Artista múltiplo, o que Paulo Gustavo necessita é de novos desafios e não ficar repetindo fórmulas puramente comerciais

Paulo Gustavo é um baita ator, um baita humorista, um baita “standupeiro”. Num filme – ou no palco – é tão grande, no sentido de ter um talento imenso, que só percebemos praticamente o próprio, esquecendo, por vezes, do texto, dos cenários e dos demais atores. O que diz se dito por outro não nos comoveria tanto, não nos levaria ao riso desabrido, não nos desopilaria a alma. Típica força da natureza, figura que parece ter nascido lapidada, consegue galvanizar a atenção de todos. Se estiver disfarçado de Olavo de Carvalho, o espectador sabe que se trata do múltiplo artista.

A série de filmes “Minha Mãe É uma Peça” só faz sucesso, com público cativo, por causa de Paulo Gustavo. As demais personagens são figurantes que, aqui e ali, conseguem alguma luz quando se aproximam do rei Sol, quer dizer, de Paulo Gustavo.

Mas, cá entre nós e que gustavetes não nos leiam, “Minha Mãe É uma Peça 3” não é um filme memorável. É um entretenimento que dura o período em que estamos no cinema. Mas isto é o óbvio. Porque Paulo Gustavo não tem a pretensão de estar fazendo arte – grande ou pequena. Ele quer divertir e quem vai ver o filme não está à espera de se entreter com uma obra de arte, pois quer apenas se divertir, dar umas boas risadas e admirar o talento do protagonista.

De fato, “Minha Mãe É uma Peça 3” diverte e mobiliza nosso riso. Mas e daí? Acabou? E nós vamos ao cinema para ver dona Hermínia repetir as piadas (e até grosserias disfarçadas de humor)? Quer dizer, gostamos de mais do mesmo? Cobrar mais de Paulo Gustavo, neste filme, é uma incongruência. Por que, se não há pretensões – ninguém da película quer ser Woody Allen –, perder tempo discutindo o assunto?

Entretanto, por considerar o imenso talento de Paulo Gustavo, é que se deve cobrar mais ousadia. Famoso, com uma multidão vendo seus filmes, ele tem condições de impor um humor, ainda que cáustico, mais bem elaborado. O artista está à espera de um texto à altura de sua capacidade de se tornar o outro – no filme faz uma mulher durona e realista mas que não descarta a emoção. Convence como mulher, e não por ser gay, e sim por ser ator que sabe se tornar o outro, a outra. Pode até parecer caricato, até pelos bobes, mas não é. O personagem é fictício, mas parece real (na verdade, nem a mãe de Paulo Gustavo, figura inspiradora, é igual a Hermínia, que, como em quase toda criação artística, resulta de compósito e imaginação).

22.07.2019 – Brasil, Rio de Janeiro, MINHA MÃE É UMA PEÇA 3 – Foto: ©Marco Antonio Teixeira

Como a personagem Hermínia deu certo, por que mudá-la, por que torná-la mais sutil, sobretudo se o que nos agrada é sua grossura (e, diga-se, ela é tremendamente solidária, o que o realismo exacerbado às vezes esconde) e não necessariamente sua versatilidade?

Quem produziu o filme, e possivelmente as ideias são de Paulo Gustavo, soube combinar o “avançado” – Hermínia não é uma mera dona de casa; ela é, essencialmente, dona de seu nariz (uma feminista, na prática), e subordina inclusive o ex-marido, o palerma Carlos Alberto – e o “conservador”. Observe-se que a exuberante Hermínia – com seus bobes e tudo mais – é cercada pela ideia de família. Como se “Minha Mãe É uma Peça 3” fosse um filme-família. A película exibe os pais de Paulo Gustavo – que são separados – e a madrasta (sugerindo que o pai refez a família) –, isto no final. Antes, no filme, aparece o marido de Paulo Gustavo com os dois filhos. Há quem acredite que família é um hospício coletivo – do qual não se liberta jamais –, mas Paulo Gustavo cerca seu filme de uma “identidade” familiar tão complexa (por exemplo, um novo modelo de família) quanto positiva. Quer dizer, não há nenhum rechaço à família, em nenhuma de suas variações. De algum modo, a mensagem é: Paulo Gustavo é, a um só tempo, insider (integrado) e outsider (apocalíptico).

Finalmente, vale registar que, interpretações à parte, Paulo Gustavo consegue liberar o nosso riso – o que não é pouca coisa. E, repetindo, seu talento é imenso. Se quiser, quiçá se ouvir uma Fernanda Montenegro ou uma Fernanda Torres – que deveria dirigi-lo –, será muito melhor do que é. Talento não lhe falta. Oxalá o dinheiro fácil – ou quase fácil – não o leve a fazer mais do mesmo sempre.