TV e dono de um blog na internet, que foi acusado de racismo contra um colega de profissão, e condenado pela Justiça. Acusada por populares e pela deputada, Rachel foi calada. O racista condenado pela Justiça continua com seu blog e apresentando faturas mensalmente contra estatais do governo federal. Ela era/é a ácida crítica ao governo, ele é da tropa de ataque a oposicionistas e um bunker da defesa governista.
PS – é óbvio, mas ainda assim julgo necessário ressaltar, que neste site, afonsolopes.com, há ¨uma visão dos fatos¨. Não é a visão definitiva, nem a pretensiosamente mais inteligente. E nem se invoca aqui a desgastada – por mau uso – tese da ¨liberdade de expressão¨. Melhor do que essa tal liberdade para expressar a forma como se pensa é semear a pluralidade das ideias. Sem que nenhuma ¨visão/voz¨ tenha que ser calada. O silêncio sempre incomoda. (publicado no site www.afonsolopes.com/category/blog)