Artista do incisivo, Vera Magalhães é bem-informada e uma analista de primeira linha. O talento de Daniela Lima pode ser mais bem aproveitado numa rede crítica

A GloboNews reuniu um time de comentaristas de primeira linha — Monica Waldvogel (quem não aprecia seu equilíbrio e singularidade?), Flávia Oliveira (vale colocá-la como comentarista também do “Jornal Nacional”, dada sua competência ao comentar temas variados), Natuza Nery, Julia Duailibi, Ana Flor. Mas…

… Mas o quê? Como mexer em time que está ganhando de goleada? Não se trata de “mexer”, e sim de adicionar. O que falta à GloboNews é a presença consistente, corajosa e posicionada de Vera Magalhães e Daniela Lima.

Vera Magalhães, artista do incisivo
Vera Magalhães: apresentadora do “Roda Vida” e articulista do jornal “O Globo” | Foto: Reprodução/TV Cultura

Vera Magalhães não tem uma voz excelente (é fina e “ácida”, por assim dizer), mas, na apresentação do “Roda Viva” (TV Cultura) — onde, frequentemente, é a entrevistadora mais incisiva e bem-informada —, melhorou muito. A jornalista brilha como articulista de “O Globo” não pelo excesso verbal — há quem acredite que “vociferar” resolve alguma coisa (há “Bolsonaros” também na esquerda e no centro do espectro político) —, e sim pela análise precisa sobre a conjuntura. Contida e ponderada, ela não “grita”, mas, posicionada, diz tudo que precisa dizer, com o máximo de clareza e a coragem de sempre.

Há espaço para Vera Magalhães na GloboNews? Claro. As seleções, mesmo as melhores, sempre precisam de novos jogadores — de craques. Vera Magalhães é uma craque. Chegará, se chegar, para ser titular — e não será preciso retirar ninguém do campo. É só acrescentar mais uma cadeira para esta “artista do incisivo”.

Daniela Lima, uma força da natureza
Daniela Lima, jornalista da CNN Brasil | Foto: Reprodução

A CNN Brasil fez um bem imenso à GloboNews. Forçou a concorrente, que já estava instalada — numa espécie de zona de conforto indiscutida —, a se movimentar. O canal de jornalismo global melhorou muito depois da chegada da competidora.

A programação jornalística da CNN Brasil é de qualidade. Mas corre o risco de se tornar uma espécie de SBT do “seu” Silvio (Santos) do jornalismo por assinatura — o que seria ruim para os telespectadores. Nada contra a presença de Alexandre Garcia, com sua defesa intransigente do governo de Jair Bolsonaro — porque gera algum equilíbrio —, mas o jornalista não deve se comportar como porta-voz informal do presidente. Pode até apoiar o gestor federal, mas deve se posicionar como porta-voz de si ou da rede. Mas os que defendem a “retirada” do ex-global cometem um erro. Porque não se deve excluir a voz dos que pensam diferentemente de nós.

Para reforçar a ideia de equilíbrio — mas não de isenção, um mito da areia movediça que às vezes o jornalismo é —, a CNN Brasil abriu espaço para Caio Coppolla. Muitas vezes, ele disse coisas pertinentes. Mas falta-lhe a formação adequada para defender ideias liberais ou conservadoras (frise: Bolsonaro não é liberal — é conservador de matiz fundamentalista e nacionalista). O jornalista Guilherme Fiuza, que está na Rádio Jovem Pan, é claramente de direita, mas muito mais preparado. Assim como Augusto Nunes, que está no portal R7.

Alexandre Garcia: comentarista de direita| Foto: Reprodução

Se Alexandre Garcia parece um peixe no mar da CNN, a apresentadora Daniela Lima às vezes é um peixe fora d’água na rede americana tropicalizada.

Espécie de força da natureza — “briga” para trabalhar mais e melhor, o que às vezes incomoda colegas —, Daniela Lima trabalhou na “Folha de S. Paulo”, como repórter-colunista, e se destacou como apresentadora do “Roda Viva”. Em seguida, foi contratada pela CNN Brasil.

Mas o lugar de Daniela Lima parece não ser a CNN Brasil, e sim a GloboNews, que, por certo, lhe daria mais liberdade de ação. Sua capacidade analítica — assim como sua firmeza e coragem — precisa ser mais bem aproveitada. Trata-se de uma entrevistadora notável, independente, crítica e indomável. A CNN não está aproveitando todo o seu talento — porque, ao querê-la “comportada”, talvez acredite que possa igualá-la a profissionais “integrados”.

Daniela Lima não deve ser vista tão-somente como “apresentadora” ou “entrevistadora”. É uma comentarista a ser mais bem explorada.

Jair Bolsonaro: desequilíbrio do presidente da República, adepto de teorias conspiratóricas, gerou certo desequilíbrio na cobertura jornalística | Foto: Reprodução

Em jornalismo pior do que não ser isento, é fingir isenção. Não existe isenção e imparcialidade em jornalismo — assim como na vida. Deve-se buscar determinada objetividade — numa palavra, equilíbrio —, mas é impossível ser “isento”, “imparcial”. A CNN Brasil tenta provar que é isenta, e aí se comporta, aqui e ali, como o “sorriso do poder”, mas, felizmente, ainda não se tornou a “cárie” da sociedade. Como não é isenta, a rede patropi parece usar máscaras (de direita, de esquerda e de centro).

A GloboNews não se expõe como isenta. Pelo contrário, é crítica, duramente crítica, ao governo de Jair Bolsonaro — como não foi em relação a nenhum outro governo. Há um confronto, não, a rigor, de “adversários”, e sim de “inimigos”. O presidente parece acreditar que poderá contribuir para “destruir” o Grupo Globo — que está no mercado há décadas. É um equívoco de quem não tem um olhar para a história real (falta ao líder da direita perspectiva histórica). Já a Globo parece crer que, com jornalismo crítico, pode colaborar para retirar Bolsonaro do poder, pelo voto, em 2022. É possível? É. Mas não será fácil. Porque o voto em Bolsonaro é só em parte ideológico. Parte das classes médias, que não se sentem representadas pelas esquerdas e pelo centro, parece ter encontrado no direitista seu, digamos, Antônio Conselheiro ou Padim Cícero (Ciço). Um guia político e espiritual. Vários homens se identificam, quem sabe, com o caubói de Marlboro. Curiosamente, mulheres se identificam menos com o machão do Planalto.

Ali Kamel, diretor de Jornalismo da TV Globo: sempre atento, precisa ficar de olho no talento exuberante de Vera Magalhães e Daniela Lima | Foto: Reprodução

A Globo perdeu o equilíbrio? A rigor, apesar de ser “contra” Bolsonaro, há um equilíbrio relativo, até porque já jornalistas de excelente nível no seu plantel. Pode-se acrescentar que, com (mais) liberdade, a equipe do Grupo Globo, sobretudo do jornal “O Globo” e da GloboNews (que acompanho mais), está fazendo jornalismo. Millôr Fernandes dizia que “jornalismo é oposição, o resto é secos e molhados”. Os jornalistas globais estão seguindo à risca a dica do filósofo do humor.

Se há um algum desequilíbrio no jornalismo da Globo — notadamente no da GloboNews —, e certamente há, ele resulta do desequilíbrio de Bolsonaro, que, quase sempre, passa dos limites, confundindo as razões de Estado com as razões de governo e, pior, as razões pessoais. Como ter equilíbrio ante um rival, o presidente, que não tem equilíbrio, que aposta na República do Ódio?

Tanto que o suposto equilíbrio da CNN Brasil parece “adesão”, e não equilíbrio. Profissionais da rede — e vários são de excelente nível (não são bolsonaristas nem lulistas) — também têm sido vítimas da fúria bárbara do bolsonarismo. O que prova que Bolsonaro não quer jornalismo isento, e sim adesão — 100% — ao seu projeto de poder, que, tudo indica, é de cariz autoritário.

Resta a Daniela Lima, cujo talento precisa ser mais bem explorado, “escapar” logo para a GloboNews — um canal de jornalismo que joga claro e não finge que é isento.

Um dos principais responsáveis pela qualidade do jornalismo da TV Globo e GloboNews, Ali Kamel deve abrir o olho para Vera Magalhães e Daniela Lima. É provável que a CNN Brasil já esteja de olho na primeira.