Propaganda bolsonarista de concessionárias no jornal: valeu a pena ao “Pop”?

23 outubro 2022 às 00h00

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Quem comprou a edição de sexta-feira, 21, do jornal O Popular teve acesso a uma promoção no mínimo inusitada. No máximo, uma ilegalidade em tempos de acirrada disputa eleitoral.
Sob o título “Promoção 22”, as concessionárias de veículos Ford Navesa e Ciaasa ocuparam inteiramente a página 5 do jornal para promover, a título de anúncio publicitário, a candidatura de Jair Bolsonaro à reeleição. O número 22 é o do Partido Liberal (PL), utilizado pelo presidente na sucessão.
Se fosse apenas o título, talvez poderia se aludir sobre a coincidência com a data em que os clientes deveriam procurar as lojas – o sábado, 22 de outubro. Para dissipar qualquer dúvida sobre a real intenção, o anunciante alardeou “22 Rangers com oportunidade única”, 11 unidades de um modelo (XLS) e 11 de outro (Ranger Black). Para esta última – “diesel automática completa” – o preço era bem sintomático: R$ 222.222,22, à vista.
O cuidado ficou até mesmo em publicar o prazo de validade da promoção: até as “2h22 da tarde” de sábado. A peça foi desenvolvida pela agência DMW Propaganda, da capital goiana, e não se pode negar que seja criativa e também chamativa, a ponto de estar ensejando um texto de opinião.
Da parte das empresas anunciantes, há um risco calculado – e talvez bem calculado: Goiás é um Estado de bolsonaristas, na maioria, como revelaram as urnas do dia 2. Quem pode comprar uma Ford Ranger “diesel automática completa” à vista são as classes alta e média alta, compostas por fazendeiros, industriais, empresários e profissionais liberais bem sucedidos – um público-alvo que em terras goianas deve dar, jogando por baixo, três votos em cada quatro para Bolsonaro.
Do lado do Grupo Jaime Câmara, proprietário do Pop, é que fica a questão: será que valeu a pena o valor recebido pelo anúncio? “Pegou bem” entre seus leitores? É importante lembrar que o público alcançado pelo jornal não o mesmo do anunciante de picapes: há, entre os assinantes (lembrando sempre que mantê-los, nos tempos atuais, é sempre grande desafio) muitos professores, comunicadores e servidores públicos que podem não ver com bons olhos essa forma de encher o caixa que a empresa adotou, em meio a uma disputa de votos tão ferrenha. Porque, sim, fica parecendo – ainda que não seja o caso – que o veículo de informação tomou um lado dessa disputa. Aqui entra o “princípio da mulher de César”, que, segundo o provérbio romano, não bastaria ser honesta: precisaria parecer honesta.
Há também o componente legal da história. A divulgação de uma propaganda eleitoral travestida de publicidade não ensejaria crime eleitoral? A resposta é sim, segundo o presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB-SP), Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior. Em entrevista ao portal UOL sobre o caso ele foi bem claro: “A venda de caminhonetes tem como público alvo principalmente o agro, que é um dos principais pontos de apoio do governo Bolsonaro. Quando se faz uma promoção como essa, para esse público, com esse preço, não há como disfarçar a mensagem subliminar de fazer uma propaganda eleitoral.”
Pela repercussão que teve nas redes sociais, provavelmente haverá desdobramentos na seara eleitoral. Resta saber, ao GJC, se o custo da imagem ficou compatível ao embolso.