Philip Roth garante que está saindo de cena e deve ganhar o Nobel de Literatura
24 maio 2014 às 10h01
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A literatura norte-americana é de alta qualidade — tanto que influencia autores atuais da Inglaterra. Ian McEwan, talvez o maior escritor inglês vivo, um par de Martin Amis, Julian Barnes e do irlandês John Banville, deve alguma coisa a Henry James, especialmente no registro da ambiguidade dos personagens do romance “Reparação”, e a Saul Bellow e a Philip Roth. Dever não é o mesmo que copiar, ou ser clone. Beber na experiência de outros autores significa, às vezes, contestá-los, revirá-los. McEwan, como Amis, se interessa por Bellow, John Updike e Roth, porém é mais parecido, aqui e ali, com Henry James. Ao se aproximarem dos autores dos Estados Unidos, ao buscarem uma literatura que deve menos ao autores experimentalistas, os escritores ingleses atuais conseguiram se libertar, ainda que não inteiramente, da camisa de força da literatura de James Joyce, aquela que, se não fosse o imenso talento do autor sulista, teria sufocado William Faulkner.
Bellow e Updike morreram e Roth aposentou-se. Restam, é claro, outros grandes prosadores — nenhum deles jovem —, como Joyce Carol Oates, Thomas Pynchon, Cormac McCarthy e Richard Ford. O crítico literário Cezar Santos diz que Paul Auster deve ser incluído na lista.
O que sinaliza a aposentadoria de Roth, de 81 anos? Talvez agora seja agraciado com o Nobel de Literatura. A literatura de Roth é de alta qualidade, mas o homem Roth, embora seja politicamente liberal, é avesso aos extremos que chamam a atenção, quer dizer, não é direitista nem é esquerdista. Sua literatura, embora cáustica com a história americana, é relativamente moderada. O autor parece mais interessado em compreender seu país e seu povo do que condená-los. Dada sua independência de espírito, à decisão de contar sem receio de incomodar e sem intenção de agradar, chegou a ser mal visto entre judeus radicais. O divertido e inquietante romance “O Complexo de Portnoy” chegou a ser tachado, por leitores ortodoxos, como antissemita, o que, evidentemente, não é. Mesmo quando critica, quando disseca o modo de vida dos judeus, com suas mães obsessivas — quais não são? —, Roth o faz de maneira amorosa. Há algum tempo, preocupou-se em recontar, de maneira alternativa mas nem tanto, a história americana. Sua trilogia contém aquilo que Roth faz de melhor: construir histórias bem contadas, com personagens delineados com precisão, e críveis.
Numa entrevista à BBC, devidamente aposentado, Roth, autor de 31 livros — difícil encontrar um ruim, mediano talvez um ou dois, mas a maioria de qualidade incontestável, sobretudo “O Complexo de Portnoy” e “O Teatro de Sabbath” —, disse, como ocorreu com um, dois ou três de seus personagens, que está saindo de cena. Sim, de verdade — está desaparecendo. “Esta é minha última aparição na televisão, absolutamente minha última aparição em qualquer lugar”, disse Roth ao apresentador Alan Yentob.
Em 2004, Roth disse que não saberia viver sem escrever. O autor de “Nêmesis”, seu último romance, garante que mudou de ideia. “Estava equivocado.” Ele frisou que não há mais nada a escrever. Estaria, como escritor, esgotado. Sem escrever, disse, tem “passado momentos muito bons nos últimos três ou quatro anos”. Num comunicado, a BBC disse que “Roth tem mais a dizer sobre os Estados Unidos modernos do que qualquer outro autor contemporâneo” (a leitura de “Casei Com Um Comunista”, “Pastoral Americana” e “A Marca Humana” provam que a BBC está certa). Poderia ter acrescentado a frase “ao lado de Bellow e, sobretudo, Updike”.
Roth abriu seus arquivos para um biógrafo profissional e, ao contrário de Roberto Carlos, não quer que se esconda nada. Cobra apenas que o pesquisador seja fiel aos fatos.