Poeta, cujo primeiro livro vendeu 120 mil exemplares, morre aos 24 anos
13 maio 2020 às 22h25
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O autor teve problemas com drogas e, tendo sofrido ameaças de radicais islamitas, havia recebido proteção policial
Pio Vargas, poeta brasileiro, morreu aos 26 anos, em 1991 — de uma overdose de cocaína — quando estava firmando sua voz literária. Grande promessa, deixou uma obra de qualidade — à espera de uma avaliação crítica tanto nuançada quando distanciada (parte de seus leitores, até alguns críticos, se comporta como fã). Yahya Hassan, poeta dinamarquês de origem palestina, morreu no dia 29 de abril, numa quarta-feira, com 24 anos (faria 25 anos no dia 19 de maio).
Segundo reportagem da agência EFE, publicada pelo jornal “ABC”, da Espanha, Yahya Hassan “foi encontrado sem vida, em sua casa de Aarhus, cidade na qual nasceu e cresceu, em um gueto muçulmano”. A causa da morte não foi divulgada.
Em 2013, o poeta publicou um livro, com o título de “Yahya Hassan” — seu nome —, e vendeu, de cara, 120 mil exemplares. Trata-se do “livro de poesia de um estreante mais vendido na história da Dinamarca”. O impacto foi grande no país, gerando debate sobre a obra e, também, sobre o escritor — de vida controvertida.
“Seus poemas duros e diretos sobre seu crescimento em uma família disfuncional, sua crítica aos círculos islamitas e seu peculiar estilo ao recitar o tornaram uma promessa da literatura dinamarquesa e um fenômeno social, que foi traduzido para vários idiomas”, afirma a reportagem.
Yahya Hassan ganhou vários prêmios literários prestigiosos na Dinamarca, como o criado pelo “‘Politiken’, principal diário do país”.
O poeta era crítico do estado do bem-estar da Dinamarca. Ele apreciava destoar do coro dos contentes.
Ameaçado de morte por radicais islâmicos, Yahya Hassan “teve de receber proteção policial”.
Já famoso, teve problemas com a Justiça, por causa de “episódios violentos e posse de drogas”. Chegou a ser internado num hospital psiquiátrico.
Em novembro de 2019, o bardo lançou “Yahya Hassan 2”, “outro livro de poemas autobiográficos”. O livro levou-o “a ser indicado para o prêmio de literatura do Conselho Nórdico, um dos mais prestigiosos da Escandinávia”.
Como Pio Vargas, Yahya Hassan, buscando firmar sua voz poética, tentava consolidar sua singularidade literária. Para além da fama. Não teve tempo. Ficará como um Rimbaud ou um Radiguet? Talvez não. Talvez sim. O tempo, mestre da razão, dirá.
Yahya Hassan escrevia com letras maiúsculas. Talvez fosse sua forma de gritar, digamos assim.
INFÂNCIA
Poesia de Yahya Hassan
CINCO FILHOS EM FILA E UM PAI COM UM PAU
MÚLTIPLOS CHOROS E UMA POÇA DE URINA
ESTENDEM SEMPRE A MÃO
POR ISSO A PREVISIBILIDADE
ESSE SOM QUANDO LHE ALCANÇAM OS GOLPES
A IRMÃ QUE PULA RÁPIDA
DE UM PÉ A OUTRO
A URINA É UMA CATARATA QUE LHE DESCE PELAS PERNAS
PRIMEIRO UMA MÃO ESTENDIDA LOGO A OUTRA
PASSA-SE LONGO TEMPO OS GOLPES CAEM ALEATORIAMENTE
UM GOLPE UM GRITO UM NÚMERO 30 OU 40 ÀS VEZES ATÉ 50
E UM ÚLTIMO PAU NO CU AO SAIR PELA PORTA
ELE PEGA MEU IRMÃO PELOS OMBROS O ENDIREITA
CONTINUA PEGANDO E CONTANDO
E OLHO PARA O CHÃO ESPERANDO MINHA VEZ
MÃE QUEBRA PRATOS NA ESCADA
AO MESMO TEMPO EM QUE A TV AL JAZEERA TRANSMITE
HIPERATIVAS ESCAVADEIRAS E COLÉRICAS PARTES DO CORPO
A FAIXA DE GAZA AO SOL
QUEIMAM-SE BANDEIRAS
SE UM SIONISTA NÃO RECONHECE NOSSA EXISTÊNCIA
SE É QUE EXISTIMOS
QUANDO OFEGAMOS ANGÚSTIA E DOR
QUANDO ESTAMOS BOQUIABERTOS BUSCANDO AR OU SENTIDO
NA ESCOLA NÃO NOS DEIXAM FALAR ÁRABE
EM CASA NÃO NOS DEIXAM FALAR DINAMARQUÊS
UM GOLPE UM GRITO UM NÚMERO
Tradução de Rut de las Heras Bretín. Texto com tradução livre a partir de “Yahya Hassan: ‘El dolor es una fuerza motriz'”. A versão do poema seguiu a tradução espanhola.
Confira mais informações no link
http://www.blogletras.com/2014/11/a-poesia-de-yahya-hassan.html
Poemas traduzidos para o espanhol pela Editora Suma
A LA PUERTA
ROSQUILLA NAVIDEÑA EN MANO ME METÍA EN UN ARMARIO
APRENDÍ A AMARRAR EL CORDÓN DE MIS ZAPATOS EN SILENCIO
DECORÉ NARANJAS CON ESPECIAS Y CINTAS ROJAS
COLGABAN DEL TECHO COMO MUÑECAS DE VUDÚ
ASÍ RECUERDO EL KINDERGARTEN
LOS OTROS ESPERABAN A PAPÁ NOEL
PERO YO LE TENÍA TANTO MIEDO
COMO A MI PADRE
SALAM HABIBI
YO PULÍA UN PEDAZO DE MADERA EN LA ESCUELA
CUANDO EL MAESTRO ME ENTREGÓ EL TELÉFONO
QUE USABA PARA LLAMAR A MI PADRE
QUÉ HE HECHO AHORA PREGUNTÉ
Y PUSE EL TELÉFONO AL OÍDO
PERO ERA MI MADRE
DIJO QUE SE HABÍA IDO
ME PUSE A LLORAR
LA NOCHE ANTERIOR NOS HABÍAN DEJADO EN LA SALA
LA PUERTA DE LA ALCOBA PERMANECÍA CERRADA
RUIDOS ADENTRO Y UNA MIRADA POR EL OJO DE LA CERRADURA
MAMÁ CON UN CABLE AL CUELLO
YO EMPUJÉ LA PUERTA Y ÉL SE SOLTÓ EL CINTURÓN
YA ME HABÍA DICHO QUE PERMANECIERA EN LA SALA