Otavio Frias Filho, diretor de redação da Folha de S. Paulo, morre aos 61 anos. De câncer de pâncreas

21 agosto 2018 às 10h05

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O jornalista dirigiu o jornal por 34 anos e o tornou mais plural e objetivo
Há donos de jornais que impõem seus filhos como editores — diretores de redação —, sem que, às vezes, tenham feito a mínima transição como repórter, e, no mais das vezes, resultam em jornalistas que não sabem escrever ou escrevem muito mal. Trata-se de um fenômeno universal, não apenas brasileiro. Os três filhos de Roberto Marinho, percebendo que não tinham talento para a escritura, concentraram-se nos negócios — e se deram muito bem. No Grupo Abril, embora soubesse escrever — nada de muito brilhante —, Roberto Civita também se concentrou nos negócios. Seus filhos, Giancarlo Civita e Victor Civita Neto, seguiram pelo mesmo caminho. No “Estadão” (e “Jornal da Tarde”, infelizmente extinto), os Mesquita deram grandes jornalistas e, por isso, comandaram o jornal durante anos — escrevendo artigos e editoriais de qualidade. Na “Folha de S. Paulo”, dois Frias, filhos de Octavio Frias de Oliveira, se destacaram: Otavio Frias Filho — que morreu na terça-feira, 21, de câncer de pâncreas, no Hospital Sírio-Libanês, aos 61 anos —, como diretor de Redação por 34 anos, e Maria Cristina Frias (editora de coluna “Marcado Aberto”). Esta, claro, continha se destacando.
Sob a batuta de Claudio Abramo — na verdade, o grande reformador da “Folha de S. Paulo” —, Otavio Frias Filho aos poucos foi se tornando um jornalista — não um repórter, e sim um editor e homem de ideias — de rara excelência. Ainda jovem, operou um jornalismo mais agressivo e menos dependente dos poderes públicos e privados. Em poucas palavras, tornou a “Folha” o jornal mais lido ou ao menos mais comprado do país. Conseguiu separar a redação do comercial — o que é raro no Brasil, país no qual os proprietários fazem questão, eventualmente, de subordinar a redação aos interesses do comercial. Sem entenderem que uma redação forte — editando um jornal de qualidade — fortalece o comercial. Uma redação sem identidade — e os jornais, notadamente os onlines, são quase todos iguais (leia um e terá lido todos) — não fortalece o comercial.
Otavio Frias Filho era o tipo de jornalista intelectual, altamente preparado, que escrevia ensaios notáveis sobre vários e quaisquer assuntos. Escreveu peças de teatro. E estava preparando um livro sobre o pai. Era casado com Fernanda Diamant, editora da revista “Quatro Cinco Um”, e pai de Miranda e Emilia. Mesmo sendo dono de jornal, com atividades múltiplas, nunca deixou de escrever. Afinal, jornalista que não escreve é tudo — menos jornalista.
Pode-se criticar a “Folha” por vários motivos — entre eles a obsessão em dizer que se trata do melhor jornal do Brasil e, se deixarem, do mundo (um ex-ombudsman, Caio Túlio Costa, ao polemizar com Paulo Francis, disse que o “Estadão” era um “mausoléu”) —, mas tem mesmo qualidades editoriais. Seu pluralismo acabou sendo levado para outros jornais — como “O Globo” (o “Estadão”, apesar de conservador, sempre abriu espaço para vozes contrárias). A busca do pluralismo e da objetividade e a crítica intensa, mas responsável, se deve, em larga medida, à condução de Otavio Frias Filho. Ele dizia que os jornais deveriam ser praças públicas, ou seja, lugares abertos ao debate plural, sem discursos hegemônicos. Por outro lado, a “Folha” nunca renunciou a ter posições firmes sobre os fatos. Ao contrário de alguns jornais, que reduziram o espaço para a opinião qualificada, o diretor de redação reforçou a opinião do jornal sobre os fatos. O ‘Globo”, na nova reforma gráfico-editorial, fez o mesmo. Jornais impressos exigem opinião abalizada, porque senão ficam velhos assim que são impressos. É o caso de “O Popular” e de outros jornais que não perceberam a emergência do jornalismo online — atualizado em minutos ou, até, nanosegundos.
Num texto de fevereiro deste ano, “Jornalismo, um mal necessário” — na verdade, um bem mais do que necessário, imprescindível —, Otavio Frias Filho escreveu: “O jornalismo, apesar de suas severas limitações, é uma forma legítima de conhecimento sobre o nível mais imediato da realidade. Para afirmar sua autonomia, precisa cultivar valores, métodos e regras próprios”.
Otavio Frias Filho escreveu mas não teve tempo de publicar o livro infantil “A Vida é Sonho e Outras Histórias para Pensar”. Ele estava escrevendo um livro sobre o pai.
Sérgio Dávila é o editor-executivo da “Folha de S. Paulo”. O jornal não informou se ele — Luís Frias comanda a empresa — será guindado ao posto de diretor de redação. Maria Cristina Frias, especializada em economia, certamente é outra jornalista capaz e que pode ser indicada para a chefia da redação.
O câncer de pâncreas
O câncer de Otavio Frias Filho foi diagnosticado em setembro de 2017. O câncer de pâncreas é considerado letal na maioria dos casos (até porque é mais difícil de ser diagnosticado) — tanto que, embora sido assistido pelos melhores médicos, nos melhores hospitais, não chegou a viver um ano depois da descoberta da doença. Meu pai, Raul de França Belém, viveu um ano e quatro meses — o que é raro, ainda mais para um homem de 74 anos. Nos últimos dias, sofreu muito. A médica havia me avisado: a trajetória será difícil e dolorosa (no final, nem mesmo a morfina tirava a dor, que, aparentemente, havia se tornado, mais do que física, psíquica). Com elegância, ele estava sugerindo que não havia escapatória.
Steve Jobs, o criador da Apple, e o ator Patrick Swayze morreram de câncer de pâncreas.