No dia em que o Brasil finalmente inaugurou seu mar de lama, a Globo se afundou numa pauta movediça e mostrou que lhe interessa mais divulgar o funk de Paraisópolis do que esclarecer sobre o crime ambiental

Elder Dias

Neste 22 de novembro de 2015, depois de mais de 500 anos fazendo jus à metáfora, hoje enfim o Brasil conseguiu materializar seu mar de lama. Parabéns pra nós: não dá pra negar que nos esforçamos muito pra isso.

Pensei, no entanto, que o fato inédito mereceria maior repercussão em nosso maior canal de TV. Mas o “Fantástico” investiu exatos 2min55 para falar do caso. Menos de três míseros minutos para falar do maior crime ambiental da história da América do Sul. A propósito, a matéria anterior, sobre um intercâmbio entre jovens das periferias carioca e paulista, teve 3min25… Ou seja, promover a novela “Paraisópolis” ganhou meio minuto a mais da Rede Globo do que a foz enlameada pela Vale.

O competente repórter Marcos Losekann parecia perdido, sem entender que o tema do dia não era mais o assassinado Rio Doce, mas o mar. E, quando falou, foi em “o mar engolindo uma tragédia”: não, é o contrário! É a lama engolindo o mar – em um crime, não tragédia.

Marcos Losekann: um bom repórter perdido num mar de lama que o “Fantástico” não soube mostrar

Que consequências terá o mar, as praias, o litoral do Espírito Santo? Não sei, e gostaria de saber. Mas não havia um oceanógrafo na pauta. Em vez disso, a reportagem deu heroísmo à tentativa fracassada da Samarco (uma empresa da multinacional Vale, nunca citada) de parar a lama. Deu certo: eu quase fiquei com dó deles.

E Losekann finaliza a matéria usando um trocadilho com uma canção popular (“para os pescadores, o que era Doce se acabou”) e lançando uma hipótese sobre o poder de reação do mar: “Quem sabe ele (o mar), com sua imensa capacidade de regeneração, consiga absorver mais esse golpe.” É, quem sabe, né? Vamos torcer, ou então chamar o Moisés da Record para abrir o mar e separar a lama.

Aí veio o bloco sobre o terrorismo na Europa (que é algo bem mais fácil de engolir) foram dois blocos de matérias exaustivas, melodramáticas, sensacionalistas e alarmistas (não fizeram nenhuma referência a como anda o quadro na Síria e no Iraque, onde o Estado Islâmico mata por dia muito mais do que o total de vítimas do atentado a Paris). Chegaram a dizer que a Bélgica está virando Belgistão.

Ah, sim: para o terrorismo, foi meia hora de “Fantástico. Haja bomba.