Fora de controle, aliados do presidente agridem fotógrafo e motorista do jornal centenário. Bolsonaro esquece que ele passará e o jornal continuará

Certa vez, vaiaram Juscelino Kubitschek. O político respondeu com insultos? Não. Teria dito: “Feliz do povo que pode vaiar seu presidente”. O terceiro presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson (1743-1826), numa carta a Edward Warrington, de 16 de janeiro de 1787, escreveu: “Se dependesse de decisão minha termos um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir a segunda alternativa”.

O que se espera de um presidente da República, no caso Jair Messias Bolsonaro, quando, nas suas proximidades, profissionais da imprensa são agredidos e impedidos de fazer o seu trabalho? O mínimo: que dê uma declaração condenando a violência — nem que seja pro forma. Ao nada dizer, endossa-se, ainda que de modo indireto, a barbárie. Breve, se o descontrole continuar, teremos, quem sabe, assassinatos.

Diga Sampaio (de óculos) sendo agredido por manifestantes pró-Bolsonaro | Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Bolsonaro diz que está no limite. Ora, quando se agride o pessoal da imprensa, que está reportando fatos, não tem a ver com o limite da sociedade? O presidente se mantém em silêncio. Faz barulho unicamente para apoiar os que, vivendo numa democracia — o que permite que preguem contra ela —, defendem a prevalência de um sistema antidemocrático, com Congresso e Supremo Tribunal Federal dóceis ou, até, fechados.

Os fatos. No domingo, várias pessoas se reuniram, em Brasília, para prestar apoio ao presidente Jair Bolsonaro. O repórter-fotográfico Dida Sampaio, ao tentar fazer imagens do presidente, nas proximidades da rampa do Palácio do Planalto, foi cercado e agredido verbal e fisicamente. O motorista do jornal, Marcos Pereira, sofreu uma rasteira. “Fora ‘Estadão’!”, diziam os manifestantes. O fotógrafo, chamado de “lixo”, foi impedido de fazer seu trabalho e, atacado, chegou a bater a cabeça no chão. A Polícia Militar teve de protegê-los. Curiosamente, nenhum dos agressores foi detido — o que sugere que, pelo fato de defenderem Bolsonaro, tem um certo tipo de “imunidade”.

Agressão ao repórter-fotográfico Dida Sampaio por seguidores de Jair Bolsonaro | Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Embora insultados durante a manifestação, os repórteres Júlia Lindner e André Borges não foram agredidos. Os agressores querem se esconder, por isso agrediram o fotógrafo? E não é sintomático que tenha “escolhido” um profissional do “Estadão”? Frise-se que, articulados, os manifestantes não compareceram com faixas nas quais tradicionalmente clamam pela ditadura e pelo fechamento do Supremo Tribunal Federal. Receberam e cumpriram as orientações.

O depoimento de Sergio Moro, que pode ser o Pedro Collor do atual governo, parece ter assustado Bolsonaro. Daí a manifestação para apoiá-lo. Num primeiro momento, o presidente parece ter subestimado o ex-ministro da Justiça e, certamente, vai se arrepender de tê-lo provocado. Um ex-juiz, altamente experiente, não falaria nada sério contra um presidente se não tivesse provas substanciais para calçar as denúncias. Bolsonaro teme que as denúncias de que tentou interferir na Polícia Federal, e podem surgir outros problemas, leve seu governo a ter problemas tanto com a Justiça quanto com o Congresso.

A Rede Globo voltou a ser atacada. “Globo lixo”, diziam manifestantes, ecoando Bolsonaro.

O que, encantado pelo poder (sempre provisório), Bolsonaro não percebe é que o “Estadão” é um jornal centenário. Os políticos passam — o jornal continua. Bolsonaro não quer mostrar ao jornal o exame que provará se teve ou não a Covid-19. Recentemente, sugeriu que pode ter tido a doença. Depois dessa declaração, não é o “Estadão” que quer saber o que houve, e sim o país. O presidente da República tem o direito de “mentir” ao seu povo?