Produção de fake news é crime, é banditismo e fere a liberdade de expressão

31 maio 2020 às 00h01

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O TCU acerta a mão ao brecar financiamento de blogs alinhados ideologicamente a Bolsonaro e que não têm função e responsabilidade sociais
O Brasil discute, de maneira acirrada, duas questões — uma menos, a outra mais: o financiamento de sites “amigos” da família e do governo do presidente Jair Bolsonaro e a questão das fake news.
Comecemos pelo financiamento dos sites amigos. Provando que esquerda e direita são hermanas — Caim e Abel —, o governo de Bolsonaro imita os governos do PT e financia aliados que têm “jornais”, “sites” e “blogs” na internet. Falar bem do governo e mal dos adversários, sobretudo de maneira ideológica — pela cartilha do filósofo Olavo de Carvalho, o guru dos filhos do presidente —, é garantia de obter anúncios do governo federal.
Depois de uma denúncia, o Banco do Brasil decidiu brecar os anúncios — de avô para neto, pois nem é preciso indicar audiência comprovada por instituição respeitada —, mas Carlos Bolsonaro, o filho mais ideológico e o mais ligado a Olavo de Carvalho, pressionou e os anúncios voltaram. Mas o Tribunal de Contas da União (TCU) conseguiu vetá-los.
Não há problema, por certo. Tais sites brevemente devem conquistar anúncios de empresários “amigos” da família Bolsonaro. Caso de Luciano Hang, o dono da Havan, que, aliado de um político nacionalista, Bolsonaro, mantém na porta de suas lojas um simulacro da estátua da liberdade, dos Estados Unidos. Caipirice total, mas ele acha “divino”.
Desconcentrar a publicidade do governo federal, que seria uma medida democratizante, o governo de Bolsonaro não ousa fazer. A política de beneficiar “amigos” não funciona. Até porque tais aliados, no geral, fazem um “jornalismo” de baixa qualidade. Se é que se pode chamar de jornalismo.
A rede de fake news e o bolsonarismo
O Supremo Tribunal Federal decidiu saber o que é realmente a rede de fake news com o objetivo de penalizar seus dirigentes e financiadores. São pessoas ligadas, política e ideologicamente, ao presidente Jair Bolsonaro e ao menos a um dos filhos do presidente. Há algumas questões a discutir.
É preciso definir com cuidado o que é fake news. Porque, de repente, uma crítica pertinente, ainda que dura, pode ser confundida com notícia falsa. Quando, na verdade, é tão-somente uma crítica. No caso, proibi-la é censura. Mas o Supremo certamente será capaz de dirimir dúvidas com atenção e observar as singularidades dos casos.
Quanto às notícias falsas, as fake news, não há o que discutir: não tem nada a ver com liberdade de expressão. É crime. É banditismo. Inventa-se uma notícia sobre um indivíduo ou sobre uma instituição e posta-se em blogs ou nas redes sociais, e, em seguida, são impulsionadas (chega-se a pagar para que o acesso seja expandido). Dali a pouco, de tão compartilhada, o que “era” — na verdade, nunca deixou de ser — mentira deslavada ganha foro de verdade. Muitos leitores não checarão a sua veracidade, mas, ante o suposto escândalo, decidem compartilhá-la. Quantas vezes por dia não se recebe informações falsas, sugerindo que seja compartilhada até o dedo cansar — e até “cair”? Os receptores, no mais das vezes, nem checam, buscando informações em sites confiáveis, o que estão lendo e, para piorar, compartilhando.
Os criadores contumazes de fake news merecem penalização judicial. O Supremo está no caminho certo. A devastação da máquina criada por aliados de Bolsonaro certamente vai mostrar mais do que se sabe até agora.
Os industriais das fake news também estão envolvidos com ameaças a autoridades. Nas investigações, que estão mexendo com as pessoas certas — que são capazes de qualquer coisa —, há registros de ameaças de morte, de pessoas planejando jogar bombas e até matar. Não será surpresa se ficar caracterizada uma conexão entre autores de fake news e atos terroristas.