O que a relação de Larissa Manoela com Silvana nos ensina sobre a relação mãe-filha

29 agosto 2023 às 17h43

COMPARTILHAR
Cristiano Pimenta
Especial para o Jornal Opção
As revelações sobre as relações familiares de Larissa Manoela com seus pais são, no mínimo, chocantes. Quem diria que por detrás das belas fotos da família unida e das relações entre mãe e filha aparentemente baseadas no amor e na confiança existisse tudo o que foi revelado na mídia! A relação abusiva, o tapa na cara capaz de quebrar dois dentes, a chantagem emocional, a apropriação dos rendimentos da filha e muito mais. A verdade aterradora sobre essa mãe, que se diz preocupada com o bem da filha, faz lembrar as grandes vilãs das nossas telenovelas. Em nome do cuidado, da educação, e do futuro da filha, Silvana parece ter tentado exercer um controle que faz lembrar alguma forma de encarceramento digno das personagens inventadas por uma Janete Clair.
É preciso que uma mãe saiba do que está em jogo nessa separação com a filha. Não se trata de modo algum de produzir uma ruptura com a filha ao modo de Larissa e Silvana. A separação com a filha, a boa, é aquela que impõe para a mãe a possibilidade de assumir um amor que lhe permita um ceder a filha, cedê-la para esta possa viver sua própria vida, com todos os riscos que isso implica.
O que está na base da posição de Silvana em relação à sua filha é, tudo indica, a chantagem amorosa. Um tal “amor de mãe”, enlouquecido, que bem poderia ser formulado assim: “Se você não sacrificar sua vida por mim vou te abandonar e te punir”. Aliás, Silvana chegou a prometer que “acabaria com a carreira da filha e do noivo” se a filha não emendasse.
Diante desses fatos, não há como não lembrar do que o psicanalista Jacques Lacan definiu como sendo a posição da mãe na relação mãe-criança: a mãe é uma boca de crocodilo que quer devorar. E o pai seria aquele que viria colocar um anteparo nessa boca. Mas não é isso o que vemos no pai de Larissa. Até onde sabemos, ele é conivente com os maus tratos da esposa, indiferente, comparsa e interessado nos seus próprios ganhos.
A separação da mãe
Não se trata aqui nessa pequena análise de ignorar o fato de que nem toda mãe seja assim. É evidente que muitas mães são respeitosas e verdadeiramente amorosas com suas filhas. Mas há algo em jogo na relação mãe-filha que o caso de Larissa permite ver como clareza. De modo geral, o desprendimento de uma filha em relação a sua mãe é crucial para que ela possa assumir o controle de sua própria vida. Ou seja, há aí uma certa separação a ser conquistada. Essa separação ocorre em níveis diferentes. No caso de Larissa trata-se, por um lado, de romper com os contratos de trabalho, de ir morar em sua própria casa, poder escolher o próprio parceiro amoroso, etc. Mas, por outro lado, há também a separação ao nível do vínculo afetivo com a mãe. Esse nível é o mais determinante porque é aí que uma culpa irracional, com raízes no inconsciente, lança, por assim dizer, suas flechas negras no coração de uma filha. “Você não seria capaz de fazer uma maldade dessas com sua própria mãe, não é mesmo? Aliás, como você sabe, ela se sacrificou para que você pudesse ser o que é agora…”. Eis aí o que é preciso enfrentar antes de sair de casa: o supereu materno, que compõe seu próprio inconsciente.

18 milhões!
Parece plausível supor que Larissa se valeu de um recurso para consolidar sua separação da mãe: o de pagar uma fortuna por essa separação (18 milhões de reais) para tentar saldar essa dívida impagável. Dívida com a mãe, certamente, mas, ao mesmo tempo, dívida com o seu próprio supereu. Aqui poderíamos localizar, de modo oportuno, uma das funções cruciais de um tratamento psicanalítico, a saber, ir contra o programa do supereu, destituí-lo, para que o desejo possa circular com mais liberdade.
Portanto, é plausível supor que Larissa, está, neste momento, realizando, como ou sem a ajuda de uma terapia, uma das maiores conquistas da sua vida. Caso não o fizesse o que teríamos? Teríamos o que chamamos de Devastação oriunda da relação com a mãe, o sacrifício de si para tamponar o buraco sem fundo do desejo materno.
Parceria amorosa e desejo de viver
Mas o caso de Larissa é exemplar ainda em outro aspecto. Essa separação da mãe é conquistada, ainda que de modo traumático, justo no momento em que Larissa está vivendo um amor, que já se tornou um noivado. Silvana desconfia de que o noivo de Larissa possa estar “fazendo a cabeça da filha”, no sentido de leva-la a produzir essas rupturas. Mas, como poderia ser diferente? Como poderia uma filha amar alguém, construir um casamento, etc. sem deixar de ser a filha que se sacrifica por sua mãe? Uma escolha exclui a outra.
Por fim, é preciso que uma mãe saiba do que está em jogo nessa separação com a filha. Não se trata de modo algum de produzir uma ruptura com a filha ao modo de Larissa e Silvana. A separação com a filha, a boa, é aquela que impõe para a mãe a possibilidade de assumir um amor que lhe permita um ceder a filha, cedê-la para esta possa viver sua própria vida, com todos os riscos que isso implica.
Cristiano Pimenta, psicanalista, é membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise. É graduado em Filosofia pela USP e mestre em Psicologia Clínica pela UnB.